Destino

Capítulo Catorze


XIV

Atena e sua família alcançaram os Valence na estrada para Atlântida um dia depois que o mensageiro de Ótris chegara ao Olimpo com a notícia de que seus senhores tinham iniciado a viagem. Até o momento, sua jornada tinha sido tão tediosa quanto prometera ser, alternando entre mofar dentro de uma carruagem ou ser carregada no lombo de um cavalo. Ela preferia a relativa liberdade de cavalgar, mas o trajeto era tortuoso a ponto de se tornar cansativo depois de um tempo, e eventualmente ela preferia sentar-se com as outras damas dentro do coche abafado e ouvir quaisquer que fossem as discussões bobas em que elas se engajavam no momento.

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Suas últimas semanas no Olimpo haviam sido incomumente agradáveis, mesmo que ela estivesse sempre ocupada com os preparativos para o casamento. Atena e sua tia ficaram encarregadas de tecer, costurar e bordar em tempo recorde cada detalhe de seu traje nupcial e enxoval, e para tanto contaram com a ajuda de suas irmãs e das servas do castelo.

Seu pai tinha providenciado todo o necessário sem hesitar, mas se tratando de sua filha preferida, aquela generosidade não lhe era estranha. Perséfone havia se encarregado da decoração, e embora não tivesse muito a se fazer até que chegassem ao local da celebração e soubessem o que estaria disponível para uso, sua prima tinha encontrado uma maneira de trazer exemplares de algumas de suas amadas flores para o caso de não haver material o suficiente disponível em Atlântida. Atena não achava que elas sobreviveriam à viagem, mas uma vez que o talento de Perséfone para jardinagem sempre fora inquestionável e ela parecia saber o que estava fazendo, preferiu não opinar nesse assunto.

Elas duas não estavam se falando há alguns dias. Ou, em uma melhor colocação, Atena tinha decidido ignorá-la depois que a prima esboçara uma reação absolutamente ridícula ao relato que ela fizera do beijo que Poseidon lhe roubara no baile. Algo sobre gestos românticos e como eles eram perfeitos um pro outro, uma baboseira tão sem tamanho que Atena tinha feito questão de se esforçar ao máximo para esquecer.

Pensar nesse acontecimento a conduziu a outros questionamentos que já povoavam sua mente há algum tempo. Era certo que Poseidon se mostrara gentil e atencioso como nunca alguém tinha sido com ela, mas Atena não queria deixar aquilo lhe subir à cabeça. Para ela, era claro como o dia que Poseidon estava fazendo tudo o que estava a seu alcance para passar a melhor imagem de si mesmo possível e assim conseguir sustentar o acordo selado pelo seu pai. O que a deixava inquieta era questionar-se como seria a personalidade de seu noivo uma vez que aquela aliança se concretizasse. Quando estivessem sozinhos em seu novo castelo, longe da fachada de cortesia dos bailes e visitas formais, unidos pelo laço indivisível do matrimônio. Ela estava ciente de que um dos deveres esperados das esposas era a obediência e submissão total ao marido, algo que não se considerava capaz de cumprir. Poseidon esperaria isso dela? Seria autoritário e controlador como Cronos aparentava ser ou desatencioso e infiel como Zeus? Será que permitiria que seus familiares a visitassem? Aliás, essa era outra das coisas que Atena não sabia como faria para se acostumar: viver em um lar sem sua barulhenta e complexa família.

Outra das obrigações impostas às mulheres casadas era a de prover pelo menos um herdeiro, quesito que por sinal era fundamental para os pais de seu noivo. Ela não via como seria possível cumprí-lo caso fossem realmente manter um casamento de fachada como Poseidon propusera.

Ele não tinha tocado naquele assunto novamente desde a fatídica noite do baile; aliás, Poseidon não tinha feito qualquer contato com ela desde aquela ocasião, mesmo que já estivessem viajando juntos há quase dois dias, e isso só mudou quando eles pararam para descansar. Montaram acampamento ao lado da estrada, em uma agradável campina que terminava em uma ladeira de um lado e fazia divisa com um bosque do outro. Os rapazes se afastaram para caçar no dito bosque, e depois de alguns minutos voltaram com alguns pássaros derrubados principalmente graças à inegável perícia de Apolo com o arco e flecha. Enquanto limpavam e preparavam as aves para serem assadas, por algum motivo Ares e Poseidon começaram a brigar.

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De início, Atena não percebera o que estava acontecendo, ocupada em ajudar a pequena Héstia, que sentia um mal-estar causado pela viagem. Quando os gritos de surpresa de Lady Valence e Lady Norwood chamaram sua atenção, Ares e Poseidon já estavam rolando ladeira abaixo, trocando socos e pontapés. Apolo e Hades correram para separá-los, sendo ajudados em seguida por Zeus.

Quando os ânimos se acalmaram e as mais sinceras desculpas dos senhores Norwood pelo comportamento explosivo de seu filho foram proferidas, Deméter obrigou Atena a ir tratar dos ferimentos de Poseidon, alegando que dentro de alguns dias aquele seria só mais um de seus deveres para com ele. Relutante, ela obedeceu, e foi assim que os dois foram finalmente forçados a interagir.

Poseidon estava sentado no limiar da campina com o bosque, com as costas apoiadas em uma frondosa árvore, tão distante quanto possível de Ares, que estava do outro lado do terreno, próximo à ladeira, recebendo relutantemente os cuidados de Apolo e sendo supervisionado de perto por Hera. Atena tinha visto de longe quando seu noivo dispensou os cuidados da família, e se aproximou hesitante com seu odre de água fresca e panos limpos. Quando ele não a mandou embora, Atena sentou-se na grama a seu lado.

— Acho que esse não foi o melhor final para sua encenação de perfeito cavalheiro. - Ela arriscou dizer.

Poseidon deu uma risada sem humor algum, levando em seguida uma mão até o rosto. Havia um corte no canto de seus lábios, que provavelmente ainda incomodaria bastante quando ele falasse, sorrisse ou fizesse qualquer outro movimento com o rosto. Atena pegou o lenço que trouxera, umedeceu-o com um pouco de água e entregou ao rapaz, que prontamente aceitou. Os dois permaneceram encarando a paisagem a sua frente sem falar mais nada ou sequer lançar um olhar na direção do outro enquanto Poseidon limpava o sangue de seu rosto.

— Não precisa ficar aqui. - Poseidon falou depois de algum tempo.

— Preciso, na verdade. Estou cumprindo ordens. - Ela esclareceu.

— É claro que está. - Ele murmurou, não sem um pouco de ironia, enquanto deixava sua cabeça pender para trás e recostava-se por completo no tronco da árvore. Atena não resistiu a olhar rapidamente em sua direção. A área ao redor de seu olho esquerdo estava um pouco inchada e havia arranhões em sua testa e bochechas que ainda estavam sujos de terra, assim como pedaços de grama em seu cabelo e roupas.

— É completamente compreensível o impulso de agredir Ares ao ser obrigado a dividir qualquer espaço ou intervalo de tempo com ele, devo dizer.- Ela começou, na tentativa de iniciar uma conversa. - Mas suponho que você tenha tido um motivo específico?

— Pode-se dizer que sim. - Ele respondeu, mas não fez nenhum esforço para explicar qual tinha sido esse motivo, e Atena não o pressionou. Eles ainda ficaram sentados ali em silêncio por mais alguns minutos, até que os chamaram de volta ao grupo para dar continuidade à viagem. Já estavam perto de chegar aos limites de Atlântida, seu novo lar, e a cada passo que dava em direção a sua nova vida, as dúvidas de Atena apenas se acumulavam mais e mais.