O ambiente era pouco iluminado e estava impregnado com um cheiro doce que seria gostoso de sentir se não estivesse tão exagerado como se encontrava. A cabeça doía e apenas conseguiu descobrir que estava em uma cadeira. As mãos estavam amarradas para trás, e as pernas mantinham-se livres, embora se estivessem amarradas não mudaria em nada sua situação. No fim, ele estava de refém, preso em algum lugar e com uma dor de cabeça enorme.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Eu disse que você deveria ter batido mais fraco — uma voz feminina ecoou pelo local. Ryan piscou várias vezes até conseguir enxergar nitidamente a dona da voz. Era a mesma garota que falara com ele no aeroporto. — Vejam só quem acordou.

— Finalmente — um homem remexeu-se mais ao canto, sentado no que parecia ser um sofá e com um pequeno caderno nas coxas. Tudo o que Ryan conseguiu ver eram os olhos de safira do homem, basicamente iguais ao da garota.

— Então, você é amigo da dhampir Amattris, não é? — a garota voltou a falar e a atrair a atenção de Ryan. Ele não sabia do que ela estava falando, mas conseguiu entender o que parecia ser um sotaque francês. — Não é?

— Não faço ideia do que está falando — Ryan decidiu responder. Era a verdade, mas duvidava que ela acreditasse.

— Sim, você sabe — ela sussurrou no ouvido de Ryan, apoiando um dos braços no ombro dele. — Ryan, não é? Entregue o jogo humano, nós sabemos que você conhece, só precisamos saber se você nos ajudará ou não.

Ryan respirou fundo. O “humano” na frase o deixara incomodado, como se a maneira com a qual fosse pronunciado indicasse o seu grau de inferioridade, mas o que ele realmente desejava saber era do que se tratava tudo aquilo. Olhou ao redor, e, agora com a visão mais adaptada à luz ambiente, conseguiu visualizar mais corretamente o local. Parecia ser uma sala de estar, com apenas dois sofás e a cadeira em que estava sentado. Além de Ryan, do homem sentado no sofá e da garota do aeroporto, havia duas mulheres mais ao fundo, totalmente ocultas pela luz, e, embora Ryan não conseguisse virar a cabeça para olhar e confirmar a presença delas ali, estava convicto que aquele cheiro doce e nauseante vinha delas.

— Posso esperar a noite inteira se for preciso, mas a minha paciência deve se esgotar em alguns minutos — o homem no sofá tornou a falar. Ryan enxergava agora os cabelos castanhos do homem, que iam até o queixo forte logo abaixo de uma boca fina.

— Eu já disse que não sei do que vocês estão falando — Ryan evitou revirar os olhos, sabe-se lá o que aconteceria se o fizesse.

— E nós já dissemos que você sabe — a garota puxou o cabelo de Ryan, fazendo com que sua cabeça fosse para trás e sua testa se franzisse. Doera. — Os Amattris são bons com segredos... Bem, com alguns pelo menos.

Amattris... Amattris... Já vira o nome em algum lugar, só não lembrava onde exatamente. Sabia que havia sido na internet. Vamos Ryan, pense.

— Sierra, acho que nosso convidado precisa de algum estímulo — o homem sorriu, com as sombras do local tornando o gesto em algo até que assustador. — Sinta-se a vontade minha querida. Fico responsável pela minha própria diversão.

A garota, Sierra, deu uma risada baixa e saiu de trás de Ryan. Ela caminhou até a frente dele e, com os lábios carnudos curvados em um sorriso de escárnio, sentou-se em seu colo enquanto uma das mulheres saía da escuridão e ia até o homem no sofá. Sierra separou as pernas e as colocou uma de cada lado da cintura de Ryan e levou as mãos até o rosto dele, passando os dedos finos pelo queixo enfeitado por uma barba rala e castanha.

— Deve doer um pouquinho — Sierra riu novamente e levou sua cabeça para trás. Inacreditavelmente, Ryan viu a garota mudar bem a sua frente. Em sua boca, os caninos haviam crescido até saltar para fora, eram incrivelmente brancos e afiados, mais acima, em seus olhos, a pupila dilatara-se a tal ponto que havia tomado o lugar da íris e todo o globo ocular, parecendo como os olhos dos demônios que se via nos filmes.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Não queria acreditar, mas fora obrigado a fazê-lo quando sentiu a dor lancinante em seu pescoço e ouvi-se gritar.




