2012
Que não se perca a humanidade
No capítulo anterior. Cascuda deu um jeito de começar a espalhar seu veneno. Quim teve uma discussão muito chata com a Magali e D. Morte levou Carmen para um passeio.
De onde estava, Carmen pode ver quatro grandes estruturas que pareciam barcos.
- São as tais arcas de que o Franja falou?
- Sim. Um dos maiores projetos de cooperação de toda a história, mais de quarenta países se envolveram nisso. Até o governo brasileiro.
- Então foi por isso que a presidenta e um monte de gente sumiu sem deixar rastro? Ah, bando de safado sem vergonha!
Elas entraram em uma delas e viram uma movimentação imensa. Pelo que Carmen pode entender, era por causa do tsunami que ela tinha visto há pouco tempo e que tinha matado aquela família. Pelo visto, a onda tinha uns mil e quinhentos metros e estava prestes a atingir o local das arcas. Ela prestou bem a atenção e viu um homem com aparência antipática falando em frente a um monitor.
- Aqui é Carl Anheuser, capitão da Arca 4. Requisitando reunião de emergência T-99.
Do lado de fora, Carmen também teve a visão de um homem careca e barrigudo dando um soco no rosto de um guarda e toda a multidão invadindo o recinto.
- O que está acontecendo? Todo mundo endoidou!
- Parece que eles vão partir sem levar os passageiros.
- Como é? Que horror!
Do lado de fora, toda a movimentação tinha se intensificado para as partidas das grandes arcas. Helicópteros voavam por todos os lados enquanto a montanha se abria revelando aos poucos o exterior. A multidão correu para perto da porta de uma das arcas e pararam bruscamente quando alcançaram a beirada da plataforma. Muitos caíram da plataforma que ficava a uma grande altura.
- Eles vão se esborrachar lá em baixo!
De repente, um cientista seguido por uma mulher entra na ponte de comando e pede para que sintonizem a câmera que filma o exterior. Eles viram uma grande multidão aglutinada na beira da plataforma e muitos caiam para a morte.
- Ai meu Deus! – Laura falou vendo a chocante imagem. – O que está acontecendo lá fora?
- Anheuser, ele convenceu os outros chefes de estado a partir. – Adrian respondeu com grande dor e pesar. Por fim ele não suportou ver aquela situação e decidiu que era hora de fazer alguma coisa. D. Morte virou-se para Carmen e disse.
- Preste muita atenção, pirralha. Agora chegaremos ao momento mais importante.
Carmen procurou apurar os olhos e ouvidos, tentando guardar tudo o que via e ouvia. Adrian foi até o Anheuser e falou.
- Sr. Anheuser, temos que parar essa loucura! Transmita isso para as outras pontes também. – ele ordenou a um dos operadores.
- O que acha que está fazendo? – Anheuser perguntou desafiadoramente.
- Sei exatamente o que estou fazendo. Liga isso.
A comunicação com as outras arcas foi estabelecida e Adrian falou para os outros chefes de estado.
- Senhoras e senhores, aqui fala o Dr. Adrian Helmsley, conselheiro de ciências do falecido presidente dos EUA.
À medida que ele foi falando, os outros chefes de estado se aproximaram do vídeo para ouvir o que ele tinha a dizer.
- Ah, por favor, aumente o volume Sr. Hoffman. – A representante da Alemanha mandou. Adrian continuou seu discurso.
- Sei que somos forçados a tomar decisões difíceis para salvar a civilização humana. Mas ser humano significa cuidar uns dos outros e civilização significa trabalhar juntos para criar uma vida melhor. – ele começou a falar com mais paixão e ergueu um dedo. – Se isso é verdade, então não há nada de humano e nada de civilizado no que estamos fazendo aqui!
- O discurso do Dr. Helmsley é admirável. – Anheuser falou com certa frieza. – Mas devo lembrá-los de que temos recursos muito limitados e pouquíssimo tempo.
- Perguntem a si mesmos, vão ficar parados vendo essas pessoas morrerem? – Adrian perguntou indignado com a apatia com que as pessoas assistiam aquela tragédia. Ele olhou um pouco ao redor e disse. – Há dois dias, eu li uma frase. O autor provavelmente está morto agora, mas ele disse: “No momento em que paramos de lutar uns pelos outros, nesse momento” - a voz dele foi ficando cada vez mais intensa e apaixonada. – “Perdemos nossa humanidade!”
Anheuser não quis deixar por menos e retrucou já com a voz alterada.
- E para salvar a raça humana temos a obrigação de seguir este plano que todas as nações desta frota concordou...
- Nós temos que deixar...
- Eles estão nas mãos de Deus agora! – Anheuser gritou tentando dar um ponto final naquilo. O clima estava ficando tenso, toda a discussão era acompanhada pela tripulação e também pelos lideres das outras arcas.
- Ai, que sujeito mais chato! Esse você não mata, né sua chata?
- Cala a boca e escuta! – D. Morte falou lhe dando um puxão de cabelo.
