(DES)EDUCANDO Uma Princesa

Capítulo 23: GAROTA EM CHAMAS


Bella

Eu sabia que aquele era um sonho, mas eu simplesmente não conseguia acordar.

A cena se desenrolava em volta de corredores que não pareciam ter fim, uma espécie de labirinto subterrâneo mal iluminado cheirando a mofo e esquecimento. O tipo de cenário perfeito para um filme de suspense, só que eu parecia estar vivendo um verdadeiro filme de terror. Um instinto mais forte do que o meu desejo de viver impulsionava-me cada vez mais para frente, virando curva atrás de curva, em busca da saída que a cada vez eu duvidava menos existir. Eu gritava a todo instante por ajuda, chamando papai, Tom, Jake e até os agentes, mas o único som que voltava para mim era o som dos meus sapatos ecoando passos desesperados pelo piso de pedra. O longo vestido preto de tafetá e seda farfalhava à minha volta, como se eu estivesse envolta em uma névoa de trevas.

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– Vamos, acorde Bella! - choraminguei, quando parei ao lado de uma tocha acesa.

Ao final da próxima curva, um clarão ofuscante de luz cegou minha visão, como se um potente holofote tivesse acabado de ser apontado diretamente para o meu rosto. A mudança de cenário veio sem avisar, pegando-me desprevenida. Percebi um instante mais tarde que eu estava diante de um salão perfeitamente redondo, o piso de mármore branco contrastava contra meu vestido negro deixando-me perigosamente exposta. Demorou alguns segundos para meus olhos finalmente registrarem o lugar: era uma versão fantasmagórica e destruída do antigo Salão Real, o mesmo onde eu participei de tantas cerimônias em Bharsóvia. A imagem de uma batalha violenta coloriu minha mente e eu levei minhas mãos à boca para abafar o grito que escapou de meus lábios. Eu conseguia ver homens feridos caídos no chão, o tilintar de espadas colidindo, dezenas de gritos de dor e sangue. Sangue para todos os lados, inclusive sobre o trono de meu pai.

– Por favor, me tire daqui - chorei baixinho, porque aquilo doía demais.

– Receio que você não sairá daqui ilesa, tola Isabella - o tom de deboche deu lugar à risada cruel, trazendo à tona todo o medo que antes estava me cercando.

Virei-me imediatamente para o som, encontrando um General Trenttini em seus melhores trajes de honra acompanhados de um olhar extremamente satisfeito em seus gélidos olhos cor de ônix.

– Deixe-me em paz! - gritei, me afastando vários passos.

– Você não tem para onde correr, princesa estúpida - ele se aproximou mais. - Você deveria estar morta, nós dois sabemos disso. Seu pai era mais burro do que eu imaginava, se ele achou que poderia salvar você de mim. Mas no final das contas, o plano dele foi tão bom quanto sua tentativa de sobreviver ao meu ataque.

– Você está mentindo! - lágrimas queimavam meus olhos.

– Nós dois sabemos que eu nunca fui o tipo de homem que brinca com as coisas, garota - antes que eu percebesse, ele estava me envolvendo em seus braços. Tentei a todo custo me soltar, aplicando tudo o que eu havia aprendido com Emmett, mas não parecia estar funcionando.

– Me larga! Socorro! - berrei, me contorcendo toda em seu aperto de aço.

– Shhh, comporte-se como só uma princesa mimada sabe se comportar - ele sussurrou contra meu ouvido, me apertando mais, enquanto eu ficava cada vez mais enojada. - Agora é hora do grande final. Assista e aproveite, doce Isabella.

Ele estalou os dedos e como mágica, eu estava sozinha mais uma vez no grande salão, só que agora amarrada ao meu antigo trono com centenas de nós. Tentei soltar os braços, as mãos, pernas ou o que quer que fosse, mas tudo que eu conseguia era aumentar os vergões do contato entre minha pele e a corda grossa. Um tic tac baixinho distraiu minha atenção momentaneamente e, ao olhar para o chão à minha frente, o pouco de ar que ainda me restava abandonou meu corpo.

Uma bomba estava armada diante de mim, pronta pra detonar em trinta segundos.

– Do pó vieste e ao pó retornarás - citou o General ao pé do meu ouvido, sorrindo diabolicamente enquanto eu me contorcia cheia de nojo para longe dele. - Que tal esta forma de morrer, hein? Posso te garantir que a sua morte será mais memorável que a do miserável homem que te colocou nesse mundo, cara Princesa Isabella. Mande um olá para sua mãe, aquela mulher adorável.

