Fujoshi Tales

Cinderella


Cinderella

Era uma vez um comerciante e seu filho, Renge, cuja mãe sucumbira a uma tuberculose quando o menino tinha apenas três anos. Viviam muito bem, sustentados pelo comércio em crescimento, mas o homem achou que para Renge, faltava o amor de uma mãe. Sendo assim, decidiu casar-se novamente, com uma senhora também viúva, mãe de duas meninas da mesma idade de Renge, Marie e Ania.

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Quando Renge tinha 12 anos, seu pai faleceu, deixando o garoto aos cuidados da madrasta, que então se revelou uma mulher cruel e ambiciosa. Usando o dinheiro deixado pelo falecido esposo, ela e as filhas passaram a viver uma vida de luxos e futilidade. E Renge passou a ser tratado como um criado.

A madrasta obrigava-o a fazer os serviços de uma empregada, como lavar a roupa, cozinhar e varrer a casa. Às vezes, ele também carregava tecido e limpava o balcão do ateliê da viúva. Renge usava roupas amarrotadas e velhas, e seu rosto estava sempre sujo de fuligem ou poeira.

Marie e Ania o odiavam pelo interesse que as pessoas pareciam ter por ele. O rosto de Renge era bonito e delicado, seus cabelos, negros e lisos, e olhos em uma bela cor violeta. Mesmo sujo e mal-cuidado, era encantador. E além disso, nunca deixou de ser gentil ou reclamou, apesar de acordar muito cedo todos os dias e trabalhar até o sol se pôr.

-Renge!-a madrasta chamou.-Renge!!

O garoto saiu do depósito, aos tropeços, para chegar ao balcão, onde a mulher estava.

-Sim, madrasta?

-O que estava fazendo? Sonhando acordado de novo?-ela perguntou, em tom de repreensão.-Faça algo útil e leve esses tecidos lá para cima.

-Sim, senhora.

Obediente, Renge foi até os rolos de tecido que foram deixados no balcão e passou um deles por cima do ombro.

-Cinderella!-uma voz chamou.

-Não me chamo Cinderella, Ania.-o garoto repetiu, em tom monótono.

-Quero que faça peixe para o jantar hoje.-a menina disse, como se não tivesse ouvido.

-Mas não temos peixe em casa.-Renge disse.

-Então, compre. Esse é o seu trabalho, não é?

Renge soltou um suspiro.

-Sim, irmã.

Foram ouvidos os sons de cascos de cavalo no chão de pedra das ruas do lado de fora, em um trote rápido.

-Ah, é ele!-Ania exclamou.-Marie, Marie, é ele!

O coração de Renge deu um salto em seu peito quando um cavalo parou, na frente do ateliê. A madrasta e as irmãs arrumaram os vestidos e o cabelo rapidamente e, no momento em que a porta foi aberta, disseram “Bem vindo, alteza”, em uníssono.

-Boa tarde.-o rapaz que entrara respondeu.

O príncipe Suzaku era um jovem forte, de cabelos loiros e porte elegante, que cavalgava por todos os lados em um cavalo alvo e parecia ter saído diretamente de uma pintura à óleo.

-Como vão?-ele perguntou, com um sorriso educado.-Os vestidos de minha mãe estão prontos?

-Estão sim, alteza.-a madrasta respondeu, porque suas filhas estavam distraídas, suspirando pelo príncipe.-Renge, vá buscar os vestidos de sua majestade.

O garoto ergueu-se de seu lugar escondido rapidamente e correu até o andar superior, mantendo baixo seu rosto corado. Com muito cuidado, ele pegou os vestidos feitos especialmente para a rainha e os entregou ao príncipe.

-Obrigado.-Suzaku disse.

Renge, que havia erguido os olhos por uma fração de segundo, tornou-se rubro como o sol poente, e recolheu-se novamente para o canto, o mais rápido que pôde. De longe, ele observou o príncipe pagar à madrasta e conversar um pouco com ela e suas filhas.

Apesar de ser nobre, o príncipe Suzaku era muito sociável e fazia questão de sair do palácio para buscar os vestidos da mãe e poder conversar com as pessoas da cidade. Além de bonito e rico, era educado e simpático. Por isso, Renge o admirava, mas nunca teve coragem de se quer dar-lhe um “boa tarde”.

Quando o príncipe deixou o ateliê, as irmãs soltaram gritos.

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-Ah, ele é lindo!-disse Ania.

