Um toque francês

Capítulo 10- Tintas Assassinas


Eu e Margot ficamos conversando até mais tarde daquele dia. Passamos o resto do tempo falando sobre, praticamente, todas as pessoas de Strangers Place. Margot parecia ter em seus conhecimentos tudo o que rolava naquele lugar. Em troca de algumas de suas fofocas, decidi contar algumas coisas sobre a Inglaterra. Ela idolatrava tudo vindo de minha terra natal, principalmente, meu sotaque.

Quando os ponteiros do relógio apontaram para 21 horas, tive que dizer a ela que estava um pouco cansada e que iria dormir. Margot era uma pessoa legal, mas se eu, ao menos, não tomasse alguma atitude, ela ficaria até o sol nascer.

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Ao fechar a porta, encostei-me contra ela e suspirei fundo.

Meu quarto estava uma bagunça.

Comecei juntando os pacotes dos biscoitos que haviam caído no chão e criado um aglomerado de farelos sobre ele. Ao terminar de arrumar tudo, sentei-me na cama e olhei em volta, até perceber que não havia aberto a segunda mala. Ao abri-la, retirei as roupas que faltavam serem penduradas e dobradas no guarda-roupa e, quando afundei a minha mão dentro da grande mala, notei que havia uma sacola com algumas coisas duras e frágeis em seu interior.

- Não me lembro de ter posto essa sacola aqui. – disse parecendo curiosa.

Ao virá-la do lado avesso, notei que havia um bilhete colado bem ao centro do papel, o qual dizia:

- Achei que fosse querê-los... É sempre bom guardar lembranças, não é?

Eu te amo

Beijos, pequena.

Ninguém havia assinado, mas não precisava de muito esforço para descobrir quem havia escrito:

Mamãe.

Ela pôs a sacola enquanto eu adormecia e, dentro dela, encontravam-se quadros.

Três quadros.

O primeiro era uma foto minha quando pequena, junto com meus pais, enquanto me ensinavam a caminhar. Certamente, era uma de minhas fotos favoritas.

O segundo continha uma foto minha com Peter e Amber, em nossa apresentação em Los Angeles no ano passado. Uma eterna relíquia, eu diria.

E o terceiro e último quadro, não era nem mais nem menos do que uma foto minha com Michael, quando ele havia passado em minha casa para me buscar para irmos à festa. Mamãe fez questão de tirar a foto, afinal estávamos realmente muito elegantes.

Minha mãe sabia realmente como me alegrar, nem podia acreditar que havia esquecido minhas três fotos favoritas em Londres. Fiquei encarando cada uma delas, começando a rir sozinha após me lembrar de cada momento. Devia ter aproveitado mais, pensei.

Depois de alguns minutos ainda os observando, decidi colocá-los em cima de uma mesinha perto da sacada. Não adiantava ficar me lamentando.

O que passou, definitivamente, já passou.

Após terminar de arrumar o que faltava, decidi dormir. O sono e a exaustão se invadiam em mim de modo tão rápido e tão espontâneo, que me faziam querer esquecer do mundo e adormecer ali mesmo.

Esquecer do mundo, uma boa ideia.

O dia seguinte amanheceu ensolarado. Os raios de sol apoderavam-se de meu quarto, enquanto eu espreguiçava-me em minha cama. Verifiquei o horário: eram 9h47. Levantei-me imediatamente e comecei a me arrumar para tomar café no refeitório, afinal não seria necessário que dessa vez aquele cara aparecesse aqui hoje novamente.

Ri ao me lembrar da cena de ontem. Eu realmente o chamei de faxineiro?

Quando finalmente prendi meus cabelos castanhos, fui direto à porta para me encontrar com os elevadores e ir, o mais rápido possível, para o refeitório.

Ao chegar, reparei que tudo estava lotado. Aos meus olhos, lembrava-me aqueles locais onde os americanos se encontram para almoçar, como assistimos em filmes. Todas as mesas pareciam ser distribuídas por grupos, fazendo-me concluir que ninguém por aqui se misturava.

- Drew!- disse uma voz conhecida, uma voz suave que me fez querer encontrá-la imediatamente.

Era ele.

Era Morin.

Ao virar, vi que ele estava em pé, diante de uma mesa, acenando para mim, enquanto Desi e Ed encaravam suas comidas sem dizer uma palavra.

Sorri em troca do aceno e fui até ele.