– Vá para o Inferno, Trenttini! - cuspi, lágrimas de ódio nos meus olhos.

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Ele agarrou meu queixo com força, forcando-me a olhar em sua direção.

– Creio que você esteja a caminho dele antes de mim - ele sorriu largamente, plantando um beijo estalado em minha testa antes de se afastar e trancar a mim com aquela coisa no salão.

Quinze segundos.

– Isso é só um sonho, você vai acordar agora - fechei os olhos com força e comecei a repetir esse mantra, ouvindo o tic tac de fundo soando escandalosamente.

Pareceu passar uma eternidade e centenas de imagens vieram à minha cabeça, tanto coisas recentes como memórias da minha infância. Era tudo um caos em forma de borrões. Eu deveria estar acordando logo. Abri um dos olhos e espiei.

Cinco segundos. Não, eu ainda continuava vivendo aquele pesadelo.

O aperto em volta do meu corpo estava me sufocando e o medo misturou-se à dor e as minhas lágrimas, raiva, desespero e aceitação invadindo-me ao mesmo tempo em proporções catastróficas. Meus olhos não conseguiam desviar dos números que indicavam o fim da minha vida.

Três. Dois segundos.

Isso não pode terminar assim– murmurei, vendo o indicador chegar a um.

– Acorde, Bella! - a voz agitada e urgente arrancou-me do desfecho do pesadelo, enquanto meu corpo começava a despertar primeiro que eu. Algo estava me prendendo e eu não conseguia me soltar. Aquelas malditas cordas!

– Socorro! - berrei, me debatendo contra o que me prendia. - Me solta! Socorro!

– Ai, cacete! - alguém gemeu. - Ei, pare com isso! Sou eu, o Edward, Bella!

Meus olhos finalmente se abriram e eu não enxerguei nada a princípio, porque minha visão estava enturvecida por minhas lágrimas. Eu estava chorando de verdade. Uma cabeça destacou-se contra o teto escuro, e fios cor de bronze incandesciam contra a noite. Olhos verdes agitados me olhavam com cuidado.

Edward.

– Ei, está tudo bem agora - ele falou devagar, como se eu fosse algo extremamente frágil que pudesse quebrar a qualquer segundo. - Já acabou.

Eu ainda estava chorando e assustada, por isso não titubeei ao passar meus braços em volta dele. Ele me abraçou de volta e me deixou ali, chorando tudo o que eu precisava. Senti algo quente esfregando-se contra as minhas costas, acompanhado de um miado baixinho e o carinho familiar de Preciosa me acalmou um pouco mais. Um copo de água apareceu na minha linha de visão alguns minutos depois, segurado por um Emmett ainda bastante sonolento.

– Obrigada - agradeci, me desvencilhando de Edward para pegá-lo.

– O que foi tudo aquilo? - ele perguntou, bocejando. - Eu tinha acabado de levantar para assaltar a geladeira quando eu ouvi alguém gritando, como se estivesse sendo queimado vivo. Que pulmões você tem, garota.

– Desculpe - murmurei mortificada, olhando para o outro lado.

– Você deveria ter visto os tapas que ela me deu, antes de acordar, quando eu tentei segurá-la - comentou Edward, olhando dele para mim. - As aulas de defesa pessoal estão fazendo efeito, eu diria. Eu poderia ter perdido um olho.

Hum... Então não eram cordas que me prendiam, mas sim ele.

– Você vai nos contar sobre o seu pesadelo, ou vamos começar um jogo de advinhação? - insistiu Emmett, sentando ao lado dos meus pés na cama, como um garotinho esperando a hora da história.

– Emmett - Edward revirou os olhos. - Você não precisa contar, se você não quiser.

Respirei fundo e contei até cinco. Era melhor falar de uma vez.

– Eu estava no meu castelo, no Salão Real. Ele estava totalmente revirado e destruído, como se uma guerra tivesse sido travada ali. Eu estava apavorada, porque antes eu estava correndo por uma espécie de labirinto subterrâneo horrível. Então o General Trenttini apareceu e disse que eu era uma princesa estúpida e... que meu pai estava morto.

Eles me observaram em silêncio.

– Ele me agarrou e disse coisas horríveis... - eu estremeci, como se ele ainda estivesse ali próximo como uma sombra. - E num piscar de olhos eu estava toda amarrada ao meu trono e havia uma bomba armada diante de mim. Eu ia morrer em menos de trinta segundos e não pude fazer nada além de gritar e chorar.

