Living Behind Books

Chapter One ...Deaf.


Todos da minha família tiravam uma com a minha cara porque eu preferia um bom livro à um vídeo-game.

Aposto que se eu fosse viciado no meu Wii, eles reclamariam.

O único que não me tirava era o filho do vizinho do meu pai, o Aki-kun. Ele não era da família propriamente dita, mas eu o considerava como um irmão. Ele que alimentava meu vício com chocolates. Todo sábado eu ia a sua casa, e no domingo ele ia à minha. Era como uma escala.

-Tó. – ele me entregou uma sacola, se sentando em minha cama. – Eu achei aqueles que você comentou, com amêndoas e castanhas. – ele se referia à um chocolate que eu havia pedido na semana passada. Meu deus, com o Akira como amigo, quem precisa de Papai Noel?

-Arigatou, Aki-kun! – sorri, o abraçando e me sentei ao seu lado, pegando um dos chocolates, o abrindo e começando a comer. Ah, chocolateeee....

-E aí, Ru-chan? Falou com o loiro bonitão lá da livraria?

Argh!

As vezes a forma de ir direto ao assunto dele me deixava encabulado.

Ta certo, eu falei para ele sobre o loiro, ele era meu confidente desde a primeira série.

Um confidente desastrado, mas um confidente.

-Nee, Aki-kun.

-Nani, Taka? – ele me olhou, piscando.

-To gostando da Mi-chan. – sorri, sem jeito, bobo, só de pronunciar o nome dela, um típico garoto de sete anos.

-Sério? – ele sorriu também e se levantou da cadeira.

-A-aki, o que você vai fazer?

-MI-CHAAN!

A garota se virou, olhando para a gente.

Fiquei extremamente corado.

-O TAKANORI-KUN GOSTA DE VOCÊ! – ele balançou os braços sorrindo.

-Não. – suspirei, dando mais uma mordida no chocolate, o sentindo derreter em minha boca.

-Ah, que viadagem, fala logo. Chama pra sair, sei lá eu. O gay é você, mesmo. – ele deu de ombros.

-Baka! – dei um tapa em sua nuca.

-Hey, eu te trouxe chocolate! Não me bata, seu ingrato!

Ri divertido, afagando seus cabelos e me levantei da cama, indo para a escrivaninha, junto com a sacola de chocolates.

Puxei meu caderno de desenho, onde havia alguns desenhos e alguns esboços que eu fazia no metrô na volta da escola, na livraria ou em casa mesmo. Folheei até o final, onde havia um desenho terminado, sombreado e tudo.

-Esse é ele, Reita. – entreguei o caderno ao outro loiro, na página certa.

O vi analisar o desenho, concentrado.

Era um desenho do tal loiro que eu havia feito na livraria, enquanto ele lia um manga. Sempre fui um bom fisionomista, quanto mais desenhista.

-Meu, você exagerou nessa boca, hein! – ele riu.

-Eu não exagereeei! Não exagerei!

-Duvido!

-É sério! Baka! A boca dele é assim!

-Pára, você só ta fantasiando! – ele me devolveu o caderno.

-NÃO ESTOU!

-Então prove!

Mordi meu lábio inferior. O Akira era um filhinho da puta quando queria.

-Viu, o desenho é falso.

-Amanhã...

-Amanhã?

-Amanhã tiro uma foto dele com o meu celular e te mostro!

-Como, se nem falar com ele você fala?

Ah, Reita, eu te odeio.

-E-eu dou um jeito.

-Então vai falar com ele?

-Não! Eu...Finjo que estou mexendo no celular normalmente e tiro a foto.

-Ele vai perceber.

-Não vai, não.

-Vai.

-Não vai.

-Vai.

-Reita, vou te enforcar.

O vi gargalhar, e depois arrumar a faixa em seu nariz. