Sinal Positivo

Capítulo XXVIII


No dia seguinte eu acordei cedo, tomei o café da manhã, os remédios e peguei um celular improvisado para meu pai me contatar quando quisesse. Ele me deixou em frente ao condomínio da família Hyuuga um pouco antes da dez, vinte minutos depois saímos. Quem dirigia era um dos primos de segundo grau dela, com o mesmo cabelo e os mesmos traços que todos os Hyuugas tinham, pareciam índios pálidos de com olhos claros. Eu era a única que conhecia a cidade, portando assim que entramos na rota dela, passei a guiar o bom samaritano que nos trouxera.

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Minhas pernas começaram a tremer quando vislumbrei, depois de tanto tempo, aquelas ruas tão conhecidas e sem dúvidas as que mais amei dentre todas as cidades onde morei ao longo da minha vida. Passamos em frete a minha antiga casa, passamos em frente a escola, em frente a casa do Naruto e finalmente paramos na do Sasuke, estacionando a uma distância segura para que ninguém desconfiasse.

— Só mora ele e a mãe numa casa dessa? — Hinata perguntava indignada.

— Em tese sim.

— Qual é o plano? — o motorista de cabelos divinos indagou.

— Vou ligar para ele — peguei o celular improvisado que meu pai deixou comigo e disquei o número que eu sabia de cor, nas duas primeiras vezes que liguei o telefone só chamou, já estava contando com uma viagem perdida, porém na terceira tentativa ele atendeu sonolento.

Quem é o filho da p*ta que me liga a essa hora da manhã? — me segurei para não retrucar o insulto, pois sabia que o número do qual eu ligava não estava salvo na agenda dele, portanto ele não sabia de fato com quem estava falando.

— Minha mãe é meio puta sim, mas está muito cedo para você ofende-la — os dois a frente me olharam com estranhamento. Para evitar constrangimentos, deixei no autofalante.

Ah, é você — suspirou. Era nítido que tinha acabado de acordar e já era meio dia — Que foi?

— Eu estou estacionada em frente à sua casa.

Legal.

— Estou falando sério!

Sua mãe não deixa você nem sair de casa, vai deixar você vir aqui?

— Se não acredita, desce aqui e me veja.

Para de graça, Sakura. Me deixa dormir, okay?

Enquanto eu tentava convencer Sasuke de que aquilo não era uma brincadeira de mal gosto, Hinata saiu do carro ao ouvi-lo duvidar, eu não prestei muita atenção nela, mas pelo barulho lá fora e pela reação do Sasuke ao telefone, eu soube que ela havia jogado uma pedra no telhado da casa, por sorte na parte onde o Sasuke dormia.

Mas que inferno! — desligou o celular na minha cara assim que ouvimos o barulho. Saí do carro para ver o que Hinata tinha feito, Sasuke apareceu na janela sem camisa e com o cabelo todo emaranhado — O que vocês estão fazendo aqui?! — exclamou — Quem jogou essa pedra?

— Eu, otário — mostrou o dedo do meio para ele.

— Você tem demência? — o primo de Hinata, que havia saído do carro comigo, deu um passo a frente, indignado com a forma que o estranho tratou a garota, mas ela o segurou gentilmente.

— Não tenho demência e não tenho tempo para perder. Desce logo que a Sakura quer falar com você — Atrás dos dois morenos à minha frente eu me encolhi. Percebi Sasuke lançar um olhar furioso para mim — Anda logo ou meu primo vai escalar sua casa com ela nas costas — Hinata era o exagero em pessoa. Tímida demais com quem não conhecia, mas chegava a ser folgada com aqueles com quem tinha intimidade.

Em pouco tempo Sasuke estava na entrada de casa, mas precisamente na calçada, enquanto nós três estávamos na rua, os Hyuugas à frente e eu atrás. Não sabia o que havia persuadido Sasuke a descer, se foi um resquício de bom-senso ou medo do primo grandalhão de Hinata, confesso que se a segunda opção fosse a correta, eu me sentiria eternamente envergonhada pela covardia dele.

— O que fazem aqui?

— Já disse — Hinata respondeu com brutalidade.

— Se for só para conversar, não há necessidade alguma, pois eu vou para lá esse fim de semana.

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— Se você acha que viemos aqui de tolos, eu vou te ensinar uma coisa, eu... — Hinata estava ao ponto de dar socos verbais na cara do Uchiha, sua raiva dele era algo quase insano. A interrompi antes das têmporas do Sasuke começarem a pulsar de raiva e alguma merda acontecesse.

— Deixe-me conversar com ele agora, Hinata.

