Amor À 19 Vista

Tarde banal, com uma pitada de adrenalina


Olho concentrada para o controle remoto caído em cima do tapete cor vinho. Ergo as sobrancelhas, enquanto mando uma onda telepática de poder em sua direção.

— Venha até sua mestra. Venha...

Balanço os dedos em sua direção, quando de repente dou um pulo do sofá e acabo caída com a bunda no chão.

Fuzilo a porta e quem quer que tenha tocado a campainha.

Meio me arrasto, meio vou me levantando e meio que caminho até a porta.

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Adivinha quem está lá?!

Pois é, isso está virando perseguição.

— O que você quer, xarope?

Ele abre um sorriso e ergue um pote de sorvete. Disfarço meu interesse olhando desinteressada para o pote.

— E...?

— Eu trouxe sorvete para compensar aquele de outro dia.

Estreito os olhos para ele.

— Você não está pensando em me sujar de sorvete de novo, né?

— Só se tiver chuveiro no final.

Ele pisca para uma Adelina vermelha, que no caso, sou eu, e vai entrando como se a casa fosse dele. Logo vai para a cozinha, pegar duas colheres na gaveta. Fico observando escorada na porta, enquanto ele pega uma toalha para pôr embaixo do pote. Quando volta para a sala, sorri para mim, e nesse momento eu me desequilíbrio e escorrego e caio de bumbum no chão. Talvez por isso minha bunda seja grande, pelo fato de ter o chão como um velho amigo.

Ele franze o cenho preocupado.

— Você está bem?

— Aham. — Respondo enquanto me levanto. Paro na sua frente.

— O que você está fazendo aqui, de verdade?

Ele dá de ombros e se atira do sofá. Dá uma batidinha do seu lado, me convidando para sentar.

— Eu soube que você iria passar o dia todo sozinha, daí resolvi fazer uma caridade te fazendo companhia.

Estreito os olhos, lançando um olhar de cachorro brabo e espumando, e então sorrio e me atiro no sofá, pegando uma colher de sua mão.

— Garota, você é bipolar, sabia disso?

Lambo a colher carregada de sorvete de flocos — meu preferido — enquanto dou de ombros. Sabe que dar de ombros é legal?

Ele suspira para minha falta de personalidade. Espera, o que isso tem a ver?

— Que filme você está assistindo? — Ele interrompe minha confusão interna.

— O Ladrão de Raios. Foi adaptado de um livro que eu A – M – O.

— Hnm, — ele fala desinteressado — deve ser legal.

Bato com a colher em sua testa.

— Ai!

— Legal o escambau. MAGNÍFICO, entendeu? Ou quer que a colher te explique melhor?

Ele me olha emburrado.

— Tá, tá. Entendi.

Rafael se vira para a TV, e passa a assistir, enquanto come o sorvete.

— Caramba! — Exclamo de repente, na parte onde eles estão comendo aquela florzinha bem bonitinha.

— O que foi?! — Rafael pergunta alarmado.

— Você percebeu que meu nome combina com adrenalina? Tipo, Adelina e adrenalina. Legal, né.

Ele me olha de um jeito estranho. Então de repente tira a colher da minha mão, pega uma boa quantidade de sorvete e enfia na minha boa. Resmungo algo incompreensível.

— Pronto, agora você não pode mais falar baboseiras.

Ergo uma sobrancelha, enquanto tiro a colher da boca.

— Você que pensa.

Ele rola os olhos, e volta a assistir o filme.

Quando estou prestes a colocar a colher na boca, começo a rir por causa do filme, mais precisamente, por causa do lindo e estiloso Hades. Então acabo errando a aterrissagem do aviãozinho — o que foi, nunca tiveram infância?! — que ao invés de aterrissar na minha boca, acaba melecando toda a minha cara. Rafael começa a rir de mim.

— Calado! Seu espirilo!

Ele para de rir e me olha sério.

— Eu limpo pra você, se isso te incomoda tanto.

Dou de ombros. Mas se soubesse quais eram os planos dele, não teria simplesmente dado de ombros. Teria é dado um bofetão naquela cara humana dele.