– Bom, isso explica os gritos e o choro - Emmett foi o primeiro a falar, depois de alguns minutos de silêncio constrangedor.

– Você ficou realmente impressionada com tudo o que aconteceu hoje - falou Edward, que até aquele instante não tinha afrouxado o olhar sobre mim. Ele trocou um rápido olhar com Emmett, que franziu o cenho para ele.

– Acho que sim - falei, querendo sumir e poder apagar tudo aquilo. Peguei Preciosa no colo e comecei a acariciar seu pêlo, o que sempre me acalmava. - Desculpem por ter acordado vocês. Eu não sei o que dizer.

– Não diga nada. Apenas durma, está tudo bem - Edward garantiu, pegando meu copo de água e devolvendo-o a Emmett, que praticamente foi expulso do quarto depois disso. Mal tive tempo de dizer um boa noite. - Foi só um pesadelo, Bella. Você está a salvo aqui conosco. Eu não vou deixar ninguém machucar você.

– Promete? - perguntei, olhando por um longo tempo dentro de seus olhos.

Ele respirou fundo e levantou o edredom ao meu lado, sentando-se na cama ao meu lado e puxando-me para seus braços. Um beijo suave tocou o topo da minha cabeça.

– Eu tomaria um tiro em cada músculo do meu corpo por você. Seguraria uma granada em cada mão. Atravessaria o Pacífico com uma âncora amarrada ao pescoço. Enfrentaria um furacão transcontinental ou um vulcão em erupção... Droga, eu iria até o inferno só para proteger você. Nunca duvide disso.

Eu fiquei digerindo cada palavra do que ele acabava de me dizer, enquanto me deixava ser abraçada e sentia seu cheiro por todo o lado. Parecia certo para mim.

[...]

Na manhã seguinte eu acordei melhor, sem vestígios do pesadelo horrível que me assombrara no meio da madrugada. Quer dizer, nada além de olhos inchados e um cabelo que tinha vontade própria naquela manhã. Procurei por qualquer vestígio de Edward ou Preciosa, porém eu estava sozinha no quarto. Levantei da cama e fui até o banheiro da suíte, jogando água no meu rosto e desejando ter um corretivo ao meu alcance. Tentei passar os dedos pelo cabelo, mas ele não cooperou e eu acabei enrolei-o em um coque desarrumado.

Murmúrios chamaram minha atenção, então presumi que todos deveriam estar acordados na cozinha tomando o café da manhã. Abri a porta do quarto e caminhei descalça pelo pequeno corredor, sorrindo ao ver Preciosa enrolada como uma pequena bolinha branca de pêlos perto da cozinha.

– Aí está você, minha linda - murmurei baixinho, abrindo o maior sorriso para ela.

– Você sabe de quem é a culpa disso tudo - a voz acusatória de Emmett soou.

– Fale baixo, você pode acordá-la - repreendeu Edward. - Ela precisa descansar.

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Parei de andar no mesmo instante. Eles estavam falando sobre mim?

– Ah, agora ela precisa descansar? - Emm continuou, mais baixo dessa vez, mas ainda parecia bastante indignado. - Você tocou o inferno na vida da garota pelas últimas semanas com esse seu plano idiota e agora que ela está assustada de verdade, você quer tirar o seu da reta e continuar com tudo?

Minha atenção foi redobrada. Plano?

– Eu não estou tirando nada! Olha a merda que você está falando! - rugiu Edward, alterando sua voz, e eu ouvi um barulho de um soco contra a mesa.

Ele voltou a baixar a voz, de modo que eu precisei chegar mais perto para poder ouvir. Preciosa percebeu minha presença e parecia a ponto de saltar em minha direção, mas eu a repreendi no mesmo instante para que ficasse lá quieta.

– Você acha que eu planejei assustá-la dessa forma, para depois aproveitar-me da sua fragilidade? Acha que eu seria capaz de traumatizar a Princesa de propósito? Como eu ia saber que ela ficaria tão impressionada com o que aconteceu lá no restaurante? Que tipo de porra você está querendo dizer, McCarthy?

– Eu não preciso dizer nada Cullen, suas próprias ações justificam tudo. Olha o que aconteceu com ela na noite passada, a garota parecia mais apavorada que um peru sendo caçado à tiros em dia de Ação de Graças!

– Ações?! Mas eu não fiz nada, cacete!

