“OH, poças, poças!”, pensei enquanto calculava, mentalmente, as minhas hipóteses de fugir sem ser observada.

Lysandre, aparentemente o príncipe herdeiro do meu país, encontrava-se a poucos metros de mim acompanhado pela mãe (pela lógica a rainha). Concentravam-se numa tenda de ninharias, absorvendo todos os olhares e pensamentos do público que estava ao seu redor.

E porque estava eu escondida por baixo do balcão das pinturas de Violette? Bem, a resposta é simples e óbvia: “SE AQUELE PLATINADO ME VIR, ESTOU QUI-LHA-DA!”. Isso mesmo (desculpem a frontalidade).

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Lembrei-me dos olhares íntimos que tínhamos trocado naquele dia, no parque. Lembrei-me dos braços fortes e quentes dele, apertando o meu corpo. Corei. Ele, Lysandre.

Aquilo não era bom. Não era nada bom, aliás. Uma plebeia, como eu, se fosse acusada de algum atentado de flertar com um membro da família real, como eu tinha feito, poderia ser considerada uma “mulher sedenta de fama”. E, tão inquestionável como o facto de um mais um serem dois, uma mulher destas mais um príncipe era igual a um crime civil, que era sinónimo a passar uns anitos num hotel de cinco estrelas: a prisão.

Os meus pensamentos deveriam ser tão ruidosos como a loucura que eu estava a sentir, já que um par de sapatos encaminhou-se na direcção do meu esconderijo. Encolhi-me mais contra o balcão, tentando esconder os pés que ainda estavam descobertos. Conseguia ouvir o medo do meu coração. As pernas magras presas aos sapatos encolheram-se e uma face espreitou a negra caverna do debaixo do balcão.

- Esmeralda?- perguntou a minha voz.

Puxei a pessoa em questão para o escuro do meu esconderijo.

- Porra Violette!- berrei-lhe, enquanto a abraçava, aliviada.- Quase sujei as cuecas por tua causa!

Tentei abrandar os saltos do meu peito, que já me magoavam.

- O que é que se passa?- perguntou-me ela, preocupada.

Pensei em imensas desculpas tais como: “Sabes, está muito sol lá fora e eu, como sou vampira, tenho de me esconder ou virarei cinzas”. Mas, ao contrário do que parece, Violette não era burra nenhuma. Nem muito menos ingénua. Ela sabia exactamente quando eu estava a mentir e, como católica que era, não me deixava em paz até a verdade me sair da boca.

Porém, o tempo necessário para explicar a situação era escasso e eu tinha mesmo, mesmo, de sair daquele local.

- Explico-te depois.- tentei.

Violette percebeu a minha hesitação.

- O que queres que faça?- perguntou-me ela.

Sorri.

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- Que tempos estranhos, estes!- forcei a rouquidão da voz. Voltei a elevar a capa que me deveria tapar a cara.- Nos meus tempos, ninguém imaginaria uma maça a custar três moedas! Três moedas!

A mulher da mercearia olhou-me receosa. Acho que já estava a protestar com ela há cerca de meia hora, e as consequências de ouvir tantos resmungos já se viam: uma ruga parecia que queria explodir da pele da mulher.

- Nos meus tempos,- comecei de novo, tentando entrar na minha personagem- com três moedas já se comprava um cabrito inteiro!

A dona, finalmente, passou-se.

- Vai ou não vai comprar, velha?- gritou. Fingi ficar decepcionada e até magoada com aquela afirmação.

Dei lhe as três moedas.

- Fique a saber, minha menina, que nunca fui tão mal tratada nos meus noventa anos de vida!- gritei.

Devagar, e com as costas arqueadas, fiz-me ao caminho. Enquanto mordiscava a maçã, deleitei-me com a balburdia que eu tinha feito na mercearia. Desta surgiram pessoas que apoiavam-me e que ameaçavam a dona da loja a não voltar a comprar ali, se esta não fosse mais bem-educada.

Ri-me. Violette tinha-me arranjado uma capa preta, para assim eu entrar na minha personagem: uma velha catética resmungona. O propósito era passar despercebida e sair da área da feira onde o príncipe procurava uma forma de me colocar na cadeia.

Mas, como já devem ter percebido, manter-me calada perante algumas situações era difícil. E além disso, fazer um tumulto, actividade extremamente divertida, era um dos muitos hobbies que eu tinha formado. E, finalmente, aquela mulherzinha, por diversas vezes, tinha roubado Christian quando este vinha fazer umas compras. Merecia umas belas lambadas no focinho, mas como me considerava uma cavalheira, apenas lhe coloquei o negócio em risco. Sorri novamente.

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Uma mão agarrou o meu braço.

- Não pode ir por aí, senhora!- disse-me uma voz masculina.

Olhei-o de relance. Não me poderia dar ao luxo de olhá-lo totalmente, já que o disfarce, que nada foi trabalhado, poderia sair do lugar onde deveria ficar.

Mas, mesmo com tais condições, percebi que tinha olhos e cabelos pretos, a face era estreita e a pele morena. Não aparentava ter, ainda, vinte anos.

- A via está cortada.- esclareceu-me ele.

- Obrigada jovem.- tentei manter o disfarce.- Por onde devo ir, então?

Ele dirigiu-me um educado “Siga-me”, enquanto conduzia-me para fora da feira. Ao ver a face de Lysandre a desaparecer com cada passo que dava, suspirei. “Estou finalmente livre de apuros.”, pensei eu.

Porém, sem prévia previsão, o vento atraiçoou-me. Uma rajada de ar forte enfrentou-me e, sem eu conseguir dar luta, retirou-me a capa da cabeça e do alcance, mostrando a todos os atentos o meu cabelo jovial.

Senti a face do homem que me acompanhava a retesar. Recuou um passo, afastando-se o máximo de mim: uma mulher, que por nenhum motivo aparente, tinha acabado de mentir a uma pessoa que lhe tinha mostrado gentileza.

- Desculpa.- comecei eu- Estava a tentar esconder-me de uma pessoa…

- Esconder-te?- perguntou-me curioso.

“É demasiado tarde”, pensei, quando a pessoa que eu mais evitava no momento inquiriu:

- Esmeralda, és tu?- ouvi a voz de Lysandre, que me olhava preocupado.

- Poças!- suspirei, enquanto fugia para a minha “casa”.

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Ao entrar no bar, percebi que algo não estava certo. Não havia barulho, não havia cheiro a álcool, não havia palmadinhas em nenhum rabo, nem muito menos gente a destruir a loiça.

Quando percebi que as únicas pessoas presentes na sala eram Helena, Christian e aquele homem, o meu corpo tremeu. Estava em sarilhos. Grandes sarilhos.

- A que devo a honra da sua presença, Raúl?- perguntei-lhe, ironicamente.