-Sim, ele é.-concordou Marie.-Um dia, eu vou me casar com ele e ser rainha do reino.

-Casa nada. Quem vai se casar com ele sou eu!

-Você? Você vai casar com ele tanto quanto Cinderella vai!

E as duas riram.

Renge sabia bem que jamais poderia casar-se com o príncipe, sem precisar de suas irmãs para lembrá-lo, e sempre fora conformado. Porém, a chegada do convite do baile real, trouxe um turbilhão de sentimentos ao seu coração.

O mensageiro de pena no chapéu e botas de couro bateu à porta da casa na hora do almoço. Como era de costume, a madrasta e suas filhas faziam refeição primeiro e, só depois delas, Renge podia comer. O garoto recebeu o envelope adornado com o selo imperial, surpreso, e levou-o à madrasta sem pensar em abri-lo.

-Madrasta...-Renge se aproximou da mesa, humildemente.

-Já disse que não nos interrompesse durante as refeições.-a mulher disse, sem olhá-lo.

-Mas o mensageiro real disse que era importante...

-O mensageiro real?!-Ania se levantou para pegar o envelope, mas sua mãe foi mais rápida, tomando-o das mãos de Renge e abrindo-o.

-Oh.-a mulher sorriu, um sorriso perigoso e satisfeito.-Vai haver um baile de máscaras.

-Um baile?!-Marie e Ania disseram, em uníssono, debruçando-se sobre a mesa de excitação.-De máscaras?

-“Para a escolha da futura esposa do príncipe Suzaku, todas as moças do reino devem comparecer.”-leu a madrasta.

Os olhos de Renge se arregalaram de choque.

-O príncipe vai escolher uma esposa!-Marie se levantou.

-É a nossa chance!-sua irmã completou.

Renge observou em silêncio enquanto as duas rodopiavam pela sala de jantar, rindo e gritando de animação. Reuniu toda a sua coragem para dizer:

-Eu posso ir?

As duas irmãs pararam de dançar e sua mãe ergueu os olhos da carta para o garoto.

-Como disse?

-Eu posso ir ao baile?-ele repetiu.

Marie e Ania se entreolharam e riram agudamente.

-Oh, pobre Cinderella. Está ficando louco.-Ania disse.-Você ouviu, não ouviu? O príncipe Suzaku vai escolher uma esposa. Uma garota.

-Mesmo se ele estivesse procurando um marido, o que é ridículo, não teria como ser você.-Marie acrescentou.-Um garoto sujo e desajeitado jamais poderia capturar a os olhos do príncipe.

As duas tornaram soltar risadinhas.

-Não vejo porque não.-a madrasta disse, fazendo-as calar.

-Verdade?-Renge a olhou, perplexo.

-É claro.-ela acenou afirmativamente com a cabeça.-Esteja no pátio com uma roupa digna de um baile real e você pode ir conosco na carruagem. Isso não será um problema, será?

Os olhos de Renge baixaram. Sem dizer uma palavra, ele fez uma reverência e deixou a sala de jantar, sentindo os olhares satisfeitos das irmãs em suas costas.

O garoto entrou na cozinha e correu até banco junto ao fogo, agora extinto, que lhe dera o apelido de Cinderella. Escondendo o rosto entre as mãos, ele lutou contra as lágrimas que começaram a brotar em seus olhos.

Um baile para escolher a futura esposa do príncipe. Renge, que já estava tão acostumado ao pensamento de jamais poder estar aquele que amava, não imaginou que aquela notícia o pudesse abalar tanto. Tantos anos observando-o e pensando nele através noites sem fim, mas nunca fora capaz de trocar com o príncipe um único cumprimento. Naquele momento, torturava-lhe a idéia de que ele se casaria sem tomar conhecimento da existência de alguém que o amava tanto.

“Se eu pudesse falar com ele apenas uma vez...”

Renge estava prestes a ceder ao choro quando ouviu um farfalhar fraco. Erguendo a cabeça das mãos, ele fitou as cinzas do fogo há muito apagado e não foi sem se surpreender muito que viu faíscas começarem a saltar dele. Então, como se fosse viva, uma labareda ergueu-se e um fogo alto começou a queimar sobre a pedra.

Diante dos olhos perplexos de Renge, as chamas dançaram com violência e, dentre elas, surgiu uma figura de talvez trinta centímetros, com formas femininas e asas de inseto.

-Olá, Renge.-ela disse, cordial.

-Você...como...de onde você surgiu?-o garoto quis saber.