— Qualquer coisa, só chamar.

— É — O primo dela concordou e ambos foram para o carro estacionado a uns cinco metros de onde estávamos.

— Seus pais sabem que você está aqui? — começou.

— Sua mãe sabe que você fez uma tatuagem na costela? — havia reparado o desenho na lateral direita do corpo dele quando ele estava sem camisa na janela do seu quarto, mas estava muito longe para eu identificar o que era.

— Tanto faz — deu os ombros — Quero saber o que você faz aqui?

— Eu quero falar com você.

— Não podia esperar até sábado?

— Para você nem sair do carro para me cumprimentar?

— Estou fazendo o que você pediu.

— Vocês está fazendo o que sua mãe mandou!

— Não interessa, você concordou em me afastar de você.

— Porque naquele momento era o melhor, tanto para você quanto para mim.

— Fale por si só, Sakura.

— Se você realmente quisesse continuar indo em casa e passando as tardes implicando comigo como fizemos durante todo esse tempo, você teria ido, mesmo sua mãe dizendo o contrário.

— Ela me disse que ficar longe seria o melhor para você, então isso foi apenas o que fiz, ficar longe, e provavelmente ficarei até que eu me convença do contrário.

— Vim aqui para te convencer disso — ele riu — Vamos tentar fazer dar certo, em semanas isso aqui vai sair — apontei para minha barriga.

— Dar certo o quê, Sakura? — ria debochado — Está melhor assim. Não vou deixar de cumprir com as minhas obrigações de pai só porque não estou de papo com você. Na verdade, vai ser do jeito que você queria, lembra? Cada qual no seu canto.

— Mas eu não quero mais isso!

— Mas eu quero. É o melhor para nós dois. Eu também já estava farto de tantas brigas. Se era assim antes da criança, imagina depois.

— Sasuke...

— Vai para casa descansar que eu vou fazer o mesmo.

Quando ele me deu as costas, eu não sei explicar o que deu em mim. Eu havia sentido aquilo uma vez, creio que em uma das minhas conversas com o Naruto. Simplesmente não consegui ficar parada e vê-lo me dar as costas. Antes que ele chegasse na porta, o puxei pela camisa, quando ele se virou, estiquei os pés e lhe dei um beijo, segurando em sua nuca para que ele não se afastasse. Foi um beijo feio, apenas meus lábios pressionados nos dele com urgência. O larguei pouco depois, envergonhada, com raiva e chorosa.

— Eu não quero que minha vida fique pior do que já é. Não sei nem como dizer isso, estou muito nervosa, mas desconfio que você foi a melhor pior coisa que me aconteceu desde que fiquei grávida. Ainda o acho um cretino, canalha, idiota, arrogante, desprezível, energúmeno e diversos outros adjetivos negativos que o classificam de forma límpida, só que algo dentro de mim não fica bem se eu não receber minha dose diária da sua estupidez — Sasuke me olhava estupefato, como se eu fosse uma assombração ou estivesse invocando uma com aquelas palavras desconexas — Eu nem sei meu CPF de cor, você acha que eu sei o que é melhor para mim? Eu não sei, Sasuke, o pior efeito colateral que você me causou foi um filho aos quinze anos, o que de pior eu poderia esperar de um cara que abre mão dos fins de semana badalados e viaja duas horas só para estar do meu lado “no estágio final desta fase linda”, como sua mãe diz? Eu não sei o que está acontecendo, mas algo está errado quando chega o fim de semana e você não aparece, ou simplesmente me ignora. Não estou pedindo nada a mais do que você me dava antes, só quero que esqueça de todas as vezes que te desprezei, pois hoje aquilo tudo foi uma mentira, eu só estava evitando sentir esse aperto que estou sentindo hoje. Eu...

Iria continuar a falação se ele não tivesse me puxado para um abraço de lado meio desleixado (porque minha barriga não me permitia abraçá-lo de frente, como as pessoas normais fazem). Ele me deu um beijo terno no topo da cabeça e me afastou com uma expressão que eu não soube identificar.

— Vá para a casa — Em nenhum momento desviei meus olhos dos dele que por sua vez buscavam se fixar em algo longe dos meus — Vá, depois a gente conversa.

No carro perguntaram-me o que havíamos conversado, respondi superficialmente. Tinha a impressão de que ir até lá não havia surtido efeito algum, fora apenas perca de tempo, gasolina e paciência. Paramos num restaurante da cidade para almoçar e de lá voltamos para casa rapidamente, chegamos antes das quatro da tarde, então passei o restante do dia verdadeiramente na casa de Hinata, mas com a cabeça na outra cidade.