O Outono era, de fato, a minha estação favorita. De certa forma, era porque a estação lembrava a minha própria condição. Eu estava ali, parada, sendo eterna e vivendo entre dois mundos sem pertencer definitivamente a qualquer um deles. O outono não era nem frio e nem quente, ficava no meio do verão e do inverno, sem decair para um dos lados. Embora, talvez, não seja sadio ficar me comparando com uma estação, afinal o outono e sua condição de dois ‘mundos’ com folhas caídas era dono de uma beleza sem igual. E não há beleza no meu mundo. No caso, em qualquer um dos dois.



E era isso que estava acontecendo no exato momento. Dentro do castelo, os Mottris corriam de um lado para o outro, procurando telefones e antigos amigos, fazendo pesquisas online e preparando as malas para fugir. Certo, fugir é uma palavra muito forte, digamos apenas que estão adiando o confronto.


Havia pedido a Eliah que fosse para minha casa em Alberta, mas mesmo depois de uma rápida discussão, ele havia recusado o convite. Bem, pelo menos eu não teria Innya em minha casa. Que bom. Passei, então, o convite à Bonnie e Matthew que, felizmente, aceitaram. Deviam estar arrumando as passagens de avião agora. Até mesmo Kyara tentava contatos para Carlo e os outros, enquanto Dannika ficava sentada encarando as unhas e reclamando da correria e alvoroço. Estou começando a entender Karissa por evitar muitos contatos com Dannika.

No tempo em que o interior do castelo encontrava-se movimentado e agitado, o lado de fora era bastante calmo, com as folhas caídas e alaranjadas movimentando-se com o vento e a lua no céu noturno quase sem nuvens. Era ali que eu estava, observando tudo na quietude e esperando alguma deixa para tentar ajudar. Deveriam faltar umas três horas para amanhecer e os degraus da entrada do castelo não eram exatamente confortáveis para observar a paisagem.

— Não dá para ver o amanhecer daqui.

Levantei em um salto e quase gritei com o susto. Virei apenas para encontrar Riese rindo.

— Não chegue assim ou vai acabar matando alguém do coração — suspirei. — Ou acabar se matando.

— Está bem, sinto muito — ela sorriu e sentou-se em um dos degraus, batendo no chão ao seu lado indicando que eu deveria sentar-me ali. Com um suspiro, fiz o que ela indicava e esperei até que ela perguntasse o que queria, já que seus olhos azuis brilhavam com uma curiosidade nata. — Você tem mesmo seiscentos anos? De verdade?

— Tenho — ri. — De verdade.

— Eu também terei seiscentos anos?

— Felizmente, não — eu observei os ombros de Riese abaixarem com a decepção. — Acredite, não é tão legal quanto parece viver para sempre. Encare isso como uma peculiaridade não tão feliz dos Amattris.

— Nós não somos imortais, não é? Você é assim por algo que Marco fez?

— Sim. Marco me levou até as Encantadas quando eu tinha dezenove anos e depois daquele dia eu passei a ser imortal. Segundo ele, eu deveria me tornar mais digna do sobrenome e da herança que carregava no sangue, então Marco pediu as três que me deixassem mais parecida com uma verdadeira vampira — não evitei suspirar novamente. — Pelo menos não me fizeram dependente de sangue.

— Então eu posso ser imortal? Só tenho que pedir a elas? — os olhos azuis tão bonitos e claros de Riese brilharam, do mesmo modo que os olhos de uma criança de alegram com um grande pote de doce.

— A imortalidade é mais uma maldição do que uma benção. Pergunte a Carlo. Ela lhe cansa, fazendo com que tudo que você veja se torne peso sob seus ombros, no tempo em que tudo ao seu redor começa a perecer. A imortalidade te cansa, te causa tédio e te dá uma depressão sem igual já que tudo e todos que conhecem se vão e você continua lá parada, sempre do mesmo jeito, imutável e eterna.

O silêncio seguido pelo fim de minhas palavras foi, em partes, desconfortável. Talvez porque eu tinha acabado de “destruir” o sonho de imortalidade de Riese. Mas, bem, pelo menos agora ela pode ficar com raiva de mim e não de Eliah, porque é certeza que ele diria a mesma coisa de um jeito até que pior.

— E o mundo humano? — ela perguntou. — Vale a pena tentar ir lá?