Quer dizer... Eles!

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- E aí, como foi ontem?- perguntei, enquanto me acomodava.

- Péssimo. – Desi respondeu, antes que Morin pudesse, ao menos, abrir a boca.

- Por quê? O que aconteceu?- disse, agora olhando para ela.

- O que aconteceu? Bem... O que aconteceu foi que Morin deu um chilique e disse que não queria mais ir à porcaria da Champs-Élysées e deu ideia ao gênio ali – apontou a cabeça para Edmound- para irem beber, acredita nisso?

- Por acaso, será que me esqueci da parte em que você concordou e foi beber com a gente?- disse Morin, que bufava de raiva.

- Concordei mesmo, mas não planejava ficar bebendo até às 4 horas da madrugada! Por isso, fui embora e vocês disseram que não iriam demorar, não é mesmo Ed?

- Desi, já te falei que não ficamos bebendo até às 4 horas... Só ficamos mais um pouco do planejado, agora estamos aqui, vivos e discutindo durante o café. Quer parar com esse drama?- defendeu-se Edmound.

- Drama? Eu fico que nem uma tonta preocupada com você e ainda acha que estou fazendo drama? Quer saber, deu para mim. – disse retirando-se da mesa. – Vou para o meu treino e faça o favor de não vir atrás de mim hoje, Edmound!- e saiu, deixando claro que lágrimas lhe escapavam.

- Que droga mesmo!- disse Edmound, batendo sua mão contra a mesa. - Desirée, espera!- disse, saindo da mesa, deixando eu e Morin sozinhos, observando-os sumirem do refeitório.

- Não entendo porque ele vai atrás dela. – despachou.

- Talvez porque ele goste dela. –respondi.

- Isso não é gostar! Isso é obsessão. – disse, dando uma mordida em seu sanduíche.

- Quando gostamos muito de uma pessoa, ficamos dispostos a fazer quaisquer coisas por elas. –argumentei.

- Não acredito muito nisso. – ele disse, olhando para baixo.

- Talvez porque nunca tenha acontecido com você. – deixei escapar, fazendo-o olhar para mim, aparentando estar muito impressionado.

Como eu sou idiota, pensei e desviei o olhar imediatamente.

- Você... Você não vai comer nada?- perguntou, passando as mãos delicadamente pelos cabelos.

- Ah... Sim, eu vou agora. – disse, levantando-me.

- Posso ir com você? Quero dizer... Elas só falam em francês e pensei que, talvez, você quisesse ajuda, mas se não quiser, eu... - disse embaralhando-se com as palavras.

- Eu quero... - interrompi-o. Quer dizer, menos um desastre no dia, não acha?-sorri.

Ele riu timidamente e fomos até o buffet, que não parecia estar muito longe de nossa mesa.

- Oi, Morin!- disse Sophie, que estava sentada em uma mesa próxima da nossa. Ela era tão nojenta que aproveitou o momento em que ele estivesse perto dela, mas o melhor não foi isso! O melhor foi que, pela segunda vez, ela havia dado de ombros a minha existência.

-Oi, Sophie. – respondeu Morin, não se mostrando muito alegre.

- Não sei como você consegue cumprimentar essa tal de Sophie. – disse, bufando.

- Ela é realmente muito chata, mas não precisa ficar com ciúmes. – e riu.

- Eu? Ciúmes?- olhei para ele espantada. Parecia que ele havia me dado o troco por aquela resposta. – Pode ficar mostrando esse seu sotaque escocês para ela e suas amigas, eu não me importo. - disse, empinando o nariz.

- Algo de errado com o meu sotaque? O seu parece... – disse, desafiando-me.

- Parece... – e o encarei.

- Nada... Eu o acho lindo. –disse, olhando para mim e nós, sem percebermos, estávamos olhando um para o outro, sem se mexer.

Eu escutei bem?

Nicolas Morin disse que meu sotaque era lindo!

O cara mais bonito desse lugar disse que meu sotaque era lindo! Eu estava prestes a desmaiar, se não fosse por...

- Drew!- Margot vinha em minha direção, segurando caixas... Caixas de tintas?

- Margot?- disse, desviando o olhar para ela.