No meio de tanta agonia, prometi para mim mesma nunca mais me humilhar por um garoto como eu havia feito pelo Naruto e mas recentemente pelo Sasuke. Foi-se o tempo de me preocupar com garotos, eu tinha um filho à caminho. Como num passe de mágica, rapidamente me reestabeleci e me desconectei da fissura que estava tendo pelo Sasuke nos últimos dias.

O sábado chegou se arrastando, eu poderia fingir, mas estava esperando o Sasuke aparecer, contudo, tinha uma nova postura. Ele me olhou brevemente, mas não falou nada, antes que ele me virasse as costas, eu mesma o fiz. Agora era ele quem queria isso, então chegamos em um acordo. Levou apenas alguns dias para eu deixar para lá e me tornar indiferente quanto a isso, a vergonha que eu passei era maior do que minha vontade de consertar as coisas, com isso percebi que ao contrário do que Hinata havia dito, eu não tive um precipício pelo Sasuke, havia sido somente um tropeço.

Não cometeria mais essa falha.

.o0o.

Muitas coisas simples do cotidiano me irritavam cada vez mais, a raiz loira que já estava na altura do meu queixo era uma delas. Eu não poderia estar mais feia. Essa insegurança era frequente. Eu, que sempre fui especialista em persuadir meus pais sobre mudanças na minha aparência, havia perdido novamente a quarta discussão no mês sobre retocar a cor rosa nos fios. Se eu fosse trazer um filho ao mundo que pelo menos estivesse linda e bela para recebe-lo, não com uma raiz loira descendo colada na minha cabeça e pontas rosa claríssimo de tão desbotadas e judiadas.

Cansada da visão descuidada no espelho e das piadinhas do Sasuke, resolvi dar um fim àquela angústia estética. Contrariando meus pais, coloquei luvas e máscara dando início à operação "Adeus Iogurte de Mamão, bem-vinda Danone". Pintei; esperei o tempo necessário enquanto lia 1984, um livro que Hinata havia me emprestado; lavei e hidratei por mais meia hora; enxaguei, sequei e escovei. Mal acreditei em como uma desobediência daquela pôde me fazer tão bem. Não estava com nenhum remorso por ter desacatado não só a ordem dos meus pais como a de Mikoto, que citava todas as deformações que químicas faziam ao bebê, mas meu bebê já estava formado, só faltava sair. Sem contar que a tinta rosa nem era tinta, era tonalizante e eu ainda havia misturado com creme.

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Embora a gravidez estivesse mais insuportável do que nunca com aquela barriga imensa e pesada, pés e peitos inchados somados a incessante vontade de urinar, não queria dizer que eu estava ansiosa para o evento. Eu não estava. De jeito nenhum. Queria que a agonia acabasse, mas não pelo bebê, por mim mesmo. Entendam minha frieza como resultado de um aborrecimento constante. Essa espera era muito chata, principalmente porque eu não estava nenhum pouco empolgada e sim temerosa. O parto seria normal, o que fatora todos os riscos de parir um pingo de gente, e espantem-se, mas a possibilidade de eu morrer com as pernas abertas tentando expelir uma criança do meu corpo me parece abominável. Já as avós não pensam assim.

Aumentavam cada dia mais o valor das apostas, até Hinata e Sasuke entraram na brincadeira e lançaram seus palpites, Time Sasuke para menino, Time Mikoto para menina. Mamãe e Mikoto há alguns meses comentaram sobre decoração e outras inutilidades para a chegada do bebê, mas a única mudança que autorizei foi de mudar meu quarto para o piso térreo para que eu ficasse mais próxima da cozinha, do banheiro e não precisasse subir e descer escadas toda hora. Uma mudança que me auxiliou após a rápida internação que Sasuke me causou há uns dois meses atrás, se estão bem lembrados. O berço foi montado, era rústico, feito a mão; com apenas uma passada de verniz; a madeira era clara e tinha ornamentos simples; o jogo de cama era todo branco, o restante das coisas eram em tons pasteis de amarelo, azul e verde. Com exceção dos carrinhos voadores do Sasuke que poluíam o ambiente, contudo eu não ousava os tirar. Tudo muito simples, muito pouco, mas assim que soubéssemos o que o bebê seria, providenciaríamos mais coisas.

