Meu Namorado De Mentira

Senso de solidariedade


– Sai Patrick. - Grito empurrando o garoto para o lado. - Não sabe que existe um espaço pessoal que deve ser respeitado? - Completo indignada.

– Eu não tenho culpa de que por algum motivo neste mundo eu tenha que ficar no seu lado enquanto vamos para a roça neste ônibus infernal. - Ele resmunga se acomodando novamente em seu banco ao meu lado.

Hoje era quinta-feira. Faltavam uma semana e dois dias, mais ou menos, para voltarmos a nossa realidade já que as férias logo acabariam e tinhas escola.

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Por algum motivo me sentia meio tristonha com isso, afinal eu gostava realmente de ficar naquele Acampamento mesmo sendo infeliz com algumas coisas e alguns acontecimentos.

Desde sábado as coisas pareciam ter ficado cada vez mais tensas entre mim e Charlie, isso ainda me perturbava como no dia de sua história que se declarava para mim de uma forma estranha e pouco tradicional.

Na segunda feira ele veio falar comigo, perguntar se estava tudo bem devido a minha saída nada educada da fogueira e parecia tê-lo deixado bastante preocupado, não só ele como sua irmã também.

Que por um acaso não perde a oportunidade de dar em cima de Patrick ignorando totalmente a mim ou qualquer pessoa que esteja perto deles. Isso as vezes é irritante, sabia? Ser ignorada por uma lunática por que ela resolveu dar em cima do seu namorado de mentira.

Bem, voltando ao momento que Charlie veio falar comigo... Eu apenas disse que estava bem e que ele não precisaria se preocupar comigo por que tudo estava no controle (mentira) e caso eu precisasse de ajuda, pediria a ele (mentira). E desde então venho evitando qualquer contado com ele por motivos... Óbvios!

Eu estava ficando cada vez mais afetada com tudo em minha volta, com as piadas sem graça de Patrick, com os pesadelos que resolveram voltar a me assombrar e com os constantes avisos de mim mesma para pensar em outra coisa e não no fato de ter alguém apaixonado por você.

Eu sei que isso pode parecer meio... Estranho! Mas acredite em mim, se você tivesse vivido o que eu vivi saberia exatamente que qualquer cuidado é pouco, ainda mais quando falamos de sentimentos sublimes de meros mortais.

Foi por isso que eu decidi me ocupar de verdade e me voluntariei para passar um fim de semana na casa de não sei quem ajudando a fazer coisas básicas na casa, como pintar paredes, concertar o celeiro ou qualquer coisa que me deem para fazer.

O.K. Confesso que eu não tenho a menor habilidade para qualquer tarefa ainda mais falando de obras, mas eu podia aprender, não podia? E sendo uma dama...Eles não me dariam coisas muitos pesadas, não acham?

Pena que minha ideia parecia ter despertado os sentimentos de ajuda comunitário de mais três pessoas: Patrick, Charlie e Jane. Realmente, eles me comovem com o seu senso de solidariedade.

Então estamos dentro de um micro-ônibus sem ar condicionado, sem expectativa de civilização indo para uma casa de fazenda ajudar uns caipiras a concertar sua casa. O problema era que só iria, eu e os outros três. Nem mesmo o motorista iria ficar para nos ajudar. Ele diz que iria passar segunda de manhã para nos buscar, já que ele não ficaria com os malucos que moram naquela casa nem por um milhão de dólares.

Onde eu fui amarrar meu burrinho?

– Bem Vindo a Relief, onde seus sonhos nunca serão realizados. - Anunciou o motorista praticamente nos expulsando do seu mini ônibus.

Pegamos nossas mochilas e nos viramos para a casa. Realmente, nada poderia ficar pior. Estávamos em um lugar que a única coisa viva que parecia existir eram nós e as vacas leiteiras que pastavam como se tivessem lá a mais de séculos. O resto era tudo uma grama alta, silvestre e amarela. Quase como a de uma savana, só que aqui não tinham leões ou outros bichos da selva. Pelo menos eu esperava.

Joguei minha mochila pelo ombro e segui pela estradinha que levava até uma casa de dois andares, feita de madeira podre e velha de cor de barro. Na varanda estava duas cadeiras de balanços esquecidas pelo tempo, umas plantas torradas pelo sol e por falta de hidratação e um cachorro que dormia profundamente que nem o olho abriu quando chegamos arfando na varanda.

