“Inconseqüência”

I
- Ele soube que seria assim, logo no princípio.

Uma loucura.

Porque era insano pensar que logo no primeiro olhar, as coisas mudariam tão repentina e drasticamente em sua vida.

Diziam que era o tal amor, que finalmente o fisgara com suas garras inexpugnáveis, mas ele julgava ser apenas uma ilusão, algo que não duraria mais que uma estação. Volúvel - foi o que ele considerou ser.

Poderia dizer que fora o jeito espontâneo que o cativara, ou o sorriso carismático, como quem carrega em si toda a vida e liberdade do mundo. Não sabia dizer, pois também havia os olhos, fossem as íris azuis ou negras ou cor de mel. Não, eram os olhares que eram luminosos. Olhares doces e apimentados, algo de sensual e descontraído, como quem não tem a intenção de seduzir.

Obsessão.

Tal qual um mortal dedica à dona de seus amores.

II - Ele soube que seria assim, logo no princípio.

Inevitável.

A eterna e ancestral atração. Tão poderosa quanto o mais primitivo desejo, algo que ia além do seu poder de resistência, tão logo provara do seu beijo pela primeira vez.

E ele descobriu que estava perdido.

Oh, tão completa e deliciosamente perdido...

E sabia ser o responsável por aquilo, porque ele era o malvado lobo que, com sua voz rouca e macia, a conquistou, a seduziu, a arrebatou. Foi ele que, como o lobo que compartilhava de sua alma solitária, a vigiou com seu olhar penetrante, pois não sabia como resistir àquela fascinação.

Estava se entregando.

Porque há coisas que nascem para ser assim, por toda a vida. Até a morte. Porque amar é morrer um pouco por dia e somente renascer em virtude da reciprocidade desse amor. Era sim, uma loucura, mas existe algo que seja assim, absolutamente racional?

Irracional, era assim que ele se sentia. Tão perigoso quanto o lobo que espreitava por detrás dos olhos ambarinos.

Desesperado.

Que fosse!

De novo, era aquele instinto tão forte e arraigado e passional, turvando-lhe a racionalidade. Ele a desejava. Mais que tudo. E oh merlin... era retribuído neste sentimento, nos sorrisos, nos olhares... e ele, que se achava o caçador, quedou-se mudo em espanto e entrega: fora subjugado pela intrépida ninfa de olhos brilhantes e sorrisos matreiros e risada fácil.

III - Ele soube que seria assim, logo no princípio.

Delírio.

No quarto decrépito, apenas a luz incerta de uma chama iluminava o aposento. Luz suficiente para ele ter a plena visão do que se negara a admitir ser o objeto de seu amor.

Os dedos, incertos a princípio, percorriam cada detalhe do corpo amado e arrancavam gemidos e suspiros e promessas: ela era sua, sempre o seria, até a morte.

E ele morria mais um pouquinho por dentro e se entregava com o mesmo furor que um guerreiro ante a sua última batalha.

Os lábios deslizavam pela pele macia e perfumada, cheiro de frutas doces, degustando aquela especiaria.

Como se fosse a primeira e última vez. Porque seria sempre assim, com a impetuosidade de uma tempestade de verão. Breve e refrescante, carregando em si o poder da transformação.

Inconseqüência - era o que uma voz insistente teimava em lhe dizer, bem lá no recanto mais obscuro de sua mente.

Sim, ele o sabia, tinha consciência que a sua paixão condenaria a ambos, os amaldiçoaria tão implacavelmente quanto uma maldição da morte.

Era letal.

Porque quanto mais ele a amava, mais ele morria por dentro e necessitava do amor dela para renascer outra vez.

IV - Ele soube que seria assim, logo no princípio.

Verdadeiro.

Tão breve e intenso e impetuoso quanto uma tempestade de verão. Com seus aromas de doces frutas e suas constantes oscilações e sua desesperada vontade de ser feliz.

Era fatal.

E no momento derradeiro, veio a certeza de que a sua inconseqüência condenara a ambos. Por toda a eternidade.

Porque ela prometera ser sua até a morte e para além dela.

E foi assim que aconteceu.

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