— Bem — pendi a cabeça para um dos lados. — Depende do lugar, mas é bem divertido — observei os lábios de Riese curvarem-se em um sorriso. — Assim que tudo isso passar, te levarei para passear comigo e com Ryan pelo Canadá. Tenho certeza de que irá gostar, principalmente de Vancouver.

— Tempos de paz parecem cada vez mais distantes — com um suspiro, Riese abraçou os joelhos. Era desolador ver uma criança, ainda descobrindo o mundo e já com tão pouca esperança.

— Alguma hora a paz chegará, talvez você não esteja aqui para vê-la, mas ela chegará — levei meus dedos até os cabelos escuros de Riese e os baguncei, fazendo com que ela sorrisse e afastasse minha mão para arrumá-los. — Talvez você devesse entrar, não será muito agradável se sua mãe aparecer por aqui.

— Claro — ela levantou e espreguiçou-se, passando a mão pela calça para limpá-la. — Sinto muito pelo o quê minha mãe disse mais cedo, sobre te colocar com sacrifício.

— Não se preocupe, vamos apenas esquecer isso.

Com um breve sorriso, Riese maneou a cabeça e entrou no castelo, voltando a deixar-me sozinha ali fora. Talvez eu devesse segui-la para dentro e começar a ajudá-los a encontrar lugares para se refugiarem. E foi exatamente o que fiz. Entrei e dirigi-me diretamente para o subsolo, onde ficavam os quartos, e encaminhei-me para o meu.

Já dentro do aposento, procurei por meu celular e digitei o número de Ryan. Afinal, eu teria que avisá-lo que Bonnie e Matthew iriam para lá. A ligação chamou até cair na caixa de mensagens, o que me fez desligar e ligar outra vez. Não foi uma boa coisa.

“Olá Sophia”

O arrepio que senti foi tão forte que cheguei a tremer por alguns segundos. Com a boca escancarada e o queixo quase tocando o chão, deixei que o medo se instalasse e começasse a me tomar completamente. Aquela voz não era de Ryan.




— É um dos melhores, não só dos quatro grandes clãs, mas como de todo o submundo guerreiro dos vampiros. Então como conseguiu ser ferido tão gravemente por um ataque de rebeldes? Ou, no caso, um rebelde? — a voz gélida de Mégara ecoou pelo salão do castelo Hunyad, chegando a provocar arrepios na pele ainda queimada de Demetri.



— Sinto muito — suspirou cansado, detestando o fato de necessitar o apoio de Lenna e Elliot para manter-se em pé. Está demorando demais essa maldita cicatrização.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Aposto que sente — a senhora Amattris sorriu seca antes de recostar-se na grande cadeira de veludo vermelho decorada com ouro e esmeraldas, considerado o trono daquele lugar.

— Mégara... — Vicktor murmurou, tentando impedir a mulher de dizer algo que pudesse irritar Demetri, ou provocar qualquer outro sentimento negativo no vampiro, que fora tão leal a eles por todos esses anos.

— O pior de tudo é que, além dessa sua falha miserável, perdemos Karissa — Mégara continuou, ignorando Vicktor e os olhares surpresos e ofendidos de Lenna, Suzan e Elliot, que tomavam as dores de Demetri, enquanto o mesmo apenas mantinha o olhar desviado e a respiração baixa.

— Senhora... — Elliot começou, mas a mão pálida que Mégara ergueu o impediu de continuar.

— Não quero saber. Você falhou soldado e acredito que apenas a consciência disso será uma punição adequada para o momento. Lenna, leve Suzan e cuide para que Demetri tenha, ao menos, uma cicatrização adequada — Mégara disse e observou a vampira hesitar antes de concordar com a cabeça. Elliot ajudou a levar Demetri para o subsolo junto de Lenna e Suzan, enquanto Mégara chamava um dos vampiros da guarda para perto. — Louis.

— Senhora — ele fez uma pequena reverência. Os cabelos castanhos e pouco compridos inclinaram-se para frente com o movimento, atraindo assim os dedos finos de Mégara.

— Louis, meu querido, tenho um trabalho para você.

Com um sorriso até que cruel, Louis colocou-se a disposição do que quer que fosse que Mégara o mandasse fazer, mesmo que já tivesse uma leve noção do que seria. Se fosse, realmente, o que ele pensava, seria um caminho sem volta e definitivamente divertido, com os Amattris voltando a assumir seu lugar como o melhor dos quatro clãs. Começando com a condenação dos Mottris.