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– Será que está morto? - Perguntou Jane olhando para o cachorro.

– Não se preocupe criança, esse pobre cachorro velho ainda vai manter a casa protegida por muito tempo. - Diz um velhinho aparecendo do nada na varanda.

Ele usava uma camisa branca, calças que ultrapassavam seu umbigo sustentado por suspensórios vermelhos. Ele mal tinha dentes na boca, seu sotaque era algo horripilante e um boné velho, encardido e grande estava sua cabeça.

– Olá, Senhor... - Falou Jane primeira não deixando se levar pela imagem horripilante do velho.

– Senhor Felix chuchuzinho. - Ele falou.

Espera, aquilo era uma língua passando nos lábios?

– Acho que vou vomitar! - Comento me escondendo atrás de Patrick.

– Não deixe que esse velho bode te assuste querida. - Disse uma senhora aparecendo do nada na minha frente.

A atenção dos dois meninos se voltou para a velha que apareceu na minha frente. Ela usava um vestido de bolinhas pretas com o fundo branco do modelo dos anos sessenta que poderia até ser bonito se não tivesse a beira de se abrir e mostrar as pelancas da velha. Em seu cabelo preto havia uma fita branca e preta. Ela esboçava um sorriso simpático, o que me deixava mais com medo do que do seu marido.

– Sra. Felix? - Pergunto Jane passando por mim e indo cumprimentar a velha.

– Isso mesmo! - Ela respondeu.

– Lindo seu vestido! - Jane elogiou.

– Eu coloquei especialmente para receber vocês! - Ela falou nos olhando.

– Sou Jane. - A menina respondeu.

– Nome bonito! - A velha falou e o que fez Jane soltar mais um sorriso.

– Este é meu irmão, Charlie. - Ela apresentou seu irmão que só a cumprimentou com a cabeça.

– Nome de guerreiro forte! - Falou o velho passando por nós e ficando ao lado de sua mulher. - Que tem a liberdade em seu nome.

– Este é Patrick. - Jane apresentou o menino atrás de mim com um tom de adocicado que me fez ficar mais enjoada ainda.

Patrick fez o mesmo o movimento de Charlie.

– Nome de rei! - Comentou o velho.

– E está é a Agatha. - Jane me apresentou com desdém.

Eu sorri simpática para os velhos que me olharam de cima a baixo me avaliando. Era só o que me faltava mesmo dois velhos me avaliando. Eles tinham que saber que quem teve a ideia de vir ajudar eles foi eu e não o Rei, o Guerreiro ou a lunática. Quando eu ia falar para eles pararem de me avaliar a Sra. Felix fala:

– Seu nome significa bondade... - Ela fala com tom de mistério. - Mas não estou vendo isso muito em você.

Aquilo foi demais para a minha pessoa. Ela dizer que eu não sou boa? Eu vou mostrar quem não é boa sua velha acabada. Quem você acha que é para falar isso de mim? Eu não vim de bom agrado ajudar vocês e vocês me recebem assim? Por isso que não ajudo mais a humanidade.

Quando eu estava a ponto de abrir a boca e falar algumas verdades, Patrick parecia ter adivinhado o que eu iria falar que passou sua mão pela minha boca e falando:

– Podemos comer alguma coisa? A viagem foi cansativa. - Ele falou.

Eu mordi sua mão que fez gemer baixinho de dor e balançar a mão no ar para ver se passava a dor da mordida. Quem manda tapar minha boca?

– Espetacular. Preparei uns bolinhos de chuvas que vocês irão amar crianças. - A velha respondeu entrando na casa seguida por Jane e de seu marido.

– Aquela velha miserável... - Resmungo me virando e descendo as escadas da varanda. - Quem ela pensa que é? Dizer que não sou boa. Vou mostrar minha bondade na fuça dela, isso sim.

Eu sentei nos pés da escada da varanda e peguei meu celular do bolso do meu short. Estava sem sinal. Era tudo que eu mais precisava mesmo, sem sinal em uma joça.

– Que ótimo, além estar presa com dois malucos estou sem sinal para pedir ajuda. - Eu digo olhando para a "savana" na minha frente. - Será que se eu escrever S.O. S e tacar fogo alguém me salva?

– Chega de drama né Agatha? - Patrick fala descendo as escadas e ficando na minha frente. - Foi sua ideia de vir para cá.

– Obrigado Capitão Óbvio. - Digo com ironia.

