O Garoto Da Casa 918.

Capítulo 10


"Tudo bem se eu sair hoje?" -Perguntei.

Ela me olhou.

"O que você tanto sai? Nunca foi de ficar fora por tanto tempo como esta ficando nessa semana."

"Eu sei vó... E que... Eu... Me candidatei.. Para ler livros para crianças desabilitadas." -Nossa, eu não sei como eu pude inventar isso.

"Ah?" -Ela me olhou.

"É uma campanha da biblioteca, você lê para as crianças."

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ela parecia desconfiada.

"Nunca ouvi falar disso."

"É que é novo. Eu sou uma das únicas candidatas."

Minha avó terminou o tricô e o deixou de lado.

"Eu não sei se isso é verdade ou não, e nem quero saber. Mas se você esta, digamos que, se sentindo melhor saindo um pouco, eu fico feliz."

"Então eu posso sair? Eu juro voltar cedo." -Mordi o lábio.

"Tudo bem."

Me levantei e fui até a porta.

"Mas promete que tomará cuidado e que um dia eu saberei para onde você tanto vai?" -Ela disse da sala.

"Claro vó." -Sorri.

Eu não estava certa se um dia contaria para minha avó. Mas tinha certeza que um dia ela iria descobrir. E o que aconteceria nesse dia? Não só comigo, mas com Dave?

Será que eu deveria contar para ele sobre isso? Parei no meio da rua e olhei para o céu, que estava meio nublado, com grande chance de chover. Acho que eu teria tempo de ir até um lugar e voltar antes que o mundo chorasse.

-

Passei pelos arbustos mortos e cheguei até a cerca. Peguei esforço e a pulei quase caindo para frente. Corri até a porta e bati duas vezes antes de entrar. Já estava começando a chover e eu tinha pegado um simples casaco. Por sorte eu não me molhei muito.

"Nossa." -Disse entrando, tirei meu casaco e sequei meu rosto.

"O que foi?" -Ouvi ele descendo as escadas.

"Peguei chuva." -Fiz uma careta.

"Quer um casaco?" -Ele perguntou.

"Se você tiver." -Dei de ombros.

Subimos para o quarto, ele foi até um guarda-roupa antigo e tirou um casaco duas vezes o meu tamanho.

"Era do meu pai, mas é bem quente."

"Como isso sobreviveu ao incêndio?"

Ele desviou o olhar.

"Dave eu sei que você não me contou tudo. E por que? Achei que estavamos virando amigos."

Ele suspirou.

"Eu sei."

Segui ele até o final do corredor e entramos no penúltimo quarto. Estava abandonado assim como os outros. Ele então bateu duas vezes na parede e do teto saiu uma cordinha. Quando ele puxou, abriu uma porta que desceu uma escada.

"Me siga." -Ele disse subindo.

Quando cheguei lá em cima não acreditei.

Era como uma pequena casa no sótão. Tinha uma cama, duas poltronas, uma fogãozinho e até um pequeno aquecedor.

"Nossa."

Era tão confortável e aconchegante. Tinha uma janela e a iluminaria era de vela, então o local ficava todo iluminado. Claro que não dava para ficar de pé em certos cantos, mas tirando isso, uma pessoa poderia viver muito bem ali.

"Você mora aqui então." -Disse.

"É, foi a única parte da casa que não foi detonada e eu precisava de um lugar para me esconder."

"De quem?" -Olhei para ele.

"Policiais, bombeiros, advogados, mendigos. Essas pessoas estranhas." -Ele de de ombros.

"E o que você come?" -Disse sentando no poltrona.

"As vezes, uma vez por mês, eu vou a algum centro comunitário e pego algumas sopas e comidas em lata. Eu sei que não é um grande banquete..." -Ele deu de ombros.

"Você não pode viver assim." -Olhei para ele.

"Acho que o mundo ainda não esta pronto para mim." -Ele disse indo até o fogão, em cima tinha uma armarinho, de lá ele pegou uma lata e esquentou na panela com água.

"Não ligue para o que o mundo pense." -Fui até ele.

"Você não entende nada."

"Mas eu quero, quero entender como deve ser você."

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ele me olhou. Mas não foi só um olhar, foi como de admiração com amizade.

"Esta com fome? -Ele disse disfarçando.

"Não, mas se você quiser eu te acompanho."

Ele pegou a lata e pois num prato, depois pegou duas colheres e nos sentamos na cama.

