Persona

Quarta Memória


Lentamente, a bolha de sabão aumentava. Acompanhando este movimento, os olhos de Leonardo ficavam cada vez maiores diante daquele incrível fenômeno. Com um delicado balançar do canudo, o garoto moreno solta a bolha no ar e a deixa flutuando, desengonçada, sem saber lidar direito como sua própria enormidade. Leonardo se aproxima com cuidado e a envolve com as mãos curvadas em formato de concha, fingindo que era ele quem a suspendia nos ares. Ainda admirado com aquela circunferência vacilante e furta-cor, ele riu.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Abel era uma criança estranha, mas havia coisas que só ele sabia fazer. Uma delas eram aquelas bolhas de sabão enormes. A outra era fazer Leonardo se sentir especial.

Na realidade humilde e comunal de um orfanato católico, não há espaço para preferidos. Todas as crianças tinham as mesmas coisas, comiam a mesma comida, ganhavam as mesmas prendas por bom comportamento e as mesmas punições por má conduta. Em meio a esse antro de infantes sedentos por afeição, Abel era um caso incomum. Tão diferente de todo mundo, tão desapegado das próprias necessidades e tão dedicado ao amigo Leonardo. O jeito zeloso com o qual aquele estranho habitante atendia aos pedidos do amigo_ mesmo os mais tolos como fazer uma bolha de sabão_ fazia o jovem órfão se sentir especial. Esse foi um dos motivos que levou Leonardo a não ter vergonha de dizer para quem quer que fosse que Abel era seu melhor amigo.