Sasuke ultimamente estava tenso, fumando um cigarro atrás do outro e evitando comentar sobre "o grande dia", agia mais seco e breve comigo, evitando qualquer tipo de assunto, mesmo que o interessasse. Eu o compreendia, o ocorrido semanas atrás não passaria batido nem para ele e nem para mim. Meu pai também estava estranho, muito calado, indiferente quando mamãe comentava algo sobre a chegada do futuro neto. Toda a desanimação dos homens (e minha) parecia refletir de forma oposta nas mulheres, elas sim pareciam que iriam ser avós de Jesus Cristo. Reira, lá do colégio interno, esperava que eu sentisse muitas dores de parto, que meu filho nascesse com uma cara feia igual a minha e que eu me 'desmantelasse' após o resguardo. Palavras dela.

E então, há alguns dias atrás, chegou a data prevista do nascimento e eu não senti nada. Era uma quinta e Mikoto estava aqui. Sasuke ficara na cidade, não poderia mais faltar na escola ou perderia o conteúdo do bimestre, mas prometera vir assim que tivesse notícias de que entrei em trabalho de parto.

Mikoto pernoitou quarta, quinta, sexta e sábado. Já estava cansada da espera, da estadia, de tudo, estava mais ansiosa que todo mundo. Sasuke viera no sábado para levá-la embora no domingo, jantamos todos, inclusive Reira que veio conhecer o sobrinho que já era pra ter nascido, em seguida fomos para a sala assistir um filme: Eu Sou a Lenda. Todos entediados. Era possível notar de minuto em minuto olhos rolando pra mim. "Sakura, você está bem? Tá sentindo alguma coisa? Quer mais doce? Mais almofadas para escorar? Uma massagem nos pés, talvez?" As perguntas, em sua maioria, vinham de Mikoto e as respostas, em absoluto, eram não. Com a aproximação da data do nascimento, a sua fissura por mim voltou a todo vapor. Sasuke saiu duas vezes durante do filme e demorou pelo menos quinze minutos na varanda fumando. Ficou calado o tempo todo e evitando ao máximo olhar para mim. No domingo ambos partiram, Mikoto já estava estressada com tanta expectativa, voltaria assim que tivéssemos algum sinal.

Pois bem. Já era terça e nada. Minha barriga nem parecia minha de verdade, esticou tanto a pele que eu fico imaginando que os cremes que usei durante todos os meses fazem mesmo o que prometem, do contrário eu estaria repleta de estrias. Pensava se pelo tamanho da minha barriga eu ia parir uma ou duas crianças, porque o negócio estava gigantesco.

Tinha acabado de pintar e escovar o cabelo, estava na cama terminando de ler 1984, quando estava no ápice do livro, senti uma pressão diferente dos chutes que a criança dava, logo uma umidade fétida começou escorrer pelas minhas pernas, assustada, me levantei de súbito apoiando na parede. Sabia que aquilo não era xixi, pois eu não conseguia controlar o fluxo e o cheiro era de um aspecto muito diferente também. Antes que eu pudesse ter qualquer reação além de olhar para aquela coisa nojenta, Mamãe anunciou sua entrada no quarto:

— Sakura! — cantarolou e abriu a porta — Mikoto chegou, vamos descer para tomarmos café todos... — me fitou à princípio assustada, depois furiosa — O que você fez com seu cabelo?! — Mikoto surgiu atrás dela com a expressão espantada ao notar a gosma sob meus pés, diferente da minha mãe que só notou meu cabelo retocado.

— Oh meu Deus! Pegue suas coisas, vamos para o hospital agora!

.oOo.

Quando pensava nesse momento, no dia de dar a luz à criança, pensava que seria uma agonia insuportável, correria, discussões e muitas outras situações desagradáveis decorrentes das horas em que eu estivesse em trabalho de parto, mas para minha surpresa, não foi bem assim — pelo menos a primeira hora não foi. Perdi para meu pessimismo.

Assim que Mikoto notou que minha bolsa havia estourado, ligou para a clínica já reservando um quarto, como eu não estava com as benditas dores infernais, só um desconforto suportável nos países baixos, decidi ir para o hospital com Mikoto mesmo. Mamãe já avisava papai pelo telefone e o esperaria chegar para que ele cuidasse de Aidou e ela pudesse ir para a maternidade também.

Mikoto e eu fomos para o hospital. Eu sabia que ela estava nervosa, batia os polegares no volante de forma aleatória; me fitava pelo espelho retrovisor e não parava de falar; estava com os olhos ensopados, mas lágrimas não caiam por sua face.

— Está bem, querida? — perguntava a todo instante.

Eu afirmava que sim, afinal, eu estava aguentando as cólicas sem problemas, me concentrava em não ficar nervosa.

— Pode ligar o som? — pedi tentando não transparecer a voz embargada pelo medo. Estava finalmente acontecendo.