- Oi... Tudo bem? Eu só vim lhe entregar as tintas que você pediu ontem. Desculpe chegar assim, mas não vou conseguir lhe entregar depois. Acredita que vou ter que encontrar a minha mãe lá na Place de La Concorde? Vou demorar muito para ir até lá... Mas enfim, tome!- disse dando as tintas para mim e mais uma pequena sacola. - Aqui estão as tintas! Eu tinha apenas essas cores e aqui está a sacola com alguns lençóis plásticos, caso você precise tapar os móveis para não os manchar com tinta. Até mais!- disse, saindo correndo.

- Hã... Quer ajuda com isso? – perguntou Morin.

- Não, obrigada- agradeci. – Vou só levá-las ao meu quarto e já volto, tudo bem? Eu me esqueci de dizer que pretendia pintar o meu quarto hoje... – disse.

- Se você quiser... Eu posso pegar o seu café enquanto você leva isso ao seu quarto e eu lhe entrego lá. – arriscou.

- Claro! Ótimo! Assim você poderia me ajudar a pintar o meu quarto! Nossa aula começa mais tarde hoje mesmo. - disse, aparentando estar muito entusiasmada. Até mais do que eu devia.

- Pintar? Bem... Eu não estava planejando isso... – disse parecendo confuso.

- Por favor, Morin! Eu não sei desenhar, nem nada do tipo, mas você sabe! Por favor!- disse fazendo cara feia.

Ele deu um longo suspiro e revirou os olhos.

- Qual é o número do seu quarto? – disse sorrindo.

- Você é demais, sabia? – disse abrindo o maior sorriso desde que cheguei. – É 422 e te espero lá, ok? – disse, deixando-o sozinho na fila para pegar o café.

Subi nos elevadores o mais depressa possível e ao chegar, pus as tintas no chão junto com a sacola. Comecei a arrumar tudo que parecia estar desorganizado, não queria aparentar ser uma bagunceira.

Fui ao banheiro e comecei a me avaliar no espelho, soltei meus longos cabelos e comecei a fazer caras e bocas perante ao espelho.

Espere aí.

Por que eu estava fazendo isso?

Como se eu me importasse se Nicolas me achava bonita, ou não.

Mas e se ele não acha?

Alguém estava batendo na porta, o que me fez pular de susto.

- Morin? – gritei, indo em direção à porta.

- Não! Sou o Leonardo da Vinci fantasiado de Nicolas. – respondeu rindo.

- Muito engraçado, monsieur Morin! – disse abrindo a porta, possibilitando lhe a visão de meu quarto.

- Peguei sanduíche, era a única coisa que eu sabia que você gostava. – disse sorrindo.

- Ah, tudo bem! Está ótimo para mim. – e o peguei de sua mão.

- Seu quarto é muito mais organizado que o meu, acho que até o banheiro parece mais limpo. – disse rindo.

- Eu sou neurótica com limpeza, por isso que é desse jeito. Porém, não gosto de ser assim. – disse, mastigando.

Ele caminhava no meu quarto, observando tudo. Até que seus olhos encontraram os três quadros que eu havia posto na pequena mesa ontem à noite. Ele os encarava com cuidado, até que suas mãos não se aguentaram e foram diretamente a um dos quadros.

Coincidentemente...

O quadro de Michael.

- Esse é seu namorado?- disse, ainda olhando para o quadro.

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- Hã... Não. Não tenho namorado. – disse, enquanto limpava minha boca com o guardanapo.

Mas ele não acreditou.

Agora ele olhava para mim, com uma cara que mostrava desconfiança.

- O que é? É sério... Não namoramos. – parecia até brincadeira, mas por incrível que pareça, alguma coisa em mim dizia que eu deveria contar a ele. – Tudo bem! Nós... Somente estávamos juntos, mas nunca namoramos.

- Ele gosta de você?- ele perguntou, pondo o quadro na mesinha e indo em direção à minha cama.

- Não sei... Eu acho que não. – disse, desanimada.

- Por que não? – ele insistia.

- Por que não? Bem, não sei... Talvez ele nunca tenha me achado interessante o bastante para levar seu sentimento a sério. – respondi, fazendo-o concordar levemente com a cabeça, como se estivesse somente me acompanhando.

- E você? Gosta dele? – perguntava, olhando para mim.

- De Michael? Bem... Gosto. – respondi, sem querer prestar atenção em sua expressão, por mais que não fosse expressar absolutamente nada. – E Claire? Como está? –mudei de assunto.

- Está bem. – disse, fazendo-me imaginar suas ligações com ela. Fazendo-me pensar em seus beijos, que eram capazes de provocar inveja em qualquer casal, pois nenhum se igualaria a eles.