-Do fogo, é claro.-foi a resposta.-Eu sou uma fada das chamas. Faz um tempo que visito sua cozinha, gosto de você.

-Uma fada...-Renge repetiu.-Por que está aparecendo para mim, se não for rude perguntar...?

-Ora, eu estou aqui para atender o seu pedido.-a fada respondeu.

-Meu pedido? Quer dizer...ver o príncipe?

-Mais do que isso, ir ao baile real para falar com ele. É o que você quer, não é?

-Sim, mas...

-Como eu disse, faz tempo que venho aqui e escuto você conversar sozinho, Renge.-a fada disse, sorrindo.-Gosto de ouvir você cantarolar para si mesmo e falar com as paredes, como se estivesse conversando com o príncipe, apesar de não ter coragem de dizer tudo isso pessoalmente.

O garoto corou e sorriu, sem graça.

-Acho que você é adorável.-ela completou.-Por isso, quero que vá ao baile e encontre seu príncipe.

-E como...?

-Não se preocupe com isso. Apenas esteja diante do fogo no dia do baile, depois que a bruxa da sua madrasta e aquelas matracas horrorosas saírem.

Sem dar a Renge a oportunidade de dizer algo mais, a fada desapareceu, junto com o fogo, deixando o garoto perplexo, encarando a parede de pedra.

No dia do baile, Renge observou, quieto, a madrasta e as irmãs se prepararem para ir ao palácio. Provaram dezenas de vestidos, fizeram penteados complicados e usaram quilos de maquiagem no rosto. Lançavam a Renge olhares maliciosos e satisfeitos, mostrando-se felizes em frisar que iriam ao baile, enquanto ele não poderia.

Quando deixaram a casa, de noite, as irmãs não paravam de soltar risadinhas e guinchos de excitação. Sua mãe continuava a repetir regras de etiqueta e lembrá-las que uma delas precisava ser escolhida como esposa do príncipe, não importava qual.

Depois que a carruagem partiu, Renge se dirigiu a cozinha. Seu coração estava acelerado, apesar de não ter certeza se a fada apareceria. Ele podia realmente falar com o príncipe naquela noite?

O fogo acendeu no instante em que ele o fitou e a fada das chamas surgiu através dele, sorridente.

-Muito bem, não temos muito tempo. Não queremos que você chegue atrasado.-ela disse.-Então, abra os braços e feche os olhos.

-Fechar os olhos?-Renge repetiu.

-Sim. É uma surpresa.

Renge crispou os lábios, mas fez o que a fada pediu. Ele viu uma incandescência forte diante de suas pálpebras fechadas e um calor intenso percorreu seu corpo. Sentiu que suas roupas haviam mudado e, antes que pudesse achar algo estranho somente com o tato, a fada disse:

-Abra os olhos.

Renge viu-se em um longo vestido violeta e prateado, cujas mangas eram largas e a cintura justa com um corsette. Haviam várias camadas sob a saia e, embaixo delas, Renge sentia sapatos de salto em seus pés. O decote alto do vestido era quadrado e, no pescoço de Renge, havia uma exuberante gargantilha de prata e diamantes.

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-U m vestido?!-Renge olhou para a fada, perplexo demais para ficar irritado.

-Você quer conversar com o príncipe, não quer?-o pequeno ser falou.-Não acho que o rei vá permitir que ele fale muito com alguém que não seja do sexo feminino.

-Mas...isso é absurdo!-Renge protestou.

-Não é, você está adorável.-a fada disse.-Só falta...

A fada fez um aceno e uma máscara violeta se materializou sobre o nariz do garoto.

-Não se pode ir a um baile de máscaras sem uma máscara.-ela disse.

-M-mas como eu vou chegar até lá?-o rapaz quis saber.

-Carruagem, é claro.-a fada respondeu.-Tem uma lá fora, esperando por você. Já providenciei isso.

Renge olhou para baixo, para o belo vestido violeta que vestia, e, então, sorriu.

-Obrigado.-ele agradeceu.-Muito obrigado mesmo.

-Não é nada.-a fada fingiu corar.-Apenas divirta-se e capture aquele príncipe.

Renge corou.

-E-eu não tenho a intenção de fazê-lo se apaixonar por mim ou algo assim...-ele se apressou em esclarecer.-Apenas quero falar com ele uma vez, antes que ele se case...

-É claro, é claro.-a fada balançou a cabeça.-De qualquer modo, apenas vá e divirta-se, sim?

-Obrigado.-o garoto repetiu.