A voz inconfundível do Liam rompeu o silêncio num único arrebate com Wonderwall, uma das minhas favoritas do Oasis. Eu cantava as partes da música que dava, vez ou outra respirava fundo e crispava os lábios durante uma breve contração, Mikoto assistia trechos da minha tentativa frustrada de distração e balançava a cabeça para os lados, tentava se acalmar como podia. Em seguida de Oasis, tocou Fluorescent Adolescent e Mardy Bum do Arctic Monkeys, era ridículo como aquelas letras pareciam sair da boca do Sasuke diretamente para meus ouvidos. Será que ele já sabia do que estava acontecendo? Não vi Mikoto ligando para avisá-lo nenhuma vez.

Ela manobrou o carro numa vaga espremida, mal deu tempo de puxar o freio de mão e Mikoto já saltava do banco de motorista, dando a volta e me puxando para fora do carro extremamente aflita. Naquele momento eu estava ofegando sutilmente, a dor não estava forte, mas aumentava gradualmente e o incômodo da pressão incontida no meu ventre era horrível.

O atendimento foi rápido. Em cinco minutos eu estava em um quarto privado me despindo para o exame. Pela bolsa ter estourado, não tinha dúvidas de que eu ficaria no hospital para ter o bebê, mas os médicos me explicavam que há mulheres que estouram a bolsa e ficam horas e horas à mingua, outras, assim que a bolsa estoura, entram no segundo estágio do parto e logo ganham neném. Cada caso era um caso. Já que eu não estava com tanta dor, eles desconfiavam que eu fosse mais um dos casos de parto muito longo e por eu ser nova era perigoso, já faziam um esquema para cada hipótese e calculavam as consequências, tudo na minha cara, não tomavam precaução de me assustar. Eu já tinha uma gravidez de risco, sabia que o parto também seria, mas os médicos estavam me assustando, ainda mais com aqueles termos gregos que ninguém entendia.

Eu era uma menina de 16 anos (de certa forma virgem) com as pernas abertas para um estranho que mexia para analisar quantos centímetros de dilatação eu tinha. Se fosse uma mulher me examinando, seria menos desconfortável, mas era um homem, suas ajudantes eram todas mulheres de meia-idade, provavelmente na menopausa, com voz enjoada e aquele olhar inquisitivo que eu odiava. Eram daquelas que olham pra cara de uma adolescente grávida e pensa que ela é puta. O médico que me examinava tinha um sorriso brando que não durava muito no rosto, nem de longe ele era como o Minato, tanto em beleza quanto em amabilidade. Aposto que ele também pensava que eu era mais uma vadiazinha para as péssimas estatísticas do país.

— Você é a sogra dela, certo?

— Avó da criança — corrigi o médico assim que ele falou.

Mikoto me olhou e sorriu sem graça. Ela queria mais do que tudo que eu fosse sua nora, mas não ia rolar. O colar de família que ela me deu fica na gaveta da mesinha de centro da sala para que ela possa devolver aos Uchihas quando bem quiser. Não pretendo ser sua nora, nem dela nem de ninguém. Afinal, que homem se interessaria por uma menina de dezesseis anos com um bebê?

— Preciso que os responsáveis por ela assinem algumas pautas de autorização para epidural, cesariana...

— Eu quero o parto o mais natural possível — intervi na conversa dos dois.

— Seus pais que assinam a autorização, Srt. Haruno.

— Mas eu não aceito nada disso aí, okay? Já vou deixar claro, não quero que me dopem…

— Ninguém vai te dopar, Sakura. São remédios que ajudam na dor, a acelerar o nascimento do bebê… — Mikoto explicava.

— Não quero — disse por fim. O médico me olhou pelo canto o olho. Mikoto negociou com ele para esperarmos meus pais chegarem, então resolveríamos essa parte. Eu estava ficando impaciente, a intervenção de outras pessoas nas minhas decisões, somado ao incômodo incessante que eu sentia, me deixavam intolerante a qualquer tentativa ajuda.

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Havia passado muito mais de uma hora que eu chegara no hospital e praticamente nada havia acontecido. Comecei a me imaginar protagonista de um daqueles episódios do reality show da Discovery Home & Health que mostravam passo a passo do sofrimento das mulheres para dar à luz.

— Quanto falta? — perguntei para a mulher que acabara de me examinar.

— Alguns dedos de dilatação — respondeu descartando as luvas.

Quanto? — insisti com mais firmeza. Mamãe, que havia chegado poucos minutos antes (Papai estava na cidade vizinha e chegou rapidamente para pega-la em casa e trazê-la para o hospital), repreendeu minha arrogância com o olhar.