Ele corta o espaço entre a gente, e lambe o sorvete na minha cara. Parece nojento, mas sabe que é bom. Droga, que pensamentos diabólicos são estes?! Antes que possa reagir, ele começa a me beijar.

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Um beijo doce, gelado e com sabor de flocos. Seu corpo cobre o meu, enquanto me deito de costas no sofá. A carne é fraca, a minha principalmente. Acabo correspondendo o beijo, com muito afinco, devo acrescentar. Mas isso é magia verde, não tem outra explicação.

Agarro seus cabelos e o puxo contra mim, enquanto ele grunhe e aperta minha cintura em resposta. Passo minhas pernas ao redor dele, e isso parece agradá-lo profundamente. Ele deixa uma trilha de beijos pelo meu pescoço, enquanto respiro ofegante. O pior não é eu estar beijando-o. O pior, é eu estar gostando. Profundamente.

Por sorte, ou não. Sei lá! O telefone começa a tocar, me despertando do agarramento no sofá. Escapo debaixo dele e corro para o telefone.

— Alô? — Digo ainda ofegante pelos múltiplos beijos.

— Oi Adelzinha, é a Lana, ainda se lembra de mim, né?!

Como poderia me esquecer?

— Sim, — respondo enquanto rolo os olhos, mesmo sabendo que ela não pode ver — eu ainda me lembro dessa chata.

— Chata uma pinoia. Adivinha?!

— Hnm, o mundo acabou e na verdade o que eu estou vivendo nesse momento é uma memória?

Ouço um engasgar vindo do sofá.

— Hã, não. Na verdade, meu pai vai precisar fazer umas coisas de trabalho por aí perto, no sábado, e vai me levar para te ver!

Soltamos gritinhos feito duas histéricas. Pelo canto do olho, vejo Rafael esconder a cabeça no meio de uma almofada.

— Mal posso esperar para te ver! Estou com tantas saudades!

— Eu também, minha tigrosa.

Praticamente posso vê-la sorrindo naquele momento.

— Adel, eu preciso desligar, porque minha mãe quer usar o telefone. Sua vó ainda mora no mesmo lugar, certo?

— Aham.

— Ótimo, a gente se vê sábado então. Beijos.

— Beijos.

Ouço-a desligar o telefone, e quando o faz, desligo o meu também, para não ter que ficar ouvindo aquele barulho irritante.

Atiro-me no sofá novamente, enquanto o filme parece estar no final.

— Quem era?

— Uma amiga. Ela vai vir me visitar no sábado.

— Legal.

— É.

Então caímos num silêncio profundo, enquanto os créditos finais começam a aparecer na tela.

— Tem algum filme que você queira assistir?

— Para mim tanto faz. — Essa frase é acompanhada de um dar de ombros dele.

Retribuo seu dar de ombros, me ajoelho em frente à TV, e ponho um filme qualquer de terror.

— Só um minuto, já volto.

Saio correndo em disparada na direção do meu quarto, e quando o adentro, pego um cobertor em cima da cama. Volto para a sala, e Rafael está no mesmo lugar onde estava quando saí.

Jogo o cobertor bege em cima dele, e pulo ao seu lado, depois puxando um pouco para cima de mim também.

— Adelina?

— Hnm? — Ignoro o arrepio que meu nome dito por sua voz me causa.

— Sabe, semana que vem vai ter uma festa a fantasia aqui pertinho, e o Romeu me pediu para pedir para você ir. Então, você vai?

Se vou? Já estou até pensando na fantasia!

— Vou pensar no teu caso.

— Pensar no meu caso? Mas foi o Romeu que mandou pedir.

— Indiferente. Foi você quem pediu, não ele.

Rafael bufa, e então voltamos a assistir o filme.

Sabe o que eu acho? Além de achar bizarro o fato de ele ter chegado mais para perto de mim? O fato de termos nos beijado. De novo. E ninguém tocar no assunto, ambos fingindo que aquilo nunca aconteceu.

E é isso que acontece, fingimos que nada aconteceu naquele sofá.

Assistimos ao filme fazendo alguns comentários de vez em quando. Olho para fora da janela, e percebo que já está anoitecendo.

— Quer tomar café?

— Que tal fazermos panquecas?