– Ainda não fez! - rebateu Emmett, se alterando dessa vez. - Eu te disse desde o começo que essa história toda ia dar merda, mas advinha só o que você fez? Me ouviu? Não. Simplesmente está jogando toda a merda no ventilador.

– Eu sei o que eu estou fazendo e aonde estou me metendo.

– Sabe porra nenhuma! Você está se achando o maioral com essa história de proteger a garota como namorado dela de mentira, tudo quando na verdade você se preocupa mais com o seu trabalho do que com os sentimentos da pobre coitada! Você é um ótimo agente secreto, mas consegue ser melhor como homem imbecil!

– O quê?! - sussurrei, sufocada com a nova onda de informações.

Meu cerébro não registrava o que meus ouvidos tinham acabado de ouvir.

– Eu deveria te mostrar quem é o imbecil - eu ouvi cadeiras sendo arrastadas para trás. Pronto, agora eles estavam prontos para a briga.

– Eu é quem deveria te mostrar quem é o imbecil - rebateu Emmett, aprofundando a discussão aos sussurros deles. - Eu deveria ir naquele quarto agora mesmo, acordar a Bella e dizer que você só está fazendo todo esse papel de Cavalheiro de Armadura Brilhante para separá-la do Black e manter os olhos na garota todo o tempo. E de brinde você ainda está fazendo-a se apaixonar por um cara que não consegue pensar numa garota como mulher, mas como outra missão de trabalho.

– Você já foi longe demais, Emmett McCarthy.

Sim, você tem razão Agente Cullen. Os dois foram longe demais.

Era hora de acabar com tudo aquilo. Respirei fundo para empurrar de volta tudo o que estava a ponto de transbordar, afinal eu não ia dar esse gosto a eles e chorar como uma criança fraca diante deles. Eu não era aquela pobre coitada que eles achavam. Resgatei minha máscara sem expressão - minha melhor arma adquirida ao longo de todos esses anos - e voltei até o quarto, batendo a porta baixinho como se estivesse acabando de acordar antes de entrar no campo de visão deles.

– Bom dia, agentes - falei, ignorando aos dois homens a ponto de se pegarem e indo até a minha gata. - Como você está, minha garota? Acho que é hora de irmos para casa.

– O quê? - os dois explodiram sua bolha de testosterona, olhando-me chocados.

– O quê o que? - levantei, olhando para ambos com meu melhor olhar de superioridade. - Eu não moro com vocês, certo? Eu não tenho porque ficar aqui.

– Bella... - o Agente Cullen deu um passo na minha direção. - Você tem certeza?

– Você ouviu alguma coisa? - Emmett foi direto ao ponto, fuzilando o parceiro com o olhar antes me me encarar.

– Eu deveria ter ouvido alguma coisa? - me fiz de desentendida.

– Não - o agente prontamente respondeu.

– Vocês estão me escondendo algo? - apertei meus olhos para eles.

Emmett desviou o olhar. Eu sabia que ele não gostava da ideia de mentir para mim, mas ainda sim ele o fez por muito tempo. E eu não estava disposta a aceitar isso.

– Nós não fazemos nada que possa colocá-la em risco - desviu o Agente Cullen.

– Bom, porque eu não admitiria tal comportamento - falei, séria. Voltei-me para Preciosa, cheia de atenção. - Eu acabei de acordar e vim procurar pela minha gata, que me abandonou nesta manhã. Eu senti sua falta, minha linda.

Cocei as orelhas de Preciosa, que ronronou em resposta. Minha única aliada.

– Bem, então eu estou indo - falei, virando-me para a porta. Precisava sair logo dali.

– Você não vai nem tomar o café? - insistiu Emmett.

Contei mentalmente até cinco e contive a vontade de explodir diante deles.

– Não estou com fome. Obrigada - caminhei até a porta.

– Espera, Bella - a mão daquele que eu não queria ver tão cedo tocou a minha, impedindo-me de seguir meu caminho. Ele tocou meu braço levemente e me virou, e por pouco eu não me encolhi ao seu toque. Seus olhos perseguiam os meus, buscando aquilo que eu não queria que ele visse. - Você parece diferente.

– Eu estou diferente desde que deixei Bharsóvia.

– Não, eu quis dizer diferente de outro jeito... Está tudo bem mesmo?

– O que você acha? - soltei, antes que pudesse segurar a língua.

Ele arregalou os olhos por um ínfimo segundo, chocado com a minha resposta.

