Reticências De Uma Semideusa

Conversamos com Hades


Assim que sobrevoamos praticamente todo o Mundo Inferior, chegamos ao castelo de Hades, que parecia muito com o Olimpo. Apenas as cores e o tamanho eram diferentes, mas era uma réplica do Olimpo. Na entrada, havia um jardim com diversas formações de cristais, árvores com pedras preciosas, flores, frutas e estátuas. Até seria bonito, se não fosse amaldiçoado. As fúrias nos levaram até a sala dos tronos, onde Hades e Perséfone estavam sentados em seus tronos, com Deméter atrás deles. Assim que entramos, uma pesada porta se fechou atrás de nós, e almas de soldados apareceram ao redor da sala, impedindo que tentássemos fugir. Não que Hades não desse conta de nós quatro sozinho, é claro. Enquanto as fúrias voavam até o trono de Hades para ficar ao lado dele, esquadrinhei o cômodo. Analisei as almas dos soldados, todas com os olhos vidrados e suas roupas de batalha. Trajes de diferentes épocas e lugares, armas de todos os tipos. Deparei-me com uma alma me encarando e franzi o cenho. Ele devia olhar somente para a frente, e não se mover a não ser que Hades ordenasse algo. Havia um leve brilho nos seus olhos, e comecei a suspeitar de que estivesse vivo. Mas sua imagem tremeluziu por um breve instante, e concluí que era uma alma também. Mas algo me intrigava nele.

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- Então, finalmente consegui trazê-los para uma conversa, hein? – disse Hades, chamando nossa atenção.

- Infelizmente – resmunguei.

Hades esboçou um sorriso.

- Pelo cheiro do seu sangue, presumo que seja irmã daquele metido do Jackson – prosseguiu Hades.

- Acertou em cheio, tio – respondi.

- Aquele metido do Jackson que salvou a sua pele lutando contra Cronos, hein? – ironizou Charlie.

Hades voltou os olhos para ele, e temi pela vida de Charlie.

- Ele é um mero semideus – disse o deus – e eu teria conseguido matar meu pai se fosse necessário. Mas, vamos ao assunto que interessa. O que os traz ao meu reino? – perguntou-nos.

- Uma missão – respondi. – Por favor, eu sei que você já está informado, podemos ir direto ao assunto? O que quer de nós?

- Tudo bem então, aos negócios – disse Hades, ajeitando-se no trono. – Eu quero aquele pergaminho que estão procurando.

- Então vá buscar – disse Peter, interrompendo o deus.

Hades fuzilou-o com os olhos.

- Eu até buscaria – respondeu ele – se eu conseguisse ver exatamente onde está. Mas algo me impede, não sei exatamente o que. Mas vocês acertaram vindo até aqui procurar. O tal pergaminho está em meu reino.

- E porquê, exatamente, você quer esse pergaminho? – perguntei.

- Porque sim, oras! O problema não é meu se aquele deus egocêntrico perdeu um pedaço de papel que é sagrado para ele justamente no meu reino obscuro, e não pode vir buscar! O que Apolo fez de bom para mim em todos esses milênios que existimos? Nada! Até de luz ele me privou! – disse Hades, revoltado.

- Entendo seu ponto de vista, Hades, - prossegui – mas vale a pena castigar o mundo todo o mundo por que vocês não se dão bem? Pense só: se o mundo acabar, todos vão morrer, e seu reino vai se entupir de almas para depois se acabar também. É isso que você quer?

Hades pareceu pensativo por um momento.

- Não questione minha vontade, garota – disse ele – senão vou matar todos vocês e procurar pessoalmente esse tal pergaminho. Aliás – continuou – é exatamente isso o que vou fazer. Você me irrita igual ao seu irmão.

- Querido – disse Perséfone – porquê você não deixa esses quatro seguirem seu caminho? Não entendo sua vontade de matar heróis.

- Por favor, Perséfone, não me interrompa – pediu Hades. – Deixe-me matá-los.

Perséfone revirou os olhos e bufou, desistindo.

- Tudo bem então. Mãe, o que tem para comer? Estou faminta – disse ela, voltando-se para Deméter. – Por favor, algo que não seja cereal.

As duas sumiram em uma nuvem de flores e trigo, que caíram sobre a cabeça e o colo de Hades. Devo admitir que ele ficou engraçado com rosas e margaridas na túnica preta.

- Agora, vamos continuar – disse ele com um sorriso macabro.