Morin e Claire.

Eles foram feitos um para o outro, pensei.

- Vamos pintar? – interrompeu meus pensamentos.

Concordei com a cabeça. Um clima diferente havia se formado entre nós, ou somente em mim.

Por que o fato de imaginar Morin e Claire era tão assustador ao imaginar Michael e seu desprezo por mim?

Não. Isso não significa nada.

Nada.

Quando terminamos de por os lençóis plásticos nos móveis, pegamos os pincéis e abrimos as caixas de tinta.

Só havia azul escuro, violeta e laranja. De alguma forma, teríamos que fazer essas cores combinarem.

Missão impossível, pensei.

Sem perceber, Morin já havia começado a pintar. Fiquei o observando fazer as linhas delicadamente, mas notei uma expressão séria em seu rosto. Parecia até que ele não gostava do que estava fazendo.

Então, tive uma ideia: fui até ele, lentamente, e o empurrei, destruindo sua planejada obra de arte.

- Ei! Você me fez borrar, sua idiota! – disse parecendo indignado.

- Idiota é você que segue regrinhas para pintar! Nunca pensou em se divertir fazendo o que gosta? – desafiei-o.

- Divertir-se como? Assim?- e pintou o meu nariz.

- Você. Não. Fez. Isso. – disse, botando a mão em meu rosto.

- Ah, fiz. – disse rindo. – E seu nariz está muito bonito. – ria mais ainda.

- Vai ser assim é? – disse, indo em direção à outra caixa de tinta.

- Nem pense nisso. – ele disse, afastando-se.

- Sinto muito... Já pensei. – e pintei o seu cabelo.

Ele se defendia pintando o meu rosto, depois meu braço, enquanto eu pintava absolutamente tudo o que estava em minha visão.

Nós ríamos um do outro. Ríamos como duas crianças.

Notando a sua vitória sobre mim, saí correndo para me proteger.

- Volte aqui! – disse rindo e saindo correndo atrás de mim.

Quando estava quase colocando a mão na maçaneta, algo havia me puxado.

Algo não.

Ele.

Ele me pegou pela cintura, tirando meus pés do chão com muita facilidade, fazendo- me rodopiar e rir ao mesmo tempo.

Ou, fazendo-me arrepiar.

Até que ele, de repende, colocou-me contra a parede, fazendo-me sentir somente a sua respiração. Nós não ríamos mais, nem sorríamos mais, nem ao menos nos pintávamos mais. Somente, olhávamos um para o outro.

O que estávamos fazendo? Pensei. O que EU estava fazendo?

A culpa era toda minha e eu tinha agir, antes que...

- O quarto está uma bagunça, não é? – desviei o olhar.

- É... – finalmente respondeu. Ele se afastou e passou as mãos pelos cabelos, que agora estavam endurecidos.

- Ainda não acredito que você pintou o meu cabelo... – ele disse, rindo.

- Morin, estamos todos cobertos de tinta! – disse, fazendo-nos rir mais ainda.

- Vamos acabar isso então. Sem competições, ok? – ele sorriu.

- Ok . – concordei.

Demoramos 30 minutos para pintar todo o quarto e, quando finalizamos, ficamos impressionados com o nosso trabalho.

As paredes haviam ficado muito melhores, pensei.

- Obrigada pela ajuda! – disse sorrindo.

- Disponha. – ele riu. – Apesar disso – apontou para suas vestes. – foi bem legal.

- É mesmo! – concordei. – Afinal, que horas são?

- Quase 11 horas, melhor nos arrumarmos... Temos aula daqui a pouco. – disse, examinando o relógio.

- Tem razão. – concordei. Por mais que, no fundo, eu não quisesse concordar.

- A gente se encontra na frente dos elevadores? – perguntou.

- Hã... Sim! – e o examinei saindo.

Sem esperar um segundo, sentei-me no chão.

Deus... Se há alguma pessoa que pode me ajudar, só pode ser você... O que aconteceu aqui? O que foi aquilo? Por que ele me deixa desse jeito?

Decidi parar de achar as respostas que nunca vinham e começar a arrumar o meu quarto. Comecei tirando os lençóis de cada móvel e quando me virei para notar se estava tudo em ordem, percebi que alguma coisa estava errada...

Um pouco de tinta cobria, somente, o rosto de Michael na foto.