– Eu sinto muito pelo que aconteceu ontem, aquilo me deixou preocupado - seus olhos pareciam sinceros e até mesmo preocupados, mas eu não conseguia mais acreditar nele. Eu não cairia em seu jogo novamente. - Eu faria qualquer coisa para tirar esse medo de você, para que você não tivesse mais pesadelos e para que você pudesse finalmente ser feliz. Qualquer coisa.

– Inclusive me levar para casa? - eu o desafiei, erguendo a minha sobrancelha. - Se eu te pedisse para me levar para Bharsóvia agora, mesmo que fosse para eu me esconder em uma caverna com os rebeldes, você me levaria?

Ele não ponderou nem por um segundo.

– Eu não faria isso. Bharsóvia não é um lugar seguro para você agora.

– Então você não faria qualquer coisa para me ver feliz. Não faça promessas que você não pode cumprir, Agente Cullen. Agora me deixe ir.

– As coisas não são assim - ele insistiu, aproximando-se mais.

O mundo não é uma fábrica de realização de desejos – citei. - Eu quero ir para casa... estou com dor de cabeça.

Ele tirou a mão da minha e abriu a porta, me dando passagem e passando depois de mim. Ele tocou a campainha de Alice algumas vezes, até que ela apareceu com uma cara nada satisfeita.

– Ora, ora... o bom filho à casa torna - comentou Alice, toda sarcástica.

Eu mantive meu olhar em Preciosa, ele a ignorou.

– Avise se você precisar de algo, Bella. Qualquer coisa. Nós estamos bem aqui.

Eu só quero ficar sozinha, por favor.

Assenti e passei por eles, não virando para um último olhar. Houve uma breve discussão entre os Cullen e, assim que eu coloquei os pés no meu quarto, eu ouvi a porta da frente bater. O segundo round estava a caminho.

– Cansou de bancar a rebelde e não aguentou morar com os bárbaros?

– Alice, por favor, agora não.

Ela nem parou para respirar.

– Ah, qual é garota! O que eles fizeram para você? - ela parou na minha frente e colocou as mãos na cintura. - Alguém te bateu? Te amordaçaram ou algo assim? Ou pior no seu caso, eles ficaram pelados na sua frente?

– Eu gostaria de ficar sozinha - passei por ela e coloquei Preciosa na cama. - Você poderia me conceder este presente?

– Não enquanto você não me disser porque está toda fria desse jeito.

– Eu não estou toda fria.

– Eu conheço uma máscara de indiferença há quilômetros de distância - ela revirou os olhos. - Você pode ser uma Princesa, e sua expressão é uma das melhores que eu já vi, mas eu sou expert nessa área, honey. Então trate de desembuchar logo.

– Você não vai me deixar em paz enquanto eu não te falar?

– Com certeza não.

– E depois você vai me repreender, com aquela coisa de "eu estava certa!" e "você deveria ter me ouvido!" e coisas assim?

– Pode ter certeza que sim. Estamos aqui para isso.

Respirei fundo, ponderando se eu deveria dar o braço a torcer ou não.

– Que seja. Eu ontem à noite tive um pesadelo horrível, coisas sobre o meu pai, o homem que está nos perseguindo e sonhei que estava sendo morta por uma bomba. Acordei aos gritos, toda apavorada.

– Espera, aquilo ontem foi você? - ela caiu contra a cama, fazendo Preciosa chiar.

– Você também me ouviu? Agora eu estou oficialmente constrangida. Eu deveria pedir ao FBI para me mudar para o mais distante possível.

– Acho que toda Nova York ouviu você noite passada. Eu pensei que fosse alguma louca berrando no meio da madrugada na rua, tipo estupro ou algo assim.

– Credo, Alice.

– Foco, princesa. Há uma bronca minha esperando para ser entregue a você.

– Então... Hoje de manhã quando eu acordei, eu ouvi barulhos na cozinha e resolvi ir até lá, até porque Preciosa não estava comigo e eu poderia aproveitar para tomar o café da manhã com eles. Mas daí eu ouvi coisas que eu não deveria ouvir.

– Uh, onde estão os seus Modos Reais? Não há nada um parágrafo escrito no seu Manual de Princesas que ouvir conversas atrás da porta é falta de educação?

Ela estava debochando de mim, e eu nem havia chegado na parte principal.

– Você vai continuar me interrompendo para rir de mim, ou posso continuar?

– Desculpa - ela levantou as mãos, seu rosto nenhum pouco inocente.