Quando os dois se acalmaram um pouco, anheuser ordenou.
- Oficial, desligue. – ao ver que o oficial estava hesitando, ele gritou. – É uma ordem, marinheiro, desligue!
Um dos cientistas ergueu a bengala e falou num tom enérgico.
- Não se atreva a tocar nesse botão, meu jovem!
- Vocês perderam a cabeça?
Mais uma vez Carmen não agüentou.
- Grrrr! Eles vão ficar aí batendo boca! Abram logo, anda! Deixa o povo entrar!
- Céus... dai-me paciência!
O arrogante Anheuser continuou.
- Olhem o relógio, faltam menos de quinze minutos! Quer ser o responsável pela extinção da raça humana? Pode agüentar isso Adrian?– ele perguntou encarando Adrian diretamente. O cientista voltou-se novamente para os outros chefes de estado disposto a lutar até o fim.
- Houve um jovem astrofísico na Índia que é o motivo de todos estarmos aqui. – ele tentou um último apelo pensando no seu amigo Satinan que tinha morrido com sua família. – foi ele quem descobriu tudo isso!
Sua voz era emocionada e ele se controlava para segurar o pranto. Carmen o acompanhava com os dedos cruzados.
- Ele juntou todos os pontos, todos devemos nossas vidas a ele! Acabei de saber que ele foi morto com sua família por um tsunami no leste da Índia.
Ao seu redor, todos ouviam tristes e emocionados. Ele continuou com a voz embargada pela emoção.
- Ele era meu amigo... e morreu em vão! Todos lá fora morreram em vão se começarmos nosso futuro com um ato de crueldade!
Ele voltou-se para o monitor e perguntou aos chefes de estado.
- O que dirão aos seus filhos? E eles para os filhos deles?
Após alguns segundos de silêncio Laura, a filha do falecido presidente dos EUA, falou também muito emocionada.
- Se meu pai estivesse aqui, abriria os portões.
Os chefes de estado ponderaram por alguns segundos e Carmen dava pulinhos de ansiedade.
- Por favor, gente, vai! – ela implorou ainda com os dedos cruzados. – Aqui, o que vai acontecer se eles não abrirem os portões?
- Então todos irão morrer. Os que ficaram lá fora e os que estão aqui dentro também.
- Você vai matar todo mundo?
- Se for para começar uma nova civilização com uma base tão cruel e podre, preferível que tudo se acabe. Eles não merecem viver.
- E o sujeito que tá tentando ajudar? Ele é gente boa, coitado!
- E será recompensado futuramente, mas o restante terá que arcar com as conseqüências dessa crueldade.
Carmen voltou a olhar para aquelas pessoas e torcia freneticamente.
- Abre, abre, abre! Anda, abre logo! Aiiii! Eu vou morrer agora mesmo!
- Quem me dera... – D. Morte murmurou torcendo o nariz.
Após um tempo, que pareceu uma eternidade, o presidente da Rússia falou.
- O povo da Rússia, da China e do Japão concordam em abrir os portões!
- O reino unido, a Espanha, frança, Alemanha e acredito que também posso falar pelo primeiro-ministro italiano, votamos por deixarem essas pessoas entrarem! – A representante da Alemanha falou também emocionada.
Adrian suspirou de alívio e pediu.
- Capitão Michaels, por favor...
O capitão pegou o microfone e anunciou.
- Aqui é o capitão. Em alguns momentos os portões para vocês entrarem.
Carmen começou a pular e a vibrar de alegria.
- Eeeeee! Que bom! Eles vão abrir, vão abrir os portões!
D. Morte acompanhava tudo com o rosto sombrio, sabendo que aquilo ainda não tinha terminado.
Os portões foram abertos para que as pessoas entrassem e Carmen torcia para que todos entrassem a tempo. Uma visão chamou a atenção dela.
- Ué, e essas pessoas? Elas entraram de gaiato?
- Sim, são clandestinos. Preste atenção.
Ela viu que a abertura do portão acionou um mecanismo que colocou todos em perigo. Um deles acabou sendo morto nas engrenagens e o outro perdeu sua perna . No meio da confusão, um cabo se rompeu e acabou indo parar no meio das engrenagens, impedindo seu movimento.
- Puxa, você não perdoa ninguém, que coisa! – Carmen falou triste pela morte do homem.
O tempo estava correndo e ao longe, Carmen viu a grande inundação chegando com toda força. Sobre o pico de uma montanha, um velho monge saiu do seu estado meditativo e começou a tocar um grande sino como que anunciando seus últimos segundos na Terra antes de tudo ser engolido.
- Ai meu santo, a onda tá chegando!
Felizmente, todos tinham terminado de entrar e os portões estavam sendo fechados. Mas algo aconteceu. O portão não pode ser fechado e com isso, não dava para ligar os motores.
- Alguma coisa está travando o sistema hidráulico! – um dos oficiais disse.
- Capitão, temos clandestinos na área zoológica!
