CAPÍTULO 35

Depois de ouvirmos o aviso do bando só tivemos tempo de trocar de roupa e voltar para La Push. Deixamos o carro no chalé e fomos correndo, seria mais rápido.

No caminho uma sensação horrível tomava conta de mim. Eu não sabia o que tinha acontecido ou com quem, afinal minhas visões haviam sumido completamente, mas eu tinha certeza de que era algo ruim.

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Assim que saímos da mata nos deparamos com um grupo enorme de pessoas, todas aglomeradas ao redor de algo. O cheiro de sangue era muito forte e além dos pensamentos assustados da maioria, ainda havia o choro desesperado de alguém.

Olhei para o lado e encontrei o olhar preocupado de Jake. Segurei firme em sua mão, como se somente com aquele gesto eu estivesse a salvo de todo o mal do mundo, e segui em frente.

À medida que nos aproximávamos, as pessoas abriam o caminho para passarmos. Cada batida do meu coração era um eco em meus ouvidos. Até que finalmente chegamos ao centro.

Primeiro vi minha mãe chorando e sendo amparada por Tio Billy. Era ela a fonte de todo o desespero ali. Todos voltados para o chão e enviando ondas de piedade a quem quer que fosse.

Então, como se o mundo todo parasse e o ar esfriasse muito mais, eu olhei para o que tanto prendia a atenção dos curiosos.

Minha avó deitada no chão. Os olhos abertos em agonia. As mãos apertando o tronco de onde saía uma quantidade absurda de sangue.

-- Vovó... – sussurrei sem querer acreditar no que via.

Soltei a mão de Jacob que segurava com força a minha e me aproximei dela, caindo de joelhos no chão.

-- Vó! – chamei-a fazendo seu olhar cair sobre mim, solucei.

-- Vai dar tudo certo. – tentava me acalmar quando nem ela conseguia.

Coloquei as mãos sobre o ferimento tentando parar o sangramento.

-- Escute. – falava com dificuldade.

-- Não. Não diga nada. – rasguei um pedaço da minha blusa e enrolei envolta da ferida. – Não se esforce. – minha testa suava e eu não conseguia enxergar nada direito devido às lágrimas que teimavam em ser derramadas. – Alguém chame uma ambulância! – gritei desesperada para os que somente olhavam e nada mais faziam.

-- Acalme-se minha criança. – agarrou firme em minhas mãos obrigando-as a se aquietarem. – Chegou a hora de encontrar-me com a deusa. – olhou para a lua e novamente para mim. – Agora me escute. – tomou fôlego. – Sempre recorra à deusa Morrigan na hora da batalha. Ela é a “Grande Rainha”, deusa da guerra e da morte e lhe guiará na guerra. Sempre ore por ela olhando para a Lua, pois lá é o seu lar e também o de todos os seus filhos que já passaram pela vida terrena.

Uma mão pousou carinhosamente em meu ombro. Era Jake.

-- Jacob. – ela o chamou. – Continue sendo o guerreiro forte e corajoso, o verdadeiro guardião dos quileutes. Cuide de Eduarda. – ele assentiu. – Não se esqueçam: “Quando a filha da Lua for desperta do sono eterno pelo filho do Sol, ambas as almas finalmente se tornarão uma e eles viverão pela eternidade, trazendo glória, paz e harmonia para as terras quileutes até o fim dos tempos”.

-- O que isso quer dizer? – perguntei.

-- Tudo a seu tempo. – me lançou um singelo sorriso e fechou os olhos... Para sempre.

Meu choro, que estava contido, veio irrefreável e eu só consegui me abraçar a Jacob esperando que aquela dor e o vazio que ela deixou fossem embora.

Não sei quanto tempo passou, mas em um momento eu percebi que minha irmã não estava ali e minha mãe não tinha nenhuma condição de pensar nas burocracias de um sepultamento. Eu teria que cuidar disso.

Levantei-me e tentei limpar o sangue, agora seco, de Vovó Aine que ainda estava em minhas mãos. Procurei Jake com o olhar e seguimos para dentro de casa, juntamente com minha mãe e Tio Billy, e deixando um aviso para que Sam e Paul recolhessem o corpo, enquanto tomávamos as devidas providências.

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Foi por volta das dez horas da manhã que tudo havia sido organizado e só aguardávamos a chegada de Cecília e Seth para o sepultamento.

Eu estava sentada na varanda, com a cabeça apoiada nos ombros de Jake, que dormia, quando um corvo pousou elegantemente sobre o cercado e me olhou com atenção. Suas penas brilhavam e seus olhos negros eram tão profundos que eu me senti intimidada a observá-los por muito tempo.