– Enfim... o Emmett estava repreendendo seu irmão por ele ser um babaca, por ele querer seguir adiante com um plano para me conquistar e por algum motivo eu estava nessa situação de nervos graças a ele.

– EU SABIA! - berrou Alice, totalmente extasiada e nenhum pouco solidária. - Eu te disse isso ontem! Mas não, vamos ser rebelde e querer discutir com quem sempre tem a razão... Você deveria ter me ouvido, garota, deveria ter ouvido a sábia Alice! Eu sempre soube que o Edward nunca foi boa coisa, eu o conheço melhor do que qualquer um e desde que eu saí da barriga da mamãe. O histórico dele de partir corações é mais longo que a linha da evolução humana. Você se deixou enganar por aqueles cabelos cor de bronze, ou os olhos verdes, mas a verdade é que ele é a verdadeira encarnação do mal em um biotipo perfeito da Armani!

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– Eu agora já sei de tudo isso - suspirei, cansada da companhia dela. - Você estava certa e eu era a errada. Contente agora? Posso ficar sozinha?

– Sim, eu sempre gosto de ser reconhecida. Mas não, eu não vou deixar você se afundar em um poço de depressão ouvindo músicas de fossa e se atolando em potes de Häagen Dazs... Não que eu goste de você, sinta pena ou porque nós somos amigas - nada disso. Você apenas não vai ficar aí, chorando por quem não merece uma lágrima sua. De jeito nenhum.

– Mas eu quero ficar sozinha. Qual o seu problema?

– Qual o seu problema? - repetiu ela, ficando de pé e me apontando um dedo.

– O meu problema? Você não vai querer ouvir. E tire esse dedo do meu rosto.

– Ótimo, é isso que eu quero - ela sorriu, se aproximando mais. - Quero que você extravase tudo o que está aí dentro, ponha tudo pra fora garota! Você é uma garota forte, e o Edward é um bundão filho de uma... - ela se corrigiu a tempo. - Ele é filho de uma rapariga que foi achado na lixeira pela minha mãe maravilhosa.

– Você não está falando coisa com coisa - eu disse a ela.

– E quem liga?! - ela abriu os braços, totalmente maluca. E eu achei que eu precisava de terapia.– Agora me diz, o que você quer fazer agora? O que te deixaria realmente satisfeita?

– Quebrar algumas coisas - eu disse, depois de pensar um pouco.

– Bem, eu não vou abrir mão de nenhum objeto de decoração caríssimo para você espatifar contra as minhas paredes texturizadas. Desista dessa, criança.

– Já sei então o que eu vou fazer.

Corri até o closet e peguei uma legging e uma blusa mais larguinha, calcei meus tênis de corrida e prendi meu cabelo em um rabo de cavalo às pressas. Procurei até achar o objeto que eu queria e quando Alice viu, ela riu.

– Você vai lutar?

Ela indicou minhas luvas femininas cor de rosa da Everlast, que Emmett havia comprado quando começamos a treinar alguns socos. Não eram daquelas grandes de boxe profissionais, mas elas não machucavam minhas mãos quando eu dava socos. Pareciam legais e delicadas antes, mas agora eu me sentia uma menininha brincando de querer ser menino.

– Já que eu não posso quebrar nada, eu vou descontar em outra coisa.

Peguei Preciosa e desci para a academia do condomínio, acompanhada por uma Alice que tirava sarro de mim a cada passo que eu dava. Por algum milagre divino, eu consegui ignorá-la a ponto de mal notar sua presença à minha volta.

O lugar estava vazio quando chegamos, fato que eu agradeci mentalmente em silêncio, e eu fui para o fundo onde ficava o saco de boxe e o boneco que nós usávamos para praticar - Bob, o Agressor Tarado (batizado graças à criatividade do Agente McCarthy). Localizei o rádio fui até ele, colocando o volume no máximo na primeira estação de rádio que eu encontrei.

I can't make my own decisions

Or make any with precision

Well, maybe you should tie me up

So I don't go where you don't want me

A música encheu o lugar enquanto eu começava com o saco de areia, pontuando pequenos golpes para me aquecer. Eu estava ali para descarregar tudo o que eu passei as últimas horas represando, então era o que eu faria.

You say that I've been changing

That I'm not just simply aging

Yeah, how could that be logical?

