As Cem Melhores Historias Da Mitologia
As Asas de Ícaro
— Meter-se com reis dá nisto, Ícaro! -dizia o inventor Dédalo, desconsolado, ao seu filho,
que o observava.
Ambos estavam presos no labirinto de Creta, encomenda que o rei Minos fizera ao
próprio Dédalo para encerrar o Minotauro, flagelo da cidade. O Minotauro fora derrotado, mas
Dédalo caiu em desgraça com o rei, pois fornecera à princesa Ariadne o fio que ela entregou a
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Teseu e o qual este usou para fugir do labirinto após matar o Minotauro. Minos, que não
esperava que Teseu derrotasse o monstro, passou a ver Dédalo como traidor e o fez provar,
junto com o filho Ícaro, um pouco do seu próprio remédio.
Um dia os dois estavam a contemplar o azul do céu, sentados em uma colina como de
hábito, quando Dédalo deu uma palmada repentina na testa:
— Já sei, Ícaro, o que faremos!
Sem dizer mais nada, começou a descer o rochedo, acompanhado pelo filho, que o seguia
apressadamente. O jovem sabia que o pai era muito inventivo e que estava sempre com a cabeça
cheia de novos projetos. Preferiu deixar que a idéia amadurecesse na cabeça do velho enquanto
desciam. Tão logo chegaram à base da ilha, o velho mandou.
— Vamos, pegue minhas ferramentas — disse o pai ao filho, antes de sair em busca de
alguma coisa.
Quando Dédalo retornou, seus braços estavam repletos de penas de aves, que ele abatera
com a eficiência de um experiente caçador.
— O que pretende fazer, pai, com todas estas penas? — disse Ícaro.
Sem responder, Dédalo começou a serrar pedaços de madeira. De suas mãos começaram
a surgir duas grandes armações, que lembravam o esqueleto de uma asa.
— O que é isto, uma fantasia? — perguntou Ícaro, ao ver o pai colar as penas nas varas
de madeira.
— Tudo se inicia pela fantasia, meu Ícaro... — disse o velho, com o ar sonhador.
Logo Dédalo tinha nas mãos um grande e alvo par de asas.
— Vamos, filho, me ajude a colocá-las nas costas!
Ícaro, que naturalmente já entendera o plano, ajudou-o, empolgado pela idéia. Nem bem
Dédalo terminara de colocar o par de asas às costas, seus pés começaram a se erguer do solo.
— Funciona! — exclamou Ícaro, sentindo no rosto suado o vento refrescante das asas do
pai.
— Vamos, Ícaro, vamos construir uma para você também!
Os dois passaram o resto do dia aplicados em aperfeiçoar o mecanismo das asas
artesanais.
— Aqui está a nossa liberdade! — disse o velho, ao colar as últimas penas nas armações.
— Mas serão sólidas o bastante para atravessarmos o oceano? — perguntou Ícaro.
— Claro! — respondeu Dédalo — O único cuidado que devemos ter é não nos
aproximarmos muito do sol, pois o calor poderia derreter a cera que prende as penas.
No dia seguinte, bem cedo, subiram para o alto da torre, cada qual carregando com
amoroso cuidado o seu par de asas. Exaustos, descansaram um pouco até que Ícaro, impaciente
para testar o seu equipamento, ajustou as suas asas às costas.
— Veja, pai, estou voando! — disse o rapaz, sem conter a sua euforia. Deu várias voltas
ao redor da torre, perdendo aos poucos o medo da altitude; seu pai também circundou a ilha
munido das asas para testar-lhes a resistência.
— Basta de preparativos! — disse Dédalo. — Vamos embora!
Pai e filho, juntos, colocaram os pés sobre a amurada, no ponto mais alto da torre; abaixo
deles o mar espumava, chocando-se violentamente contra os recifes negros que pontilhavam toda
a costa.
— Agora! — ordenou Dédalo.
Os dois lançaram-se ao ar, batendo os braços de maneira tão ritmada que pareciam dois
pássaros a dividir o azul do céu com as gaivotas, que os observavam pasmadas.
— Não se esqueça do sol! — dizia de vez em quando Dédalo, ao ver que Ícaro se
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!descuidava, subindo em demasia. No começo os dois lutaram um pouco com as correntes de ar,
que lhes roubavam momentaneamente o equilíbrio. Às vezes, o pai buscava Apolo nos braços do
filho, às vezes, o filho recorria ao auxílio do pai.
Já haviam deixado há muito tempo a ilha e agora não havia outro jeito senão mover os
músculos com vigor, tentando poupar ao máximo o fôlego. Dédalo ainda estava entregue ao
deslumbramento quando percebeu que seu filho havia desaparecido.
— Ícaro, onde está você? — disse, inquieto.
O jovem, muito distante dali, planava nas alturas. De olhos cerrados, Ícaro lançara-se
num vôo cego, para além das nuvens. Após haver ultrapassado a linha dos grandes e acolchoados
montes brancos, ficara pairando sobre eles, enquanto o sol arrancava um brilho intenso de suas
asas. Sua pele refletia um tom dourado, e parecia que ele era o próprio filho do Sol.
— Queria ficar aqui para sempre! — disse, inebriado de liberdade.
Enquanto agitava as asas, percebeu que uma grande pena roçou-lhe o nariz. Seus olhos a
acompanharam rodopiando pelo espaço sem limites até desaparecer misturada ao branco das
nuvens.
Ícaro passou as costas das mãos sobre a testa suada. Uma deliciosa rajada de vento
refrescou sua pele ao mesmo tempo em que percebeu que um grande tufo de penas espalhava-se
ao seu redor, como se um imenso travesseiro tivesse sido rasgado e esvaziado de todo o seu
conteúdo. Grossos fios de cera derretida escorriam pelas armações, alcançando os seus braços.
Com um grito de medo, Ícaro percebeu que a estrutura das asas se desfazia. Procurou esconderse
sob as nuvens, mas o sol tornara-se tão intenso que desmanchava as próprias nuvens, Ícaro
percebeu que era o seu fim:
— Socorro, pai! — gritou.
Entretanto, sua voz perdeu-se no vácuo. Seu pai, longe dali, estava impotente para lhe
prestar qualquer auxílio. Desistindo, afinal, de tentar recuperar altura, Ícaro abandonou-se ao
destino, indo cair nas águas revoltas do oceano.
Enquanto isto, Dédalo vasculhava os céus.
— Ícaro, meu filho, responda! — clamava inutilmente.
Durante muito tempo o velho vagou, fugindo sempre ao calor do sol, até que avistou
sobre as ondas algumas penas. Sobrevoando mais um pouco o local. Dédalo acabou por avistar o
corpo do filho jogado às margens de uma das praias. Depois de tomá-lo nos braços, ficou um
longo tempo abraçado a ele. Com o coração despedaçado, como as asas de Ícaro, Dédalo o
enterrou no mesmo local, que passou a se chamar Icária, em sua homenagem.
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