– Vamos lá Ag. Tem bolinhos de chuva nos aguardando. - Patrick fala tentando ser um pouco mais gentil com suas palavras.

– Não me chame de Ag. - Eu respondo me levantando. - Se for para ficar neste fim de mundo, pelo menos que nos alimente.

– Não vai ser tão de ruim assim Ag. - Respondeu Charlie que me fez parar e olha-lo. - Vamos ficar juntos!

– Era tudo que eu precisava. - Digo com ironia entrando na casa.

–---------------

– Vamos criança, não faça corpo mole para seu serviço leve. - Gritou o velho para mim.

– Se é tão leve assim, por que você mesmo não está fazendo? - Eu resmungo.

Ele parecia não ter ouvido.

– É para cima e para baixo. Não é tão difícil. - Ele gritou novamente para mim.

Eu estava a ponto de fazê-lo engolir aquela tinta e aquele pincel tudo de uma vez só. Depois que comemos, eles decidiram que era hora de trabalhar nas nossas atividades e me deram um pincel, um galão de tinta e um celeiro para pintar por fora.

Não que eu esteja reclamando, realmente era fácil fazer aquilo. Mas quando se tem um velho gritando contigo sentado em uma cadeira de balanço tomando limonada, dai sim as coisas não são nada fáceis.

– Sr. Felix. - Eu disse me aproximando dele mantendo a voz no tom normal, uma missão quase impossível. - O senhor não precisa ficar me olhando. Eu sei pintar e seu celeiro estará pronto rapidamente.

O velho me olhou, olhou para o pincel, olhou para a escada e olhou para o celeiro. Por fim soltou um barulho estranho da sua garganta, creio eu que era um suspiro e levantou a bunda mole da cadeira de balanço.

– Tudo bem queridinha. - Ele falou chupando a dentadura.

Cadê o balde quando se precisa vomitar?

– Você pode ficar ai pintando o celeiro, mas eu o quero pronto. - Ele falou autoritário.

– Eu garanto que estará na segunda de manhã. - Digo.

– Assim eu espero! - Falou o velho saindo de perto de mim.

Eu fiz uma careta pelas costas do velho e voltei a fazer meu serviço em paz. Pelo menos não tinha ficado em concertar o encanamento como Charlie, ou pregar madeiras pela casa toda desde o telhado até o porão como Patrick. A única que havia pegado um serviço mais do que perfeito era Jane que ajudava a velha "redecorar" sua casa, como se fosse possível com aquelas tralhas que chamam de móveis. Aquilo deve ter 200 anos, se não mais.

E eu havia ficado com a pintura do celeiro que era fácil até, mas cansativo e chato sem música ou alguém para conversar. Mas preferia assim a ter o velho como companhia que só sabe gritar comigo.

Comecei a cantarolar uma música instrumental com os lábios. Aquilo me dava um ritmo com as pinceladas de tinta amarela no celeiro. Eu estava pintando desde a minha cabeça até os meus pés sem fazer nenhum retoque no momento. Eu saberia que logo eu teria que usar a escada para pintar o resto e estava temendo este momento.

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– Como vai indo? - Perguntou uma voz atrás de mim.

Virei-me rapidamente e me deu de cara com Charlie esboçando um sorriso e dois copos de suco em suas mãos.

– Olá! - Digo pegando um copo que ele me ofereceu.

– Achei que estava sendo vigiada. - Ele comenta.

– E estava, mas dei um jeito de me livrar do encosto. - Respondo simplesmente. - E eu tenho que terminar isso daqui... Obrigada pelo suco.

– Ag já pode parar de tentar se livrar de mim... Eu não vou a nenhum lugar agora. - Charlie disse me olhando sério.

– Eu não estou tentando me livrar de você. - Minto.

Era óbvio que eu não queria ficar com ele sozinha. Seria muito melhor se ele fosse embora e esquecesse-se de mim para frente. Seria mais fácil para mim e para ele, isso eu garanto.

– Alguém já disse que você mente muito mal? - Ele responde com um riso sem humor.

– Eu não estou mentindo. - Me defendo. - Tenho mesmo que terminar isso daqui.

– Está bem Ag. - Ele fala pensativo. - Eu te encontro hoje a noite aqui mesmo.

– Eu acho melhor...

– Estarei te esperando. - Ele fala me dando um beijo na bochecha (sem autorização) e depois anda até a casa.

Estou perdida!