Just keep on cramming ideas down my throat

Então, eu era a garota tola que estava sendo enganada por dois homens. Eles poderiam ser os dois melhores agentes do FBI e por isso a minha vida lhes foi confiada, eram os dois homens que eu aprendi a gostar e confiar ao longo do tempo. Eles eram o que eu tinha de mais próximo de uma família aqui.

Bem, mas esses mesmos caras estavam me enganando sem escrúpulos. Um até poderia ser contra o plano - plano que até agora eu desconhecia, mas poderia conjecturar um possível desfecho - porém ele não estava fazendo nada para interrompê-lo. Afinal de contas, Emmett falar que Edward estava errado não era o mesmo que Emmett impedir o Edward de continuar fazendo o errado ou Emmett me contar a verdade apesar de tudo. Emmett ainda era culpado - foi a culpa que não o deixou me responder aquela hora, a culpa não o deixou negar no meu rosto que ele não estava me escondendo nada quando na verdade estava. Poderia estar arrependido ou não, mas ainda sim, ele estava me enganando!

Mas Emmett McCarthy não era o grande vilão da história.

If God's the game that you're playing

Well, we must get more acquainted

Because it has to be so lonely

To be the only one who's holy

Alguém estava se passando por santo. O Agente Edward Cullen era o pior.

Ele começou devagar, com olhares, pequenos toques, gentilezas, sorrisos, cookies e todo o tipo de artifício para conquistar uma garota como eu. Tudo friamente calculado. Até que ponto tudo aquilo era real? Até que ponto ele me deixaria chegar, se eu realmente me entregasse a ele desde o primeiro instante? Eu acreditei nele, mais de uma vez. Eu quase troquei Jacob por alguém como ele.

It's just my humble opinion

But it's one that I believe in

You don't deserve a point of view

If the only thing you see is you

Não, ele não merecia um ponto de vista ou o benefício da dúvida. Não ele, alguém que só enxerga a si próprio e tudo o que ele faz é planejado de acordo com seus interesses ou chances de afetar o seu trabalho. Trabalho - era isso o que eu representava para ele? Deixei de ser uma pessoa, para me tornar uma peça de xadrez que você movimenta pelo tabuleiro de acordo com seus interesses?

– Você não pode brincar de ser Deus - falei baixinho, quando eu já havia acelerado meus movimentos e o saco agora balançava cada vez mais. Meus músculos começavam a protestar com a intensidade, mas eu não ia parar.

"Eu tomaria um tiro em cada músculo do meu corpo por você. Seguraria uma granada em cada mão. Atravessaria o Pacífico com uma âncora amarrada ao pescoço. Enfrentaria um furacão transcontinental ou um vulcão em erupção... Droga, eu iria até o inferno só para proteger você. Nunca duvide disso."

Palavras que soaram perfeitas. Ontem.

Palavras que saíram de uma boca perfeita - uma boca que tirava o meu fôlego, que havia reinvidicado a minha diversas vezes e que sabia exatamente como trabalhar - e que fizeram meu coração bater mais forte, mas que era tão vazias quanto uma folha de papel em branco. Palavras que carregavam o som, mas não o sentimento.

Como ele conseguia dormir a noite, em paz consigo mesmo, fazendo esse tipo de coisa com uma pessoa? Será que era bipolaridade, por isso ele não demonstrava remorso? Ou então ele era um ator digno de Oscar, porque eu não duvido que ele seria capaz de convencer um júri inteiro que Hitler não era tão mal assim.

Eu queria gritar na cara dele, dizer que eu sabia de tudo, que ele era o maior idiota de todos os tempos e que eu estava voltando para Bharsóvia esta noite.

Mas o pior de tudo é que ele não era o maior idiota de todos os tempos.

I know you won't believe me

But the way I, way I see it

Next time you point a finger

I might have to bend it back

Then break it, break it off

Next time you point a finger

I'll point you to the mirror

Toda a raiva que eu sentia era de mim mesma, raiva que eu vinha escondendo e alimentando desde que eu saí de Bharsóvia. Fiquei furiosa por ter que deixar papai e Tom para trás, em meio à guerra. Fiquei furiosa por chegar em um país novo, ser obrigada a seguir regras e esconder segredos. Fiquei furiosa por ter que morar com uma garota que hora gosta de mim, hora grita comigo e me manda sair de casa. Fiquei furiosa por ter conhecido um homem bom, aceitar ser sua namorada e esconder quem eu realmente sou dele. Fiquei furiosa pela quantidade de homens ciumentos ao meu redor. Fiquei furiosa por ter beijado Edward pela primeira vez, por ter permitido que ele me apresentasse aos seus pais, por ter deixado ele me consolar e principalmente por ter acreditado em cada maldita palavra vinda dele.

