— O quê?

A pergunta era retórica. Eu nem sequer podia me questionar se tinha ouvido direito, pois ela tinha sido muito clara. Peg tinha dito a Sunny que também devolveria seu corpo, que iria embora e as duas poderiam até partir juntas. A pergunta era para me certificar não da verdade que se abateu sobre mim, mas de que se ela teria coragem de olhar nos meus olhos e dizer que tinha me privado de qualquer direito de decisão.

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Ela podia não corresponder ao meu amor, doía admitir, mas eu estava habituado a essa ideia, porém ela não tinha nenhum direito de me arrancar de mim mesmo desta maneira. Ela não tinha o direito de criar uma situação sobre a qual eu não tinha nenhum controle. Será que ela achava que podia simplesmente se cansar de nós e fazer um check out da Terra? Quem ela achava que era?

— Ian? Qual é o problema? – perguntou Kyle agindo feito um zumbi idiota. Se eu não tivesse checado seus olhos mais de uma vez, teria certeza de que ele tinha se transformado em mais uma dessas Almas estúpidas e egoístas, que pisoteiam a gente com cara de inocente como quem interrompe o fluxo de um formigueiro completamente ordeiro.

— Peg – chamei entre dentes, estendendo a mão para ela sem ter muita certeza do que essa mão podia acertar se eu não a parasse a tempo. Pelo menos isso eu podia controlar.

Ela não me respondeu, em vez disso ficou olhando para mim, pensando provavelmente na próxima mentira que me diria. Jared tinha razão o tempo todo sobre os truques desses parasitas...

Jared.

Jared sabia. O cretino sabia o tempo todo, eu tinha certeza. Ela devia ter contado a ele, garantindo que ele a amasse por isso. Um grande último sacrifício pelo amor desse boçal. E eu? Um idiota que não merecia nenhuma explicação? Nem disso eu era digno? Minha paciência terminou, não que ela estivesse nos seus melhores momentos, mas qualquer resquício tinha chegado ao fim. Eu a agarrei pelo braço e a puxei para cima. Sunny veio junto, tentando proteger a “irmãzinha”.

Ah, não, colega! Essa você vai ter que encarar sozinha!

Sacudi o corpo dela até que a outra se soltasse. Isso aparentemente fez com que Kyle saísse de sua letargia e ensaiasse uma reação. Eu simplesmente não estava interessado em perder meu tempo com ele ou com quem quer que fosse. Dono de si mesmo, meu joelho se dobrou e meu pé desceu sobre o rosto de meu irmão. Meu irmão que ouvia com placidez a notícia que tinha me destruído. Meu irmão que a tinha tentado matar. Foi para isso que ela ficou viva? Para me matar por dentro depois?

Jared postou-se diante da porta, bradando sobre como eu estava maluco e que iria machucá-la.

— Você sabia disso? Sabe o que ela está planejando?

Ele não disse nada, apenas me olhou. Mas seu rosto não chegava nem perto de ser indecifrável. Ele sabia. Meu corpo todo se deslocou para frente culminando num soco. Toda a raiva e ciúme que eu tinha sentido daquele infeliz desembocando na boca do meu estômago. Ele iria permitir que ela desse a própria vida para agradá-lo, destruiria minha felicidade para garantir a dele.

Eu vou machucá-la? Eu? Seu porco hipócrita?

Puxei-a pelos corredores, indiferente aos seus apelos como durante esse tempo todo ela tinha sido aos meus. Ouvia-a tropeçar atrás de mim, trazia-a para frente empurrando com força quando ela não conseguia acompanhar meus passos. Num determinado momento, ela parou de se queixou, mas ouvi-a arfar. O que isso me fazia sentir... Era como se eu não me importasse. Eu queria mesmo que ela sofresse, queria que ela se machucasse. Se ela não fazia questão desse corpo, porque eu deveria fazer? Queria que a decisão de me deixar pudesse machucá-la tanto quanto machucava a mim.

Ela gemeu de dor. Era o que eu queria, mas ao mesmo tempo também não era o que eu queria. Eu queria que ela sofresse, mas não podia suportar que isso realmente acontecesse. A confusão desse momento me fez pisar em falso e eu parei.

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— Ian, Ian, eu...

Agora você quer falar? Agora você quer minha atenção? Aqui, com a escuridão para te proteger? Para que eu não veja seus olhos e nem você os meus? Para que tudo seja mais fácil para você?

Tomei-a nos braços e esse contato me fez amolecer. Em certos sentidos, Peregrina era como uma criança que não entendia a extensão dos próprios atos. Ela não era a maluca egoísta que cravava longas unhas em meu coração como eu a estava vendo nos últimos minutos. No fundo eu sabia disso. Essa era só mais uma vez em que eu tinha que defendê-la de si mesma. Mas como me defender quando ela queria me tirar tudo?

Cruzei a praça principal. Não pude olhar em volta para lidar com os olhares curiosos ou com alguém que se atrevesse a defendê-la. Tinha um trator dentro de mim que não iria parar até derrubar tudo em seu caminho. Chegamos ao quarto e chutei uma das portas. Apenas uma coisa na minha lista de demolição. Joguei Peregrina sobre o colchão sem me importar muito com a “aterrissagem”. Outros corpos femininos já tinham suportado aquela queda graciosamente, ansiosos pelo que viria a seguir. Mas o que viria a seguir desta vez não ia ser bonito.

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