— Pelo menos uns oito — respondeu a contra gosto, me olhando com triunfo ao notar minha expressão de pavor. Faltava praticamente tudo! Ela queria me poupar de uma informação terrível como aquela, só que eu fui uma menina má. Meu castigo seria ficar ciente de que muitas horas se seguiriam até chegar ao momento próximo do meu alívio.

Eu não queria ficar deitada, parecia que piorava, mas Mikoto insistia para que eu ficasse na cama, depois de três horas eu já me imaginava torcendo seu pescoço. Jogava a cabeça para trás, para um lado, para o outro; suspirava; praguejava; mordia os lábios e apertava os olhos a cada minuto naquela tortura.

Mikoto ficou ao meu lado o tempo todo, às vezes até mais do que deveria, me dando suporte e tentando me distrair, enquanto isso Mamãe tinha que sair de tempos em tempos para vigiar Aidou que estava lá fora com o Papai, que só viria me ver no momento do parto. Sasuke estava a caminho, era o que Mikoto dizia sem me olhar no olhos. Havia uma grande possibilidade dela estar mentindo.

— Caminhar pode aliviar as contrações e acelerar a dilatação — Uma jovem enfermeira sugeriu, eu assenti olhando Mikoto com triunfo.

Ambas me ajudaram a levantar e guiaram-me pelos corredores próximo ao quarto. O avental que me vestia mais mostrava do que escondia, deixava toda a parte de trás do meu corpo nua, ainda assim eu aceitei perambular pelo hospital com o bumbum de fora. A cada doze passos, uma contração, de tempo em tempo os intervalos iam diminuindo. Eu me escorava na parede e murmurava algum palavrão; Mikoto perguntava toda hora se eu queria voltar para o quarto, mas eu continuava tentando caminhar. Depois de dez minutos de exercícios uma segunda enfermeira foi me buscar no corredor com uma cadeira de rodas, pois as dores já estavam ficando insuportáveis e eles precisavam me examinar novamente.

Arreganhei minhas pernas pela quinta ou sexta vez no dia e mais duas vezes nos quarenta minutos seguintes. Andei em círculos pelo quarto; soquei travesseiros; fiquei sentada sobre uma bola de pilates e até cantei músicas da Adele para extravasar a energia que fluía dolorosamente no meu corpo, tudo isso para me dizerem que ainda faltavam quatro dedos e meio de dilatação.

Num momento em que apenas a Mikoto estava no quarto comigo, sem nenhuma enfermeira, eu me permiti chorar. Chorei um choro libertador, pois naquelas lágrimas de dor também havia medo, mágoa e vergonha. Eu só consegui pensar na minha alma flagelada, nos pontapés brutais que me corroíam, naquela dor sobre-humana. Ponderava quando aquela angústia acabaria, pois eu me sentia incapaz de aguentar mais. Mikoto aproximou a poltrona da cama, cobriu minha mão com a sua e chorou comigo, secando o suor da minha testa.

— Já está acabando, querida — sussurrava repetidas vezes.

Aquilo não me acalmava, pois eu sabia que seria o marco do que começaria a seguir: minha vida como mãe. Era assustador, parecia o fim do mundo. Mesmo depois de nove meses eu me sentia como quando peguei o teste de gravidez positivo.

— Tem certeza de que não quer a epidural? — a enfermeira perguntou ao ver meu estado. Neguei — Vamos esperar mais quarenta minutos — os malditos quarenta minutos — se ainda assim não conseguir a dilatação ideal, teremos que induzir o parto, do contrário a sua vida e a do bebê estarão em risco.

Sasuke chegou depois de um tempo com uma caixinha de Tic-Tac na mão. Beijou o topo da minha cabeça e me entregou o agrado.

— Ela não pode comer, Sasuke! — Tarde demais. Um terço das pastilhas já estavam sendo destroçadas pelos meus molares. Cada onda de contração era uma pílula que se partia.

— Vim para cá à milhão. Do jeito que você falou ao telefone eu pensei que a criança já havia nascido — disse à mãe.

— Tá quase — otimizou o filho e me deu um sorriso amarelo. Era claro que não estava assim tão perto de nascer. Eu me contorcia e gemia, meio que porque estava agonizando de dor, meio que para provar ao Sasuke que ainda faltava muito. Este me olhava com um misto de pavor e preocupação.

— Avisei o Naruto que você já veio para cá, se não se importa — sentou-se na segunda poltrona do cômodo —Ele lhe desejou boa sorte.

— Acho que ele não desejou o bastante — retorqui jogando minha cabeça para trás ao pressentir uma nova onda de dor — Já estou aqui há horas!

