A Aprendiz

Olhos


- Acho que temos um problema. – anunciou Horace. Will lançou-lhe um olhar fulminante.

- Que foi agora?

- Os cabelos dela.

- O que tem os cabelos dela?

- Ela precisa estar com os cabelos arrumados. É um baile, afinal de contas.

- Isso é mesmo importante?

- Claro que é. Nenhuma dama vai a um baile sem estar com os cabelos impecavelmente arrumados.

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- Christine não é uma dama. – informou Will. – Ela é minha aprendiz.

- Obrigada pela consideração. – murmurou Christine.

- Precisamos arrumar os cabelos dela. – insistiu Horace.

- Mas... – interveio Gilan.– Nenhum de nós sabe como arrumar os cabelos de uma garota. Alguém sabe?

- Anh... – Jack ergueu a mão, hesitante. – Eu sei.

- Quê? – perguntou a garota. – Por quê?

- Pelo mesmo motivo pelo qual você brincava de lutar com espadas, imagino. – ele deu de ombros. - Eu tenho uma irmã mais nova. Como somos praticamente só nós dois, eu sei algumas coisas sobre garotas.

Algum tempo depois, os cachos ruivos da garota estavam arrumados em tranças e presos em um coque atrás da cabeça.

- Uau. – disse Gilan, olhando surpreso para o aprendiz. – Você... Fez um bom trabalho.

- É. – concordou ele, parecendo um tantinho chateado com o tom do mentor. – Eu posso fazer isso de vez em quando.

- Isso não vai dar certo. – murmurou Christine para Will. Pela milésima vez, ela desejou que Alyss estivesse ali para salvá-la. – Will, é sério.

- Pelas presas de Gorlog, Chris! – resmungou seu mentor. – Deixe de ser boba. Vocês não vão ter que se beijar nem nada assim, o pior que pode acontecer é terem que dançar. E, claro, ficar de mãos dadas e essas coisas. Mas você não vai morrer por isso.

- Eu sei. Só... Estou com um mau pressentimento sobre isso. Não devíamos ir, Will. Nenhum de nós.

- Claro que devíamos. Precisamos investigar. Essa é uma ótima oportunidade.

Chris suspirou. Alyss iria entender. Ela concordaria. Às vezes, seu mentor era muito cabeça-dura, principalmente sem a namorada por perto para lhe emprestar juízo.

Estou ridícula, pensou. Odiava vestidos arrumados. Odiava estar com os cabelos arrumados. Odiava sapatos desconfortáveis. E, decididamente, odiava bailes e sair com garotos.

- Não se preocupe. – disse Will. – Ninguém vai reconhecer você. Você vai estar de máscara. Logo vai surgir uma oportunidade de interrogar alguém.

- Mas cuidado: Não faça perguntas demais nem seja muito insistente, ou vão desconfiar. Aja como se estivesse com tanto medo quanto eles. – acrescentou Halt.

Pelo menos isso ela não precisaria fingir.

- Basta agir com naturalidade, e tudo vai dar certo. – afirmou Gilan. Chris se segurou para não suspirar, mas Jack não teve essa preocupação.

- O que, diabos, há de natural nisso?

- O amor que vocês têm que representar. – respondeu Horace. – E o medo. – acrescentou como se lesse a mente dos dois. - Boa sorte.

Vamos precisar, era o que os jovens estavam pensando.

* * *

Quando estavam à porta da estalagem, Jack estendeu a mão. Christine olhou-o, como se perguntasse o que ele estava fazendo. Ele suspirou.

- Me dê a mão. Vai parecer mais real assim.

Então, de mãos dadas, eles entraram e procuraram uma mesa. Alguns músicos tocavam, e havia vários casais dançando. Passado um momento, Christine chegou mais perto de Jack e sussurrou no ouvido dele:

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- O que nós fazemos agora?

- Agimos com naturalidade. E esperamos até alguém ficar bêbado o suficiente para interrogarmos.

- Do jeito que as coisas vão, não vai demorar muito. – resmungou ela, olhando em volta. Ao fazer isso, captou um par de olhos azuis encarando-a, e apertou o braço do garoto. – Jack. Tem alguém nos observando.

- Quem?

- Aquele homem perto dos músicos. Aquele alto, de olhos azuis.

Ele olhou disfarçadamente, e então deu uma risadinha.

- Aquele é o filho do estalajadeiro, o Ethan. Ele fala bem pouco. Provavelmente, só está achando você bonita, por isso está olhando. Mas devia saber que está acompanhada.

- Mas eu não estou.

- Eu sei. Mas, tecnicamente, você está. É um baile para casais.

- Então, ele deve estar também.

- É diferente. O pai dele é o dono. Não se preocupe. Ele é só um tremendo mulherengo, nada mais.

Ela assentiu, mas, mesmo assim, havia algo naquele olhar que a deixava incomodada. Era um olhar faminto, ligeiramente insano.

E isso deu-lhe uma ideia.

- Vamos nos separar. – disse. – Ficará mais fácil para nos aproximarmos das pessoas, e conseguiremos mais informações.

- Não é uma boa ideia. – respondeu Jack. – Acho que devíamos ficar juntos.

- Não, não devíamos. Juntos, vai ser mais difícil.

- Vai ser mais seguro.

- Você precisa tanto assim de alguém para te proteger? – Christine suspirou ao ver o olhar magoado dele. – Desculpe, isso foi desnecessário. É só com isso que está preocupado?

- Você pretende ir falar com Ethan. – ele deu de ombros. – Certo? Por que não vamos os dois?Não gosto da ideia de você ir falar com ele sozinha. Ele tem má fama.

- Eu não sou uma donzela indefesa, Jack. Eu sou uma aprendiz, e sei me cuidar tanto quanto você – quem sabe até mais. Além disso, aposto que ele não vai falar nada para você.

- E por que falaria para você?

Ela não respondeu. Apenas disse:

- Vá embora. E não me procure mais até o final da noite, mais ou menos daqui a três horas. – e, sem dizer mais nada, se afastou.

* * *

- Olá. – disse Christine. – Posso me sentar com você?

Ethan olhou-a em silêncio e assentiu. Ela sentou-se em frente a ele e continuou puxando assunto:

- Então, seu nome é Ethan, não é? – ele concordou silenciosamente outra vez. - Prazer. Meu nome é Maggie. Você quer dançar? – ela ajeitou o vestido verde, que ficava escorregando pelo seu ombro esquerdo.

O rapaz deu uma rápida olhada para seu ombro descoberto antes de falar pela primeira vez, com uma voz profunda.

- Achei que você estava com aquele garoto, Jackson.

- Eu estava. – Christine se esforçou para estampar seu melhor olhar magoado no rosto. – Estávamos noivos. Mas ele acaba de me trocar por outra garota. – com algum esforço, seus olhos se encheram de lágrimas. – Ela é mais bonita que eu, entende. Mais alta, mas magra.

Chris estava mentindo quando disse que era uma péssima atriz. Na verdade, ela era ótima.

- Eu achei que você ia me reconfortar. Você parece esse tipo de garoto. – secou os olhos e começou a se levantar. – Mas, mesmo assim, obrigada por me ouvir.

- Espere. – Ethan segurou seu pulso ao chamar. – O que acha de procurarmos um lugar mais... Reservado para conversarmos?

Fingindo que não tinha percebido as sugestões implícitas nas palavras, a garota sorriu.

- Pode ser uma boa ideia. – disse. – Vamos conversar em um lugar mais reservado, quem sabe beber alguma coisa.

Um lugar mais reservado, pensou Christine, Onde você poderá me contar algumas coisas mais reservadas.