Eu estava cansada de ser a garota passiva que aceita tudo com um Sim Senhor.

– AAAAARGH! Chega! - berrei quando dei um último chute no saco e o assisti cair com um baque surdo contra o chão, voando areia por todos os lados.

Eu estranhei o silêncio repentino ao meu redor - as únicas coisas que eu ouvia eram os meus batimentos cardíacos frenéticos e minha respiração ofegante. O rádio havia sido desligado, mas eu não tinha parado. Olhei para trás e dei de cara com uma Alice Cullen de olhos extremamente arregalados, parecendo pequena e assustada como eu nunca a vira antes. Ela estava de boca aberta, sem palavras.

Alice Cullen estava muda?!

MeuDeusdoCéuBella!– ela arfou, de uma única vez, descongelando depois de piscar várias vezes. - Como é que você fez isso?

Dei de ombros, acariciando Preciosa que se enroscava em minhas pernas agora.

– O que o Emmett tem feito contigo?! Você tem noção do quanto pesa essa coisa que você acabou de botar a baixo? - insistiu ela, ainda mantendo distância de mim.

Um sorriso presunçoso apareceu em meu rosto. Ele havia me falado uma vez.

– Cinquenta quilos.

– Bem, isso é quase o meu peso! Você acaba de me derrubar junto com esse saco, o que é bizarro porque você também deve pesar uns cinquenta quilos. De onde veio essa força e essa raiva toda?

– Provavelmente foi um surto de adrenalina. Pode pesquisar no google.

– Eu juro que eu achei que você fosse explodir suas roupas a qualquer momento e se transformar no Hulk, toda verde e cheia de "raawn" e grunhidos assim.

– Eu não sou um monstro, Alice - revirei os olhos.

– Você tem razão. Você é uma Princesa Mutante!

Revirei os olhos mais uma vez.

– Lembre-me de nunca irritar você.

– Anotado. Você chega muito perto de fazer isso às vezes.

– Anotado. Você deveria ter uma luz piscante de aviso, daí eu poderia parar antes que você me partisse em quilates... Sente-se melhor agora?

Respirei fundo e estiquei o meu corpo todo, feliz por não sentir mais nada - além de que eu estava suada, nojenta e precisando de um banho.

– Revigorada. Você deveria experimentar um dia.

– Não, obrigada - ela riu. - Quem diria que aquela garota bocó que chegou aqui na minha casa, vestida como uma debutante, conseguiria detonar um saco de boxe?

– Ninguém acreditaria, mesmo se você filmasse.

– Ótimo - ela sorriu largamente, e eu pude ouvir as engrenagens do seu cérebro trabalhando loucamente. - Agora que você já experimentou o seu Método Anti-Fossa, vamos experimentar o meu.

Eu dei um passo para trás quando ela saltou até mim.

– Garota, cadê a sua coragem? - ela zombou, quando viu meu olhar desconfiado.

– Eu não gosto quando você planeja algo que me envolva. Geralmente é algo grande, constrangedor e eu acabo usando tecido de menos.

– Awn, você já me conhece! - ela fez menção de me abraçar, mas parou a tempo. - Eu não vou te abraçar toda suada desse jeito, eca! Sinta-se abraçada. Agora... vamos nos divertir!

– Como? - peguei Preciosa no colo e segui Alice de volta para casa.

– O Método Alice Cullen Anti-Fossa consiste em nada mais do que sair para comemorar, em grande estilo, ocasiões como essa.

– Que tipo de ocasião? - perguntei, quando chegamos ao apartamento.

– Estamos comemorando seu nascimento. Ou renascimento, melhor dizendo. Hoje você oficialmente se tornou uma bela borboleta, ou no seu caso minha Garota em Chamas, uma poderosa fênix. Vamos comemorar seu aniversário! Nada como caras bonitos, música alta e álcool! - ela deu pulinhos, toda entusiasmada.

Olhei para ela por um longo tempo, sem dizer nada.

– Você só pode estar maluca.

– Não! Você realmente precisa me....

– Mas eu topo - eu a interrompi, sorrindo para ela. - Vou tomar um banho.

Eu estava farta de ser a garota certinha que é uma marionete na mão de todos. Estava mais do que na hora de cortar minhas cordas e caminhar com meus próprios pés - e cometer alguns erros que ninguém pudesse esperar.