Todas aquelas coisas loucas que fizemos
Não pensamos sobre elas
Só fomos na onda
Você está sempre lá
Você está em todo lugar
Mas agora mesmo eu gostaria que você estivesse aqui
Droga, droga, droga
O que eu faria para ter você
Aqui, aqui, aqui
Wish You Were Here - Avril Lavigne

*-*-*-*-*

Foi a minha vez de sonhar com Bill.

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O sonho foi relativamente tranquilo. Estávamos os dois num lugar meio indefinido, ele usava aquela juba de muitos anos atrás e tivemos uma conversa agradável.

- Tom! – eu ouvi a voz dele me chamando, e ao virar-me para trás, ali estava ele vindo em minha direção.

- Bill! - a surpresa foi tanta que eu não consegui dizer mais nada durante meio minuto. – Caramba...!

Abraçamo-nos tão forte. Ele era tão real.

- Como você mudou, cara. – disse ele.

- Eis aqui a inédita hora em que eu não posso dizer o mesmo de você. Então... é verdade, você estava aqui o tempo todo.

- Nem tanto, Tom. Eu sofri um pouco quando passei pra cá. O baque do carro contra o barranco foi tão repentino que quando eu voltei a mim eu estava de pé atrás do carro.

- Você... pode me contar o eu aconteceu naquela hora?

- Eu não estava consciente, Tom. Desencarnei literalmente sem sentir um arranhão. Contente-se com a versão da Maria, ela não omitiu uma vírgula do que presenciou. – pausa. Acenei positivamente com a cabeça e ele continuou: - Daí eu a vi. Ela estava de joelhos como se houvesse despencado no chão, com os olhos vidrados e respirava curta e pausadamente. Fui correndo em sua direção e gritei o seu nome, ela não ouvia. Toquei em seu ombro, e tente chacoalhá-la, mas era como se ela fosse feita de pedra. Eu fiquei meio exasperado, não sabia o que estava acontecendo; me desliguei por um instante do mundo e quando dei por mim, estava ao lado dela num consultório de hospital. Resolvi segui-la, quando ela saiu, eu te vi esperando. Eu então corri até você, gritei o seu nome, tentei te chacoalhar mas também não consegui. Não prestei atenção no assunto quando vocês saíram num canto para conversar, mas depois que a Mari foi embora, eu fiquei ali do seu lado.

- Espera, Bill. Logo depois disso, eu fui ao quarto em que você estava.

- E foi quando você se aproximou da cama que a minha ficha caiu que eu tinha morrido. Estava sentindo uma coisa estranha no umbigo, que não me deixou encostar no meu corpo. Mais tarde fiquei sabendo que isso se devia ao rompimento do elo entre o corpo e o espírito.

- Eu também estava sentindo uma coisa estranha. – meus olhos se encheram de lágrimas. – Eu não conseguia acreditar que você tinha morrido. Eu sentia que você estava ali comigo.

- Eu estava. E quando você chorou em segredo, eu te abracei e chorei também.

Longa pausa. Ficamos um olhando para o outro. De repente, lembrei-me de um fato e falei:

- Lembra quando a gente era criança e achava que nós dois íamos morrer juntos?

- Lembro sim - ele sorriu.

- Depois que você se foi, eu passava os dias esperando morrer de repente. Cheguei a querer que o avião caísse quando voei do Brasil pra Alemanha pra eu morrer também. Georg uma vez lembrou essa nossa ideia infantil, decerto querendo me animar um pouco, e eu disse a ele: “Isso está errado. Ele devia ficar e ir embora dez minutos depois de mim.”

Mais uma pausa. De repente ele disse:

- Tom, você tem que acordar.

- Queria poder ficar mais tempo com você.

- Eu estou sempre com você. Você só não pode me ver.

- E nós poderemos voltar a conversar? Eu preciso saber tanta coisa...

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- Eu vou tentar. Por enquanto, continue vivendo e sabendo que eu estou sempre lá. Ainda lembra como tocar Ich Bin Da?

- Lembrar eu lembro. Só não consigo. Eu vou tentar.

- Dá aqui um abraço. - nos abraçamos novamente. – Este é para a nossa mãe.

Afastamo-nos um pouco.

- Aí, Tom – ele ainda disse. – eu tenho um puto orgulho de você, irmãozinho mais velho.

Sorrimos. Ele virou-se, sumiu e um segundo depois eu acordei.

- Bom dia, bicho-preguiça. – mamãe me saudou quando eu apareci na cozinha. – O sonho estava tão bom assim pra acordar só agora?

- E como. – abracei-a como Bill pedira.

- Tom, você me abraçou igualzinho o Bill fazia.

- É que eu sonhei com ele, e ele me pediu pra te dar um abraço.

- Sonhou com o seu irmão?

- É. A gente trocou uma ideia.

- Entendi. Come alguma coisa.

- Não tô com muita fome. Quero só um copo de café.

- Tom Kaulitz...

- Eu sei, mãezinha, tenho que me alimentar direito; mas como a senhora mesma disse, eu acordei bem tarde e daqui a pouco já é hora de almoçar. Prometo que no almoço eu como tudo e repito e limpo o prato, ok?

- Quero só ver.

Saí da cozinha com o café fumegante na mão e fui fazer qualquer coisa. Depois de comer, repetir, limpar o prato e ajudar a guardar a louça, pedi à minha mãe que esperasse na sala e fui ao meu quarto buscar aquele meu violão do tempo de Noé que fica na casa dos meus pais.