Adrian olhou bem e reconheceu Jackon entre eles, juntamente com seus filhos. Sem pensar duas vezes, ele junto com Laura foi até eles levando uma equipe para o resgate e também para sanar a falha. Faltava apenas um minuto para o impacto e eles tiveram que trabalhar depressa. Carmen acompanhava tudo quase morrendo do coração.
- Sua baranga, você vai ficar aí sem fazer nada?
- Fazer o quê? Tudo está encaminhado.
A grande onda chegava cada vez mais perto, inundando tudo o que tinha pela frente. Adrian e Laura foram para a área onde estavam os clandestinos. Pela grande janela da arca, onde ficava a ponde de comando, eles viram a onda chegando e investindo contra as arcas com toda força. O impacto inicial foi muito forte e como a porta da arca 4 não tinha sido fechada totalmente, um grande volume de água invadiu o barco inundanto tudo.
A arca sacudia com o impacto da onda e sem poder acionar os motores, ela ficou a deriva. A área onde estavam Jackson e os outros também foi inundada e as portas de segurança começaram a fechar para evitar que a inundação se espalhasse.
Carmen viu que algumas pessoas tinham ficado presas sem poderem sair. Uma mulher jovem e loira ficou presa com uma menina e conseguiu ajudá-la a fugir junto com seu pequeno cãozinho, mas ela não teve a mesma sorte e ficou presa enquanto o nível da água subia rapidamente.
- Não, ela vai morrer! Por favor, não deixa! Ela é gente boa! – Carmen pedia segurando o braço da D. Morte, que acompanhava tudo sem se alterar.
A arca foi levada pelas ondas e estava sendo projetada contra a montanha do Himalaia. Se eles não conseguissem ligar os motores, tudo estaria terminado. A arca não era capaz de suportar o impacto contra as rochas.
Na ponte, a movimentação era frenética e Anheuser gritava como louco tentando contornar a situação. Na parte de baixo da arca, Adrian lutava para ajudar os clandestinos e a moça loira
- Jackson, está lacrado, não podemos chegar até você! – Adrian falou para o outro através de uma pequena tela. - Tem algo bloqueando a hidráulica! Se não puder sair daí,
nenhum de nós sobreviverá!
Relembrando em sua memória, Jackon viu que sabia onde estava o problema e decidiu mergulhar para tirar o entrave que bloqueava a hidráulica. Mesmo com o nível da água subindo rapidamente, ele resolveu arriscar em nome de todos. Era isso ou deixar todo mundo morrer.
Carmen acompanhava tudo roendo o resto das unhas que ainda tinha e chorou ao ver aquela moça loira morrendo afogada apesar dos seus apelos. Será que a morte nunca poupava ninguém?
Depois de muito custo, Jackson finalmente conseguiu tirar o cabo que impedia as engrenagens de se movimentarem. Na ponte, todos acompanhavam a movimentação ansiosos e mal conseguiam respirar direito. A arca estava cada vez mais perto de se chocar contra as rochas do Himalaia e tinha começado a esbarrar em algumas rochas e geleiras. Num último esforço, Jackson conseguiu tirar os cabos e isso fez com que as engrenagens começassem a girar rapidamente fechando os portões.
- Senhor, o portão está trancado!
- Ligar os motores! – O capitão ordenou.
- Sim, capitão. Reversão máxima!
Os motores foram ligados, mas a inundação ainda era muito forte e a arca começou a se chocar contra a montanha, furando a geleira e causando um pequeno desabamento que até chegou a causar uma rachadura na janela da ponte de comando. Todos estavam apavorados, esperando pelo fim inevitável. Não havia mais esperança.
Mas o movimento reverso foi ativado a tempo, o que fez com que a arca se afastasse rapidamente da montanha salvando a todos da morte. Todos vibraram e comemoraram, até Carmen pulava e gritava de alegria contagiada pelo momento.
- Ai, que bom! Agora vai tudo terminar bem, não vai?
- Ainda não sei. Falta uma coisa.
- Grrrrr! Você não presta mesmo, viu?
Olhando para o monitor, Carmen viu que Jackson ainda não tinha aparecido, o que podia ser péssimo sinal. Todos ficaram em silêncio enquanto ouviam o garoto chamando pelo pai entre lágrimas. Do lado de fora, Adrian esperava com o resto da família e os tripulantes, torcendo para que Jackson aparecesse logo. Um tempo passou sem que nada acontecesse e de repente, um cacho de luz surgiu debaixo da água e Jackson emergiu ofegante.
A alegria foi geral. Todos riam, se abraçavam emocionados, uns até choravam. Carmen voltou a pular e a gritar e no meio da empolgação, acabou abraçando D. Morte pela cintura.
- Que bom! Ele conseguiu, conseguiu! Uhuuu!!!!!
O abraço durou pouco e Carmen logo a soltou e voltou a pular alegremente. D. Morte tentou se recompor ajeitando sua mortalha e acabou rindo também, feliz com o desfecho da história. Havia esperança para a raça humana afinal de contas.
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