Dançarina Das Marés

Lamentações


Por onde haveria de começar meu relato a fim de fazer-me entender? Essa história aos olhos daqueles que vivem em terra pode parecer deveras surreal e longe da verdade, mas lhes garanto que nela não há nada de ficção. Eu estava lá, e presenciei, com meus próprios olhos e com todas as escamas do meu corpo.

O mar é cheio de mistérios, isso talvez seja uma das maiores verdades do mundo. Abismos oceânicos e profundezas remotas onde nenhuma das criaturas ou a própria luz quente do sol ousa ir, recifes de corais tão extensos como latifúndios marítimos, cujos donos são as mais diversas espécies de peixes e diferentes seres de todas as formas, tipos e cores, tão distintas umas das outras, formando seu próprio arco-íris submerso, enquanto dançam ao sabor das marés em movimentos não planejados. Animais que parecem saídos de sonhos, tão estranhos e curiosos que lhe fazem duvidar se são mesmo reais, e não um fruto de um devaneio tolo á beira mar.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Presenciei muitas coisas, algumas extraordianárias, que ninguem jamais sonharia em ver, outras assustadoras, das quais tiram o sono dos marinheiros apenas ao pensar nelas. Mas de qualquer forma, não posso dizer que não vivi a maneira que desejei. Nadei ao sabor das ondas e das marés, sem respeitar fronteiras nem outros limites impostos aos homens. Fui livre, dobrei os mares a minha vontade sem temor, ou pelo menos, o fiz pelo tempo que me foi permitido.

O triste, ou talvez até mesmo irônico é eu estar aqui agora, presa em uma rede, esperando meu fim. Talvez eu seja apenas mais um tipo curioso de peixe que nada por esses mares desconhecidos, ou uma espécie mestiça renegada que não é peixe nem humano. Devido a esse tolo dilema, aproveito meus ultimos momentos para relatar minha história para quem queira ouvir, seja a barracuda presa a poucos metros de mim, que tenta inutilmente se desvencilhar dessa armadilha mortal em que caímos, ou a tartaruga já morta que não pôde voltar a superfície para respirar. Seja como for, estamos destinados a perecer aqui juntos. Se assim é a vontade do destino, é melhor eu aproveitar os meus ultimos momentos que restam para fazer o levantamento da minha vida. Assim como a barracuda que aproveita os dela para tentar se soltar, mas apenas consegue embolar-se ainda mais na rede que nos cerca, eu tentarei contar minhas lembranças, mergulhando no fundo da minha mente e me enrroscando nas redes letais de pensamentos, que quanto mais fundo eu vou, mais me prendo em mim, condenando-me.