Reticências De Uma Semideusa

Chapolin Colorado


Tritão estava bem atrás de mim, me olhando mau humorado.

– O que foi? – perguntei.

Ele revirou os olhos.

– Nada, semideusa – ele disse “semideusa” com um certo nojo na voz, como se fosse alguma doença. – Estou aqui contra minha vontade para atender ao pedido do meu pai.

– É, fiquei sabendo – devolvi em um tom ríspido. – Mas fui informada de que Delfim viria me buscar, não você.

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– É verdade – Tritão disse. – Mas Delfim teve que cumprir outras ordens e eu tive que ficar com esse trabalhinho.

– Você deve me levar até o Hudson, certo? – perguntei sarcástica.

– Sim – disse-me Tritão. – Mas não me peça mais nada. Vou cumprir o que me foi designado e nada além disso.

– Não é mais do que necessário – respondi.

Ele deu um sorrisinho de escárnio.

– Isso não é tão legal para mim tanto quanto é para você – disse-me.- Então vamos facilitar as coisas ok? Quanto mais rápido acabarmos com isso melhor.

Assenti com a cabeça.

– Vou precisar segurar sua nadadeira?* – perguntei irônica.

– Se você fizer isso serei obrigado a te mandar para a China, garota.

Sorri.

– Isso não seria um problema para uma filha do deus dos mares que tem GPS náutico, certo? - perguntei.

Ele revirou os olhos.

– Certo. Mas eu tenho que levá-la segura até lá então, vamos de uma vez que eu ainda tenho que visitar uma náiade que mora na costa brasileira. – disse-me.

– Hmmmm, e papai sabe disso?

– Sim. E se eu não tivesse contado... bom, ele é um deus, descobriria por si só – respondeu.

No fim das contas eu tive que segurar sua nadadeira. Sua ideia inicial era que fôssemos lado a lado, já que eu podia o acompanhar sem dificuldades, mas como seguimos pelo fundo do oceano, cada coral que passávamos me fascinava e eu parava para ver, enquanto Tritão seguia até o Hudson sem interrupções. Quando eu me via sozinha, eu o chamava e ele tinha que voltar para me buscar. Isso aconteceu cerca de seis vezes, até que ele resolveu segurar minha mão.

Quando chegamos ao Hudson ele parou.

– Pronto, você está no rio Hudson. Subindo essa pequena encosta você estará na cidade. Sua segurança a partir daqui é por sua conta. Boa sorte – disse-me meu meio irmão.

– Obrigada. Viu como não dói ser um pouco gentil de vez em quando? – perguntei.

– Engraçadinha. Vá de uma vez, seu tempo está contado – relembrou-me.

Assenti.

– Obrigada por tudo.

– Por nada Stef - disse-me com educação.

Ele virou as costas e saiu nadando, enquanto eu subia a pequena encosta que me separava da cidade.

Assim que eu pisei na estrada, cambaleei e fui parar no meio da rua. Eu estava um pouco tonta por causa da fome. Sem perceber que estava na estrada, fiquei ali. Até que ouvi uma buzina contínua e um grito.

– CUIDADO GAROTA!

Abri os olhos e virei-me. Um carro vermelho estava vindo em minha direção. Mas a voz não era do motorista, até por que quem dirigia era uma mulher. Era de alguém que passava na calçada.

Levantei-me um pouco zonza e tentei sair da rua, mas tudo o que consegui foi cair de queixo no chão e morder a língua. O carro se aproximava.

– SAIA DAÍ!

A voz gritou comigo de novo. Parecia a voz de Charlie, mas não era ele. Não podia ser. Apoiei uma mão no chão e tentei levantar, mas fraquejei. O carro se aproximava. Do outro lado da rua, carros passavam em fila. Eu seria atropelada de qualquer jeito.

De repente braços fortes me envolveram, passando por trás das minhas costas e dobrando meus joelhos. Fui levantada do chão. Eu não conseguia ver o rosto de quem tinha me salvado, minha visão estava escura. Quem quer que fosse que me carregava deu dois passos em direção à calçada e pulou. Eu esperei a queda, mas não teve queda. Eu estava voando. Arrisquei abrir os olhos. Pontos pretos dançavam em frente ao meu rosto, mas eu estava claramente voando. Olhei para a pessoa que estava me segurando e o ar fugiu de meus pulmões. Um garoto de cabelos loiros curtos e olhos azuis elétricos me analisava com a testa franzida. Ele não era musculoso, mas me segurava com força e não aparentava ter dificuldades quanto a isso. Desviei meu rosto de seu olhar intimidador e olhei para baixo. O sangue fugiu de meu rosto. O garoto me segurava a mais de cinco metros de altura do chão.

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– AAAAAH – manifestei-me.

– Calma! – pediu o garoto. – Já vamos descer.

– Como você consegue fazer isso? – perguntei.

– Isso o que? - rebateu.

– Voar, dã. – respondi.

Ele respirou fundo e me mudou de posição no seu abraço, deixando-me em pé e segurando-me com uma mão só. Usou a mão livre para estalar os dedos bem alto.

– Eu não consigo voar. Nós estamos suspensos por um cabo aqui – ele disse.

Por um segundo eu consegui sentir a corda nos envolvendo pela cintura e o cabo de aço nos sustentando. Então olhei atentamente e me dei conta de que ele havia invocado a Névoa. Ele só podia ser um semideus.

– Ei, invocar a Névoa não é justo! – disse.

Ele estava perplexo.

– O que? Mas como você... – respondeu-me.

Eu sorri.

– Eu sou uma semideusa, garoto. Também sei utilizar a Névoa – disse a ele.

Ele sorriu, mostrando o aparelho com borrachas azuis.

– Aleluia encontrei alguém igual a mim – disse-me. – Vou pousar ali na calçada, podemos conversar?

Devolvi o sorriso.

– Claro.

Ele pousou na calçada e colocou-me sentada no banco da calçada. Tirou de dentro do bolso da jaqueta um pedaço de ambrosia muito pequeno e me ofereceu.

– Mas você vai ficar sem! Isso é perigoso para um... como nós – disse.

– Eu sei, mas você precisa mais do que eu. Eu consigo mais outro dia – assegurou-me.

Eu mastiguei o pedaço de ambrosia e me senti muito melhor.

– Eu quase esqueci de perguntar – disse-me ele. – Qual seu nome, semideusa?

– Stefanie. Sou filha de Poseidon – respondi. – E o seu ?

Ele tirou a jaqueta bege e amarrou na cintura.

– Meu nome é Peter – disse-me, estendendo a mão. – Filho de Zeus.

Eu apertei sua mão em cumprimento, enquanto descia o olhar para analisar sua camiseta. Tinha um desenho amarelo na camiseta vermelha, que seria impossível não reconhecer.

Ele usava uma camiseta do Chapolin Colorado.