-Ah, e tem mais uma coisa, quase esqueci!

-Sim?

-Escute bem, pois é muito importante. Essa magia dura apenas até a meia noite.-a fada explicou.-Depois disso, o vestido e a carruagem vão desaparecer.

-Entendi.-Renge acenou afirmativamente.-Será o suficiente, obrigado.

-Boa sorte.-dizendo isso, a fada sorriu e desapareceu.

Quando Renge chegou ao palácio, considerou voltar para casa. A visão de dezenas de pessoas nobres em roupas elegantes, bebendo, dançando e conversando o assustou. O salão cintilava com o brilho das jóias e parecia um confuso arco-íris com as cores dos vestidos.

Atordoado e intimidado, Renge entrou timidamente, tentando não ser visto. Não havia dado dois passos, porém, quando viu Suzaku caminhar em sua direção.

Apesar da máscara dourada, era impossível que Renge não o reconhecesse. Ele emanava uma aura de realeza inegável em suas roupas brancas com detalhes em ouro. Estava mais atraente do que nunca e o garoto corou, também, como nunca.

-Ah, seja bem vinda, fico muito feliz que tenha vindo.–ele disse, passando o braço pelos ombros de Renge.-Venha comigo, coma algo. Por aqui vamos...

Renge achou que tivesse perdido para sempre a capacidade de falar e pensar, enquanto era conduzido pelo príncipe até a mesa onde estava disposta a comida. Estavam tão próximos que Renge podia perceber agora, com clareza, os 25 centímetros de altura que os separavam.

Quando pararam diante da mesa, o príncipe Suzaku finalmente virou-se para ele, sorrindo como se pedisse desculpas.

-Me perdoe por isso.-ele falou.-Estava tentando me livrar de duas irmãs loucas... Elas não paravam de falar nem um segundo.

-N-não...T-tudo bem.-Renge se apressou em dizer, balançando a cabeça.

-Essa festa é um problema.-o príncipe falou, olhando em volta.-A pior idéia que mamãe já teve.

Renge não soube o que dizer e também não sabia se teria fôlego para fazê-lo, por isso, permaneceu calado. Enquanto isso, Suzaku tornou a olhá-lo, dessa vez com atenção.

-Qual é o seu nome?-ele perguntou.

-Aah...-Renge fez, nervosamente. Não podia dizer seu verdadeiro nome, pois talvez o príncipe o associasse ao garoto sujo do ateliê.-Cinderella.

-Oh, é um nome diferente, mas bonito...-Suzaku disse.-Acho que nunca nos vimos antes, Cinderella.

-É, acredito que não.-Renge falou, rapidamente.-E-eu moro muito longe do palácio.

-Verdade? Em que área?

-Ah, isso...Eu não sei dizer.

-Então...em que sua família trabalha?-o príncipe tornou a perguntar.-Seu pai pode ser um conhecido...

-Minha família...-Renge não conseguiu pensar em uma boa resposta.-Não posso falar sobre isso.

-Oh.-Suzaku pareceu surpreso, mas, então, sorriu.-Você é tão misteriosa quanto o seu nome...E tão bonita quanto ele também.

Renge não conseguiu encarar aquele sorriso por muito tempo e baixou os olhos para o chão lustroso do salão.

-Que reação adorável.-ele ouviu o príncipe dizer.-Mas será que você pode me dizer se gosta de dançar?

-Dançar?-Renge arregalou os olhos novamente. Jamais havia aprendido a dançar.-Ah, eu nunca tentei, na verdade...

-Nunca tentou dançar? Mas que absurdo! Venha comigo.

Renge teve sua mão tomada por Suzaku, que começou a levá-lo ao centro do salão, onde vários casais rodopiavam ao som de uma valsa.

-N-não!-Renge usou toda a sua força na direção contrária.-Seria embaraçoso, na frente de tantas pessoas.

Suzaku parou e o olhou, franzindo o cenho, mas parecendo divertido.

-Então...por aqui.

Novamente, ele conduziu Renge, dessa vez através das portas do salão, até o jardim. Sob um forte luar, as sebes altas e árvores do jardim se banhavam de prateado, com uma sensação etérea e tranqüilizante, quebrada apenas pela música vinda do salão.

-Muito bem, aqui ninguém irá nos ver.

Com essas palavras, ele puxou Renge para perto de si, colocando uma mão em sua cintura. Ele levou o braço do garoto ao ombro e depois segurou sua outra mão.