- Oh Tom, você vai tocar...! – disse ela ao me ver com o velho instrumento na mão. – Depois de todo esse tempo...

- Sim, mãe. Também foi o Bill que pediu. Acho que eu consigo.

Desde aquela fatídica ocasião, eu nunca mais toquei nada. Mal pegava numa guitarra e, quando o fazia, não conseguia tocar uma única nota. Diversas vezes reuni-me com Gustav e Georg em nome dos velhos tempos, mas de mim simplesmente não saía nada. Era como se eu tivesse desaprendido a tocar da noite para o dia.

Então, naquela tarde, sentei com a minha mãe no sofá da sala e posicionei o violão, convicto de que conseguiria. Tentei fazer um . Saiu perfeito. Olhei para a mamis, que sorriu e acenou com a cabeça para que eu tentasse ir em frente. Respirei fundo e tentei tirar os acordes do instrumento.

E eu simplesmente consegui tocar Ich Bin Da, como Bill pedira. Como se eu já tivesse nascido sabendo fazê-lo e como se minha vida dependesse daquilo.

Fiquei tão feliz que não lembro o que fiz o resto do dia. Só à noite, quando fui deitar, lembrei de algo que falei com Bill que não se encaixava nos fatos: Maria nunca chegou a me contar o que real e exatamente aconteceu naquela dita tarde. Teria perguntado, mas receei que ela ficasse brava e na hora deixei quieto.

Este era então o motivo pelo qual eu ansiava em dormir e torcia para que Bill voltasse, de algum jeito, para ter outra prosa onírica comigo. Pra quê. Essa noite não teve Cristo que me fizesse pegar no sono. Levantei da cama umas vinte vezes; para tomar água, para ir ao banheiro, para arrumar o lençol da cama, para abrir ou fechar uma fresta da janela; até contar carneirinho eu tentei, mas não consegui passar de cem. Já estava praticamente claro quando finalmente consegui tirar um cochilo (talvez estivesse tão exausto por tentar dormir que o corpo é que acabou cedendo). Um cochilo neutro, sem sonho nem pesadelo, e que durou pouco. Acordei com alguma coisa que minha mãe deixou cair no quarto contíguo e, já que dormir não adiantava mais, declarei a derrota na guerra e abandonei o quarto dublê de campo de batalha.

- Bom dia, mãe – disse entrando na cozinha.

- Bom dia. Que milagre é esse, você acordar às oito da manhã. Caiu da cama?

- Não, a cama é que me jogou pra fora. Não preguei o olho a noite inteira.

- Aconteceu algo?

- Eu simplesmente queria dormir e não dormi.

- Deixa eu adivinhar. Queria dormir pra ver se sonhava com o Bill de novo.

- Na mosca.

- O nome disso é ansiedade. Tom, não se sonha a mesma coisa duas noites seguidas só porque se quer. Eu também sinto falta dele, mas não vale a pena passar nervoso por algo que acontece tão esporadicamente.

Eu queria contestar essa teoria, dizer pra ela que o Bill apareceu em sonho pra Maria por diversas noites seguidas e pro filho dela também, que aliás nem o conheceu a não ser por foto e vídeo. Mas como ela provavelmente me chamaria de neurótico e paranoico, não falei nada e tomei meu desjejum.

Encurtando a história, fiquei mais uma semana na casa da minha mãe e depois vim embora, aproveitar os últimos dias de folga para me reacostumar com a solidão.

Não gosto muito de dirigir em rodovia, mas... Bom, de qualquer forma, é só prestar atenção na sinalização e respeitar o limite de velocidade que tá tudo certo.

Logo que cheguei em casa, larguei a mala, celular e chaves no meio da sala e fui tomar um banho e comer alguma coisa. Depois, liguei a tevê pra fazer algum barulho e fui desfazer a mala. Agradeci à mamis em pensamento por ter lavado a minha roupa que estava suja e gastei mais de uma hora na entediante tarefa de devolver tudo ao seu lugar.

Quando tive fome, liguei pra um restaurante e pedi algo pra comer. Vi mais um pouco de qualquer besteira na tevê e fui dormir.

Foi eu deitar na cama que dei falta do meu celular – mamãe não me ligou pra perguntar se eu tinha chegado bem. Encontrei-o na sala, sem bateria. Levei-o para o quarto e coloquei na tomada pra carregar. Dez minutos depois, liguei-o e vi a ligação perdida da minha mãe entre outras vinte da Maria. Liguei para D. Simone a fim de avisar que estou vivo e explicar o motivo de não ter atendido o celular (mães) e ainda pude trollar dela, por que não tinha ligado no telefone fixo?

Não parei pra pensar na razão das vinte ligações perdidas da Maria até que o celular tocou quando eu estava quase dormindo.

- Hmm, alô? – atendi.

- Tom? Desculpa a hora, eu não soube pra quem ligar... Tô tentando falar contigo há horas e... Me ajuda pelo amor de Deus!

- Maria? – perdi o sono na hora – O que aconteceu? Tá chorando?

- Sim, estou. Eu não tinha pra quem ligar, desculpa a hora...

- Não tem problema. Mas o que foi? – comecei a me preocupar.

- Hoje quando cheguei em casa, na hora do almoço... passei no saguão do prédio e tinha uma oficial de justiça procurando por mim... Ela me entregou uma ordem judicial e uma intimação... – ela falava pausadamente, intercalando as palavras com soluços, dava pra notar que ela estava completamente perturbada.

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- Intimação de quê, criatura?!

- Uma intimação... de comparecimento... à audiência de guarda do meu filho.