— Sakura, se acalme! Você ouviu o que a enfermeira disse. Caso demore demais, vamos induzir.

— Eu pensei que você chegaria ao hospital e a criança já saía.

— Sasuke, fique calado — Mikoto advertiu ao notar minha carranca furiosa.

Se não fosse por ele, eu não estaria naquela situação.

Aqueles quarenta minutos se estenderam para sessenta minutos, já estava virando palhaçada, aquilo era hospital ou telemarketing? “Só mais um minutinho, senhora”. Sasuke nesse meio tempo saiu inúmeras vezes para fumar cigarro, da última voltou sem o maço. Sua angélica mãe estava adquirindo minhas expressões de exaustão e aflição, ela ficou comigo durante todo o momento, estava acompanhando de perto toda aquela espera. Quando uma médica diferente me examinou, Mikoto me olhou de relance e eu percebi que aquela poderia ser a hora. Nada de surpreendente, pois eu gritava e ofegava, contorcia-me a cada contração que tinha intervalos de segundos entre uma e outra.

— Pode induzir, ela já está nisso há horas — Mikoto interviu por mim, para variar, contudo dessa vez eu não protestei porque realmente eu não aguentaria esperar mais quarenta minutinhos para ver meu sofrimento ter fim.

— Falta apenas um dedo de dilatação, já podemos começar.

Aquela informação ecoou na minha cabeça de forma dúbia. Estava na hora. Chegara o ápice da minha vida. Naquele espaço de tempo entre um segundo e outro eu não sabia se preferia a dor das contrações rompendo a minha sanidade ou o alívio de expelir a criança de dentro mim.

Transferiram-me para outro quarto com onde uma pequena equipe já estava pronta: aquelas enfermeiras velhas e a nova médica que substituiu o primeiro médico (graças a Deus). Mikoto e Sasuke vestiram a bata, toquinha e pro-pé, assim como Papai que surgiu como o prometido. Já havia um cubículo de acrílico posicionado próximo à minha maca; uma mesinha com instrumentos estranhos que eu evitava olhar para não ficar mais aflita. O trio de audiência se posicionou atrás de mim.

— Oi, Sakura, eu sou a Dra. Sara. Troquei de turno com o outro Dr., espero que não tenha problema em ter ser parto realizado por mim.

— Nenhum — respondi meio grogue. Estavam me dando um negócio para inalar que acalmava os espasmos do meu corpo.

A Dra. Sara continuou falando e falando coisas que pareciam-me com avisos ou piadinhas, porém não dei ouvidos. Aqueles poucos minutos que me restavam sendo apenas uma garota grávida, eu dediquei a imaginar baboseiras.

Via as velhas metidas a enfermeiras como beatas disfarçadas na medicina, elas assistiam aas mulheres sofrerem horas por conta do pecado e auxiliavam o fruto do pecado vir ao mundo na esperança de ser uma geração melhor do que a que o gerou. As via como umas energúmenas, principalmente por me lançarem olhares inconvenientes. Eu mais ou menos sabia o que passava-se na cabeça delas. A Dra. Sara parecia-me muito profissional e simpática, contudo não conquistou totalmente minha confiança, mesmo sendo melhor do que o médico de sorriso falso.

Quando ela disse “vamos começar” com um entusiasmo que não se encaixava no momento, Mikoto segurou minhas mãos como se estivesse caindo de uma grande altura e meus dedos fosse um apoio. Papai deu um beijo no meu pescoço suado, desculpou-se e avisou que iria sair, que aquilo era demais para ele, e lá se foi meu herói maior. Era só eu, o causador da desgraça e sua mãe.

— Quando sentir uma nova contração, empurre com toda a sua força. Pode se apoiar nos joelhos ou em nós — Umas das enfermeira estendeu-me sua mão, peguei por educação — Respire e inspire, concentre-se em empurrar assim que sentir a onda, okay? — assenti.

A dor veio arrebatadora e a primeira tentativa de empurrar foi um fracasso, mal aguentei erguer as costas no colchão. Em compensação revidei o aperto descomunal de Mikoto com um duas vezes mais forte, ela largou soltou sua mão ossuda da minha na hora.

Na segunda tentativa eu agarrei as mãos das enfermeiras, mas logo me inclinei para trás choramingando desistências. A enfermeira estimulava, mas eu me sentia esgotada.

Na terceira tentativa a cólica veio com força total, parecia que meu útero estava se dobrando. Agarrei meus joelhos e urrei com a onda de dor que parecia não ter fim, a diferença foi que desta vez meu corpo não pereceu na cama, outras duas enfermeiras seguravam minhas costas, de modo que fui obrigada a continuar forçando e forçando.