-A-alteza...-o garoto murmurou, sentindo o rosto esquentar.

-Não é difícil.-o príncipe falou.-E a conduzirei, apenas me acompanhe.

Renge achou mais difícil controlar a própria respiração à controlar seus pés. Na realidade, foi capaz de seguir os passos do príncipe sem muita dificuldade e, logo, estavam valsando com delicadeza sob as estrelas, sozinhos na brisa noturna.

O garoto percebeu que, naquele momento, o sorriso do príncipe o estava acalmando em vez de deixá-lo nervoso. Enquanto dançavam, conseguiu trocar palavras com ele sem corar e perder o fôlego, e, quando se separaram para sentar em um banco de pedra, estava conversando com o rapaz, exatamente como sempre sonhara fazer.

-Ah, você é mesmo diferente, Cinderella.-o príncipe falou, sentado no banco frio.-Até mesmo seu cabelo. É muito raro ver moças de cabelo curto.

Ele tocou as pontas dos cabelos negros de Renge, que mal chegavam aos seus ombros.

-Isso é ruim?-ele perguntou.

-De forma alguma.-Suzaku sorriu.-Eu gosto de cabelos curtos. Prefiro-os àqueles penteados enormes, como os que minha mãe usa.

-Também não gosto.-Renge concordou, pensando nos cabelos das irmãs e nas horas que levou para arrumá-los naquele dia.-Pequenos animais poderiam se perder lá dentro. Digo por experiência.

Suzaku riu prazerosamente.

-Ah, você é única.-ele disse.-Nesse instante, eu sei que você quebrou o braço quando era criança, sei sua comida favorita, sei que gosta de cavalos e de macieiras, sei que odeia cabelos longos...mas não sei onde você mora e como vive. O que isso quer dizer?

Renge sorriu.

-Me desculpe.-disse.-Eu realmente não posso dizer.

-Eu entendo...-Suzaku falou, mas pareceu contrariado.-Mas não gosto disso.

O príncipe o encarou, sério. Renge corou ao ver-se refletido em suas íris azuis.

-Cinderella, eu me decidi.-ele falou.-Escute bem, pois é muito importante..

“Escute bem, pois é muito importante. Essa magia dura apenas até a meia noite.”

-Ah, está tarde.-Renge ergueu-se.-Eu preciso ir.

-Ah? Mas já?-Suzaku também se levantou.-Ainda nem é meia-noite.

-Preciso ir.-Renge repetiu. Não sabia exatamente que horas eram, mas não podia ser cedo.-De verdade.

-Espere.-Suzaku pediu.-Como posso encontrá-la?

-Não pode.-Renge disse, assustado ao pensar em encontrar o príncipe novamente, com suas roupas normais.-Ah, obrigada por tudo. Adeus.

-Espere! Cinderella!

Renge correu de volta para o salão, ouvindo o príncipe segui-lo. Ele misturou-se às pessoas, tornando difícil a perseguição e, então, disparou até a saída. Uma lufada de vento frio o atingiu, soprando para trás sua máscara violeta, mas o garoto não parou de correr.

Quando entrou na carruagem que o esperava, viu de relance o príncipe descer as escadas correndo. Quando os cavalos começaram a correr para casa, Renge escondeu o rosto das mãos e chorou.

Renge acordou com o sol entrando por uma fresta na janela da cozinha. Na noite anterior, adormecera sentado no banco junto ao fogo. A primeira coisa que cruzou sua mente foi se teria sonhado, mas, então, ele viu a mensagem deixada com fuligem nas paredes de pedra do fogão.

“Espero que tenha se divertido ontem à noite. Deixei que ficasse com a máscara como lembrança porque sou uma fada muito generosa.”

A máscara havia caído na escadaria, então, Renge não podia mais tê-la, mas as lembranças do baile ainda estavam nítidas em sua mente e não a deixariam com facilidade.

A madrasta e suas filhas acordaram depois do meio-dia, com os pés inchados e dores de cabeça. As duas garotas não paravam de reclamar sobre o príncipe não ter lhes dado atenção.

-Desapareceu no começo da festa!-reclamavam.-Um horror!

Renge tomou o cuidado de manter o rosto baixo enquanto colocava o almoço na mesa.

Algumas horas depois, no ateliê, uma das clientes comentou com a madrasta:

-Você ouviu? O príncipe está dando voltas pelo reino, em busca de uma garota misteriosa que encontrou no baile ontem.

Renge quase deixou cair os alfinetes que segurava.

