Reticências De Uma Semideusa

Uma Visita Inesperada


Era um deus, isso estava óbvio. Eu conseguia sentir sua aura de poder beijar meu rosto. Mas qual deles?

- Morfeu – disse Charlie.

- Não era exatamente o tipo de recepção que eu esperava – respondeu o deus. – Guarde essas armas, filha de Poseidon. Vim em paz.

Olhei de relance para Charlie enquanto transformava minhas armas novamente e o vi estreitar os olhos. Eu não sabia muito sobre Morfeu, mas deveria desconfiar dele?

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

- Olá – disse eu, estendendo a mão para o deus.

Morfeu sorriu.

- Olá, garota. Bom, esta é uma recepção mais amigável. Mas eu não acho uma boa ideia eu apertar sua mão agora. Tenho algo a dizer antes de você voltar a dormir.

Assenti. Ele abriu a mão e nela havia um frasco transparente com tampa azul, cheio de pequenas esferas. Ele o estendeu para mim e eu o peguei, me sentindo sonolenta no mesmo momento.

- São pérolas dos sonhos – disse Morfeu.- Assim como existem as pérolas de Perséfone, existem as minhas. Estas são explosivas, ou seja, você joga no chão e ela se quebra, liberando uma fumaça que faz o ser, seja semideus, monstro, humano ou deus, cair no sono no mesmo instante. Dentro desse frasco elas não se quebram, pois ele tem proteção mágica dentro. Mas fora dele, é perigoso.

- Desculpe-me se parecer grosseiro – disse Charlie – mas por que está nos ajudando? Sou muito grato, mas é de se desconfiar... tantas dicas nos sonhos de Stefanie, tantas bênçãos para ela, ajuda vinda de Peter, de Poseidon... por que estão nos ajudando tanto?

- Não reclame de barriga cheia, garoto – avisou Morfeu. – Se estamos lhes oferecendo tanta ajuda, é por que sua missão é de grande importância. Se Apolo não tiver seu pergaminho... bom, seu temperamento é explosivo.

- Entendemos – disse eu. – muito obrigada, Morfeu.

Ele gargalhou.

- Ah, querida. Isso não vem sem um custo. Nada é de graça. Bom, se conseguirem parar a fera sem ferir ou matar um mortal que seja que está nesse ônibus, vocês dois ganharão minha bênção e terão minha ajuda mais uma vez na missão. No momento de maior desespero, devem fazer uma prece para mim e eu os ajudarei. Agora, boa sorte.

Dizendo isso, ele evaporou em fumaça cinza, que nos fez bocejar. Então ouvimos um barulho do lado de fora do ônibus. Era o monstro, só podia ser. Tentei acordar Peter, mas ele não abria os olhos de jeito nenhum. Haley quase me deu um coice quando tentei acordá-la. Seríamos só eu e Charlie contra o... qualquer coisa que seja que estava vindo. O monstro arrebentou a porta do ônibus e entrou. Eu não fazia ideia do que era. Tinha escamas esquisitas espalhadas por todo o seu corpo, garras de vinte e cinco centímetros tão afiadas quanto minha espada e um olhar que dava medo em qualquer valentão. Transformei minha espada e meu escudo com o mínimo de movimentos possível. Mas o bicho me viu e avançou direto para mim. Ergui meu escudo para evitar ter meu pescoço perfurado por suas garras, mas se não fosse por Charlie, eu estaria morta. Com sua espada, ele afastou o mostro de mim, impedindo-o de me esmagar com seu peso. Duas garras dele se quebraram. Pensei que o monstro iria urrar de raiva, mas ele permaneceu em silêncio.

- É um monstro tão antigo quanto os pergaminhos de Quíron – disse Charlie, enquanto se defendia do animal. – Existem apenas dois desses, e deveriam estar presos no Tártaro. São como demônios silenciosos, feitos para matar sem deixar rastros e sem produzir nenhum som. São praticamente indestrutíveis.

Então eu lembrei-me do tal monstro. O Demônio do Silêncio, os bichinhos de estimação de Cronos, se esgueiravam pelas sombras para perseguir suas vítimas. Atendem apenas a Cronos, e assim que conseguem matar seu alvo, voltam para o Tártaro em sua forma viva. Não é só por causa de Hades e de seu Elmo das Trevas que os humanos temem o escuro. É também por causa desses monstros. E a única forma de mata-los era...