Após mais duas investidas intensas e eu me senti morta, uma exaustão inexplicável, tão pesada que meus músculos pareciam moídos sob a pele. Eu estava quase pedindo uma cesárea ou uma anestesia geral, quem sabe um coma induzido, então as enfermeiras fizeram um coro de “Oh!” (como se aquela situação fosse inédita) e a enfermeira me disse aquela frase clichê: você está quase lá. A julgar pelo repertório de mais quarenta minutinhos eu já imaginava que o bebê estava quase lá na boca do meu estômago porque não era possível, empurrei tanto e nada saiu.

Mikoto deu a volta na cama para averiguar, olhou lá embaixo e voltou-se para o Sasuke com lágrimas nos olhos. Sasuke estava tão branco que eu poderia jurar que desmaiaria a qualquer momento.

— Mais dois empurrões com toda a sua força e o bebê já vai sair — exclamou a enfermeira mais gorda que se apoiava no meu joelho (a observei, ela só passava uns paninhos para a médica quando ela pedia, não fez mais nada.

— Vamos lá, Sakura, mais um vez! — Na minha cabeça ecoava o terrível mais quarenta minutinhos, mais quarenta minutinhos e eu chorava mais e mais. Toda a minha força e mais um pouco eu direcionava para lá, empurrar, empurrar, empurrar. Se aquela não fosse suficiente para o bebê sair, provavelmente eu não teria energia para mais nada — Quase, Sakura! Dessa vez mais forte ainda — Dra. Sara me encorajava.

— A cabeça já está quase toda para fora — a enfermeira gorda deu a informação necessária. Sasuke vomitou ali mesmo. Uma enfermeira que estava sobrando tratou imediatamente de limpar a gosma e expulsar Sasuke da sala, mas ele se recusou a sair.

Confesso que o último empurrão foi intervenção divina porque eu mal aguentava abrir e fechar os olhos. Tudo aconteceu em menos de dez segundos: meu grito de dor; as unhas cravadas nos joelhos; as mãos das mulheres como pilares sustentando minhas costas; Mikoto saindo de perto de mim para assistir; Sasuke observando tudo do canto da sala. Senti-me oca após uma dor lancinante.

Nunca senti um orgasmo, mas o alívio que senti poderia ser classificado como algo semelhante. Nunca injetei heroína, mas o efeito extasiante parecia ter sido aplicado na veia da virilha. Foi um torpor dúbio, senti a leveza de uma folha liberta de um galho seco. Tombei minha cabeça para trás e apreciei por alguns segundos a sensação de alívio surreal. Mantive os olhos fechados desde o momento em que ouvi o choro estridente as exclamações do grupo.

— Sakura! — Mikoto exclamava chorosa — Veja seu bebê! — Ainda de olhos fechados ergui o braço para ela se afastar. Me movi como pude para virar para o lado oposto e chorar — Anda, Sakura, pega seu bebê! — Naquele momento a alegria nas exclamações de Mikoto tinha uma pitada de desespero.

— Para, mãe! — Abri os olhos e encontrei o infinito negro da íris de Sasuke, seu rosto estava a centímetros de mim. A orbe branca vermelha, as pálpebras espremidas, um olhar lacrimejado, desenvergonhado. Ele ficou ajoelhado do lado da cama e parecia tão desnorteado quanto eu. Segurou minha mão e chorou comigo, um choro tão temeroso quanto o meu, senão mais. Só me deixou quando foi impedido de me acompanhar para o procedimento seguinte.

As enfermeiras me levaram para outra sala a fim de terminar o “trabalho sujo” comigo, limpando-me e dando os pontos necessários. Lá mesmo eu pude repousar sabendo que quando eu acordasse não havia como imaginar-me como uma garota normal de dezesseis anos, cabelo rosa, cujo maior problema na vida seria como entregar o trabalho de física a tempo. Eu sabia que acordaria como mãe. Uma realidade indiscutível, imutável, intransferível. Eu sou mãe.

Havia um pequeno ser respirando, havia um pequeno ser com pequeno coração bombeando seu sangue, havia um pequeno ser com unhas, pelos, saliva e lágrimas. Havia um pequeno ser com fome, havia um pequeno ser vulnerável, havia um pequeno ser rejeitado. Dormi me mortificando por isso, pois sabia que no momento em que eu olhasse aquele ser, aquele pequeno e frágil ser, eu não conseguiria deixá-lo nunca mais. Era disso que eu tinha medo.

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