Muitas coisas aconteceram naquele momento que se passou, e consegui registrar poucas delas. Primeiro, uma das almas de Hades, justo aquela que eu peguei me encarando, saiu de sua posição para impedir que seu senhor nos matasse. Depois, vi Nico di Ângelo (conheço-o de longe, ouvi algumas histórias sobre ele) entrar no castelo de seu pai tagarelando alguma coisa sobre os Campos Asfódelos. Então vi Haley tirar discretamente uma flauta do bolso e começar a tocar uma melodia sutil que me deixou calma, e acho que isso afetou a todos. Algumas almas que apontavam suas armas para nós voltaram em sua posição inicial, com a arma ao lado do corpo. Então ouvi Charlie dizendo “Morfeu” e lembrei-me da bênção recebida e da promessa que ele fez: No momento de maior desespero, devem fazer uma prece para mim e eu os ajudarei”. Suas palavras ficaram ecoando em minha mente até que eu enfim fiz uma prece silenciosa, invocando sua presença para nos ajudar. Assim que abri os olhos, a sala estava silenciosa, e Morfeu estava ali.

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- Ora, ora, Morfeu – disse Hades – eu não esperava sua visita.

- Desculpe, Hades. – respondeu Morfeu. – Esses semideuses provaram-se dignos da minha ajuda e proteção. Não sentiu o cheiro? Dois deles têm a minha bênção.

Hades inspirou e assentiu, derrotado.

- Sim, posso sentir. O que você vai fazer, então? – perguntou Hades.

Morfeu virou-se para nós.

- No que posso ajudá-los? – perguntou o deus.

- Bom, se nos garantir saída segura dos portões desse palácio de Hades e dez minutos de sossego – disse eu – já seria ótimo.

Os dois deuses se entreolharam e Hades assentiu.

- Bom, já que são seus protegidos, não tenho outra escolha, não é? – disse Hades. – Podem ir. Dez minutos serão contados a partir do momento que colocarem os pés fora do cercado.

- Senhor? – perguntou uma voz clara.

Virei-me em direção à voz e deparei-me com aquela mesma alma que nos defendera.

- Diga, soldado. – respondeu Hades.

- Eu gostaria de ir com eles – disse o soldado.

Hades torceu os lábios.

- Não gosto dessa ideia – falou o deus.

- Pai – chamou Nico, que estava apoiado em uma parede. – Deixe-me lembrá-lo que as almas que o cercam não tem obrigação de servi-lo durante a eternidade. E esse sargento já cumpriu sua pena com o senhor.

Hades fuzilou Nico com os olhos, mas assentiu, derrotado.

- Bom, acho que hoje não é meu dia – disse ele. – Vocês todos podem ir. Nico, já para o seu quarto.

Nico deu um sorriso sarcástico.

- Pai, hoje não é seu dia mesmo, hein? Hoje é um dos dias de nosso acordo em que estou livre para ir aonde quiser, então você não pode me obrigar a ir para o meu quarto – disse ele.

- Tudo bem então, vá para onde quiser. Vou tomar um gole de néctar com minha esposa. Aceita, Morfeu? – ofereceu Hades.

Morfeu assentiu, agradecendo, e os dois deuses desapareceram em fumaça sombria que me deixou com sono.

- Vamos, então? – chamou Nico. – Se quiserem, podem dormir aqui no jardim, fico de guarda para vocês. Ou posso buscar um café para mantê-los acordados.

- Espera, não podemos comer ou beber nada daqui, senão ficamos presos, não é mesmo? – perguntou Peter.

- Exato – respondeu Nico. – Mas não terá perigo se eu fizer o café. Isso é mania do meu pai. Mas não tentem comer as romãs desse jardim, ok? Se comerem, bom, ficarão presos.

Assentimos. Eu pedi um café, e os outros três foram dormir. Nico foi buscar meu café, e fiquei sentada, de guarda para meus amigos. Então lembrei da alma que estava conosco, o tal sargento que nos defendeu. Virei para trás e ele estava lá, fitando-me. Fiz um sinal para que ele se aproximasse, e ele sentou-se ao meu lado, colocando sua arma no chão. Ele era meio invisível, e eu conseguia ver através dele se me concentrasse. Mas eu não subestimava sua capacidade de matar.

- Olá – disse eu. – Ainda não tive a chance de agradecer por ter nos defendido.

Estendi a mão para ele.

- Eu sou Stefanie. Quem é você? – perguntei.

- Sargento Erich Bristow, senhorita – respondeu-me.

Ele tentou pegar minha mão, mas atravessou-a. Erich pareceu desanimado. Puxei minha mão de volta.

- Bem, muito obrigada sargento – disse eu, prestando continência.

Ele devolveu o gesto, sorrindo, e ficamos sentados esperando o retorno de Nico.