No instante em que decidi me aproximar, para olhar tal criatura ela virou-se para a mata e grasnou com força, me assustando e acordando Jacob.

-- O que foi isso? – ele olhou de mim para o pássaro.

-- Não sei. – tentei me aproximar, e novamente ele grasnou para a mata, como se tentasse afastar algo.

-- Saia de perto desse bicho Duda. – Jake tentou pegar meu braço e me puxar para trás.

-- Não. – cheguei mais perto e o corvo olhou para mim. – Vem cá... – levantei a mão em sua direção, mas o pássaro apenas voltou-se para a mata e alçou voo.

Não tive tempo de comentar nada, pois um carro acabava de parar na porta de casa deixando Seth e Cecília.

-- Duda! – minha irmã correu para me abraçar.

Seus olhos estavam inchados e vermelhos denunciando que ela havia passado a noite chorando.

-- A vovó... – soluçou.

-- Eu sei. Vai ficar tudo bem. – beijei-lhe a fronte. – Aposto que Vovó Aine não gostaria de nos ver abatidos. Provavelmente ela diria que nós estamos chorando à toa e que ela continua viva bem ao lado da deusa. – sorri ao vê-la concordar comigo. Vá para dentro, tome um banho. Daqui a pouco vamos sepultá-la. – ela assentiu e entrou, sendo seguida por Seth.

-- Tudo bem? – Jake me abraçou pelas costas.

-- Tudo. Acho que você merecia um aniversário melhor que esse, não?

-- Eu comemorei ele ontem. – sorri com tristeza. – Vai dar tudo certo. – afirmou.

-- Eu não sei o que fazer sem ela. Era Vovó Aine que sempre me ajudava com toda essa coisa de celtas e com meus “dons”, como ela dizia. Era ela quem conseguia me levantar e mandar-me persistir.

-- Então faça isso.

-- Como?

-- Sempre me terá ao seu lado. Posso muito bem te colocar de pé quando cair e se estiver doendo muito, posso me deitar com você e lhe abraçar até passar.

-- O que seria de mim sem você?

-- Provavelmente ninguém. – fez piada.

-- É... Ninguém.

(Skinny Love – Birdy - http://www.youtube.com/watch?v=lT67liGjZhw)

Olhei para o horizonte, observando o modo como tudo parecia calmo demais. O vento apenas balançava as folhagens calmamente, produzindo uma melodia tranquila e relaxante. Quase não havia pessoas nas ruas, e as poucas exceções se aproximavam de casa para o funeral.

Logo todos se dirigiam ao cemitério. Vovó seria sepultada em um local mais afastado, já que ela não era quileute e sim irlandesa, mas em seu coração sempre houve uma parte reservada para o povo que a acolheu tão bem.

Minhas mãos seguravam uma rosa branca. E minha cintura era amparada pelas mãos de Jacob.

Esperávamos o senhor Ateara terminar os dizeres para o fim do sepultamento. Era surreal. Nunca tinha imaginado que eu estaria ali, dando o último adeus para a pessoa que povoou minha infância com diversas histórias e que me ajudou a compreendê-las na vida adulta.

-- Alguém gostaria de dizer algo? – ele perguntou quando o último monte de terra foi jogado sobre o túmulo.

Minha mãe apenas balançou a cabeça negando, Cecília abraçou-se a Seth deixando as lágrimas jorrarem de seus olhos molhando sua camisa.

-- Saibas que sua ausência está repleta de terna presença e que jamais estará perdida ou esquecida. Que sejas acolhida por Macha, em quem o amanhecer e o crepúsculo se unem, e que a tua integração habite os seus sonhos mais profundos no interior do abrigo das terras de Emania¹. – joguei a rosa sobre o túmulo e olhei para o céu no exato momento em que o corvo, o mesmo da varanda, o sobrevoava em direção à lua que estava cada vez mais evidente em razão do crepúsculo.

A morte da minha avó não havia sido natural. A ocasião para realizarem tal ato não fora escolhida ao acaso. Tudo parecia estar interligado, só não sabia como. Mas eu iria descobrir. Nem que para isso precisasse passar o resto da vida procurando. Algo meio irreal, já que eu sabia por onde começar.

¹- Texto adaptado do livro “Ecos Eternos” de John O’Donohue [original no link: http://www.ippb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5772:863-cinco-oracoes-celtas&catid=31:periodicos&Itemid=57]