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Distraída em pensamentos, esqueci-me da fera que estava enfrentando. Meu braço esquerdo, que segurava o escudo, fraquejou por um breve momento, permitindo que o demônio aproximasse suas garras de mim. Ele me arranhou com três garras, bem no meio da bochecha. Caí no chão, e fiquei impossibilitada de me mover muito. Vi Charlie avançar bravamente sobre o monstro, desferindo muitos golpes contra a barriga desprotegida dele. Mas não adiantaria, por que o único jeito de matar o monstro era...

- Charlie, prenda a respiração. Agora. – disse eu.

Ele fez o que eu pedi, graças aos deuses. Joguei uma pérola de Morfeu aos pés do monstro. A pérola explodiu em fumaça cinzenta no mesmo instante, fazendo o demônio cair no sono. Logo que a fumaça desapareceu, eu inalei o ar com cautela, para não cair no sono também. Mas o ar estava limpo. Aproximei-me do monstro e toquei-o com o pé, mas ele continuou ressonando. Antes que o efeito da pérola passasse, peguei minha espada e enfiei em seu peito até o punho tocar sua pele escamosa. Demorou um pouco, mas o monstro transformou-se em pó amarelo, que fedia a enxofre.

Nesse momento, o motorista do ônibus acordou e o motor ligou. Alguns passageiros acordaram também, e o ônibus começou a sair do lugar. Nesse momento, eu e Charlie bocejamos, e vi uma flor avermelhada surgir acima da cabeça de Charlie, e imaginei que o mesmo estava pairando sobre mim. Devia ser a Papoula, símbolo de Morfeu. Ele havia cumprido sua promessa então.

Toquei o braço de Haley para acordá-la, pois faltavam alguns minutos para a nossa parada. Mas antes de fazê-lo, decidi testar minha nova bênção. Toquei seu braço e fechei os olhos, enviando-lhe uma mensagem sonora. Não passava de um alarme clássico de despertador. Ela mal se moveu, e isso significava que estava baixo demais. Aumentei um pouco o volume.

- ALGUÉM FAÇA O FAVOR DE DESLIGAR ESSA PORCARIA DE DESPERTADOR? – gritou Haley, despertando de seu sono, acordando Peter e atraindo olhares.

Ops, alto demais.

- O que foi isso? – Ela estava perdida. – De onde estava vindo o som do despertador? Você tem celular?

Abri um tímido sorriso.

- Não – Respondi, assim que os mortais desviaram os olhos. – Resolvi testar a bênção de Morfeu.

Fiz uma síntese da história para ela, e ela pareceu entender. Mas isso não significava que ela não estava com raiva de mim.

- Parabéns pela bênção – respondeu Haley – mas isso não te dá o direito de me acordar com essa porcaria de barulho dentro da minha mente. Da próxima vez, tente algo mais sutil, por gentileza. – Disse, fechando a cara.

Ok, não adiantaria tentar fazer mais nada. Fui para perto de Peter, que estava me observando de longe.

- Estamos quase chegando, loiro – brinquei.

Ele sorriu, mostrando suas borrachinhas azuis.

- E aí, vai cantar para abrir a entrada? – perguntou, bagunçando meus cabelos desarrumados.

Mostrei a língua para ele e respondi, enquanto amarrava o cabelo.

- Acho que sim, sou a única aqui abençoada de Apolo. Não quero que ninguém exploda as pedras que fecham a passagem com sua voz esganiçada – disse em tom de ironia, me referindo à todas as vezes que sua voz falhava e alcançava uma oitava acima do normal.

- Engraçadinha – respondeu-me.

Vi que Charlie estava sozinho conferindo as bagagens, e resolvi fazer companhia a ele. Assim que sentei a seu lado, o ônibus deu uma freada brusca. Tombei sobre Charlie, não conseguindo me equilibrar. Não sei quem ficou mais vermelho, eu ou ele.

- Desculpa – disse eu, timidamente.

Ele assentiu e olhou para fora. Olhei por cima de seu ombro e vi que tínhamos acabado de chegar ao nosso destino. Estávamos em frente ao Central Park, em plena madrugada.

E eu estava prestes a ir para o inferno.