-Uma garota de cabelos curtos e escuros. O guarda do palácio que é amigo do primo da minha vizinha falou que ele pretende tomá-la como esposa, e não vai aceitar nenhuma outra.

-Que maluca!-Marie falou, parecendo ultrajada.-O príncipe a quer como esposa e ela foge dele? Como é possível?!

“Isso é terrível”, pensou Renge. “O que eu farei se ele me encontrar?”

O garoto temeu a idéia a maior parte dos dias que se seguiram. Para sua sorte, quando ouviu o grito de “Abra em nome de sua alteza real, o príncipe Suzaku.”, a madrasta saltou na frente de Renge.

-Desapareça, garoto imundo.-ela disse.

Agradecendo às manchas de sopa em seu avental, Renge se recolheu para a cozinha.

-Boa tarde, Alteza.-ele ouviu a madrasta dizer, em tom educado.-A que devo a honra?

-Estou procurando uma jovem.-Renge mordeu o lábio ao ouvir a voz do príncipe.-A senhora não a teria visto? Ela tem essa altura, cabelos escuros e curtos.

-Não creio que tenha visto, alteza. As únicas moças nesta casa são minhas filhas, Marie e Ania. Vou chamá-las.

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-Não, não é nesc...

-Mamãe, nos chamou?-Marie e Ania pareciam ter surgido prontamente na sala.

-De fato, a jovem que eu procuro é completamente diferente.-Suzaku disse.

Renge podia sentir o coração bater contra seu peito. O príncipe queria mesmo reencontrá-lo? Se apaixonara por Renge, tanto quanto o garoto havia?

“Eu quero vê-lo...somente vê-lo...”

Respirando fundo, Renge inclinou-se na curva da parede, para vislumbrar o hall rapidamente. Porém, no momento em que ele o fez, Suzaku olhara em sua direção. Renge recolheu-se rapidamente, mas era tarde.

-Você! Espere!

O garoto tentou correr para dentro da casa, mas não havia passado um cômodo quando sentiu seu pulso ser firmemente preso entre os dedos do príncipe.

-Olhe para mim.-Suzaku disse.-É uma ordem.

Renge hesitou vários segundos, procurando coragem para virar-se. Quando o fez, ergueu os olhos para encarar o príncipe, o rosto pálido de medo. Suzaku, porém, abriu um largo sorriso de satisfação.

-Encontrei você, Cinderella.-ele falou.-Finalmente.

-A-alteza...-Renge murmurou.-Deve estar cometendo um engano...e-eu sou um garoto...

O príncipe se aproximou dele mais um passo.

-Bom, isso é um choque e tanto.-ele disse.-Você realmente parecia uma garota. Mas eu sei que é você.

-C-como...?

Suzaku tocou-lhe os lábios suavemente para fazê-lo parar de falar e deslizou os dedos pelo seus cabelos, ternamente.

-Acha que eu não reconheceria você?-ele falou.

Dizendo isso, ele retirou a máscara violeta de Renge do bolso do casaco e a colocou em seu rosto.

-Seus olhos são inconfundíveis. E eu os amo.

O garoto corou sob a máscara e, sem que pudesse controlar, um sorriso surgiu em seus lábios.

-Bom, agora que eu encontrei você, vamos nos casar, sim? Já perdemos tempo demais.

Suzaku fez menção de conduzi-lo até o hall, mas Renge não se mexeu.

-Mas Alteza!-ele falou.-É impossível, eu sou um garoto...

-Ah, é verdade, isso pode ser um problema.-Suzaku também parou, pensativo.

Renge baixou a cabeça.

-É melhor nós...

-Eu já havia mandado fazer um vestido de noiva...-Suzaku falou.-Mas ainda há tempo de fazer outra roupa. A não ser que você queira usar o vestido. Eu realmente não vou reclamar.

O garoto ergueu os olhos, perplexo, para vê-lo sorrir.

-Para duas pessoas que se amam não há empecilhos.-falou.-Vamos indo.

Renge e Suzaku se casaram e foram viver no castelo do príncipe. A rainha ficou encantada ao ser apresentada ao futuro genro e não demorou a apegar-se a ele como a um filho. Renge não tornou a procurar as irmãs e a madrasta, mas ouviu dizer que seus negócios caíram com a partida do garoto. Mas Suzaku não permitiu que ele se preocupasse com isso, demandando cada instante de sua atenção, todas as horas do dia. Assim eles viveram o resto de seus dias, felizes para sempre.