Aperto os lábios. Adelina mais cozinha, igual a terror.

— Acho melhor não. Que tal se só fizéssemos alguns sanduíches com geleia?

Ele bufa.

— Sua sem graça. Mas a gente ainda vai fazer panquecas, considere isso uma promessa.

— Tá, tá, tanto faz. Agora vem me dar uma mãozinha.

Vamos para a cozinha, eu de arrasto, e ele com andar ereto.

Por mais que eu odeie admitir, formamos uma bela equipe. Como o Salsicha e o Scooby.

— Prontinho. — Digo, enquanto olho admirada para a pilha de sanduíches que nós dois fizemos. — Vai querer tomar o quê?

— Tanto faz.

Pego uma caixa de suco de laranja, e em sento na banqueta do balcão. Inclino a cabeça para ele se sentar na frente, e ele o faz.

— E então, será que vai chover? — Esse se chama “jeito-peculiar-de-travar-um-diálogo-estilo-Adelina-com-adrenalina”.

Rafael olha pela janela, enquanto se abaixa um pouco. Antes de responder, dá uma mordida no sanduíche, mastiga, faz cara de pensativo e engole.

— Acho que vai chover uma chuva radiativa, que erradicará a população mundial.

Então ele abre um sorriso para mim, que sou obrigada a retribuir. Ele não falou aquilo porque era o que pensava. Ele falou, porque sabia que era algo que eu falaria. Falou, para me agradar.

Sim, salvem-se, pois o inferno está prestes a congelar. Ou derreter. Ah, tanto faz.

— E se algum dia acontecesse algo do gênero? Não uma chuva radiativa, mas um colapso no planeta? O que você faria?

Rafael franze o cenho, dá outra mordida e finalmente responde.

— Não sei. Com certeza continuaria lutando, nunca desistindo. Mas também viveria o mais intensamente possível. Faria tudo que tivesse vontade, e viveria cada dia como se fosse o último. Mas principalmente, amaria.

O peso intenso de seu olhar me obriga a desviar o meu.

— Quer suco?

Inclino a caixa na sua direção, e completamente acidentalmente, o suco cai um bocadinho na sua camisa branca, que agora possui uma enorme mancha laranja.

Ambos ficamos olhando para ela, que parece aumentar de tamanho a cada segundo passado.

— Droga, Rafa, me desculpa, de verdade. Juro que não foi de propósito.

Ele dispensa minhas desculpas com um aceno.

— Eu sei que não foi de propósito, caso contrário saberia. Nem esquenta.

E com isso Rafael simplesmente tira a camisa, bem na minha frente.

Ele deve ter percebido meu olhar bastante fixo, pois ergue uma sobrancelha para mim.

— O que foi?

— Acho melhor você não ficar por aí sem camisa, ou pode ficar doente. — Ou causar a doença do olhar fixo nos outros.

Ele olha para o relógio de parede, e quando o faz, emite um som de surpresa.

— Nossa, como passou rápido. Eu preciso ir.

Rafael embola sua camisa manchada.

Concordo com a cabeça, e como a boa anfitriã que sou, o acompanho até a porta.

Já nela, ele se vira para mim, mas interrompo seja lá o que for que queria me dizer.

— Nada de beijos, viu!

Ele sorri um sorriso cheio de dentes, que me seguro para não retribuir.

— Quem disse que eu iria te beijar? — Ele pergunta em um tom de provocação.

Olho nervosa para minhas pantufas quase ridículas, de tão sexys. Pela primeira vez na vida, me sinto envergonhada.

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— Porque isso já está se tornando tradição.

Ele se escora na batente da porta.

— E o que você pensa sobre tradições?

— São velhas e antiquadas.

— O amor é velho e antiquado, mas isso não parece repelir as pessoas.

Rafael não me beija, apenas passa a mão pelo meu rosto, até chegar aos meus lábios, onde os contorna com o polegar. E então vai embora.

Fico com uma dúvida cruel. É preciso encostar os lábios para chamar de beijo? Porque isso, pareceu muito mais que um simples toque para mim.

Respiro ofegante, e pouso a mão em meu peito.

Deuses, o que está acontecendo comigo?