"O que você faz quando não esta aqui?" -Ele disse levando a colher a boca.

"Antes eu ficava em casa, nunca fui de sair. Mas as vezes eu vou para a biblioteca ou saio com minha amiga."

"Ela é legal?"

"É uma das minha únicas amigas. Mas não sei se gosto de sair muito com ela."

"Por que?" -Ele disse dando outra colherada.

"Ela.. Sempre chama atenção e..."

"Acaba tando... Garotos?"

Desviei o olhar.

"É, mais ou menos isso. Eu sei que não sou tão bonita quanto ela, mas as pessoas acabam não ligando para mim."

"Você é linda Helena, não aceite que alguém diga ao contrário."

Senti minha bochechas queimarem. Olhei para o chão e mordi o lábio.

"Obrigada." -Respondi timidamente.

Ele colocou o prato na mesinha e suspirou.

"Que livros você gosta?"

Olhei para ele e me lembrei que tinha algo na minha bolsa. Me levantei e fui até ela, tirei de lá dois livros. Voltei a me sentar do seu lado.

"Eu passei na biblioteca e pensei que gostaria de ler algo novo."

Ele pegou um e passou a mão na cama dura.

"Moby Dick?" -Ele disse.

"E Dom Quixote."

"Obrigado."

"Você pode me devolver na segunda." -Comentei.

"Acho que devolvo antes." -Ele riu. Uma risada animada, mas curta, como se risos fosse algo raro de se ouvir.

"Um dia você irá me contar o que realmente aconteceu?" -Perguntei.

"Um dia... Acho que sim." -Ele sorriu, colocando os livros na estante perto da cama.

"Preciso começar a achar desculpas para vir aqui. Minha avó já esta suspeitando."

Ele me olhou.

"Você contou?"

"Claro que não, para ninguém."

Ele suspirou aliviado.

"Mas... Eu não posso dar de sair todos os dias sem ela descobri uma hora."

"Eu sei."

Olhei para a janela que ia sendo coberta pelas gotas da chuva lá fora. Eu podia ver as arvores balançando por causa do vento e a neblina se formando no horizonte.

"Gosta do inverno?" -Perguntei olhando para a janela.

"Você gosta?"

"Ele me lembra de quando minha mãe morreu. Estava nevando e fui mandada para meu quarto, só consegui ver as marcas da ambulância na neve."

"Por que não esquece isso?"

"Isso o que?" -Olhei para ele.

"O que houve..."

"Se fosse tão fácil." -Dei de ombros.

Ele concordou uma com uma risada sem vontade.

"Eu acho que tenho que ir." -Disse me levantando.

Ele se levantou também.

"Não pode ficar mais um pouco?" -Ele disse e eu pude perceber o quanto ele se envergonhou com aquilo.

"Eu também queria, mas eu tenho mesmo que ir."

"Então eu te acompanho."

Olhei para ele.

"É o que um cavalheiro faz, e ainda mais esta chovendo, quase ninguém esta na rua."

Eu ri, ele era tão fofo as vezes que eu até me esquecia o pro que dele morar ali.

Descemos até o primeiro andar e depois para a porta. Ele pegou um casaco e colocou uma bota.

"É tão estranho sair." -Ele comentou quando fechou a porta.

Mostrei para ele por onde eu entrava e também onde ficava a biblioteca para ele poder ir as vezes. Ele parecia um turista de tanto que olhava para as coisas.

"Minha casa é bem ali." -Apontei quando viramos a esquina.

"É perto."

Estávamos a duas casas da minha quando um vendo levou minha toca para traz.

"Droga." -Disse tentando pegar, mas meu cabelo estava no meu olho e o vento não ajudava.

"Espera." -Disse ele me ajudando, ele a colocou de volta e sorriu- "Pronto."

"Obrigada pelo casaco, mas eu vou ter que por o meu agora."

O tirei e vesti o meu, fiquei um pouco na chuva para molhar mais e depois me cobri com o outro. Senti meus dentes batendo de frio e não pude deixar de rir com Dave.

"Chegamos." -Disse abrindo a cerca- "A gente se vê amanha."

Ele olhou em volta.

"Então chau." -Ele disse.

Tirei o casaco e entreguei para ele. Fui até a porta e dei a ultima olhada para trás.

"Cheguei." -Disse.

"Querida! Meu deus, entre se não vai se resfriar."

Fechei a porta e olhei para a rua, mas ele não estava mais lá.