Contos Da Madrugada

Um Lugar Im(perfeito)


O vento batia fortemente nas janelas no número 95 da Rua Vale Escuro, uma casinha amarela, com sua tinta desgastada e seus portões brancos já enferrujados. A chuva começara a cair. O quintal que ficava de costas para a rua endereçada estava cada vez mais ensopado e sujo com a água que descia das nuvens loucamente, como se o mundo estivesse prestes a acabar. E eu estava dentro dessa casa.

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No fundo, nem ligava para a chuva. Estava olhando uma revista que havia comprado a quase um ano. E estava bem chateada, por sinal.

O dia não havia sido bom. Tudo bem, era uma sexta-feira, eu não estava no meio do temporal e eu mal houvera tido aula - minha classe estava fazendo uma peça de terror, portanto o dia foi exclusivamente disso. Mas, sei lá. Eu não estava feliz.

Talvez deveria me apresentar. Me chamo Mary Smith, e tenho 13 anos. E considero minha vida uma vida bem sem sal. Acordar cedo, ir para a escola, voltar da escola, ir ao curso de Inglês, voltar e continuar a viver minha vidinha medíocre, me entupindo de Fandangos e tentando me divertir comigo mesma. Se você passar um dia comigo, pode até achar que sou a pessoa mais feliz do mundo: faço piadas, converso comigo mesma sobre coisas idiotas que me fazem rir, faço careta no espelho e demonstro ser alguém bem sorridente. O problema é que ninguém é feliz nessa vida.

Não adianta você botar um sorriso nessa sua cara e demonstrar ser alguém super divertido se, no seu interior, você é uma pessoa triste, que queria viver bem longe da tão povoada São Paulo. Viver talvez em... Montreal.

Talvez eu devesse fugir, ir pra lá mesmo. Na minha imaginação eu já sumi daqui, da conturbada São Paulo, e agora estou sobrevoando os Estados Unidos, prestes a chegar ao Canadá. Tem horas que eu só queria estar bem longe daqui. Quem sentiria falta? Meus pais? Alguns dos meus parentes? Sentiriam porque é quase obrigação deles sentir, porque eu sou da família. E as pessoas que não tem ligação nenhuma comigo, a não ser a amizade? Quantas chorariam ao perceber que eu parti?

Ninguém, eu acho. Simplesmente nenhuma pessoa que eu conheço. Não porque são falsos, ou porque não gostam de mim. Mas sim porque nenhum dos meus amigos se importa tanto, mas tanto comigo, a ponto de derramar lágrimas ao ver que eu fui embora. Talvez, o maior motivo, é que eu não acredito em amizades verdadeiras. Não comigo.

E esse é o maior motivo de eu me sentir tão mal, nessa tempestuosa tarde de junho, trancada nesse quase-casarão, localizado na Rua Vale Escuro, número 95, enquanto o vento bate fortemente nas janelas e eu me enfio numa eterna depressão.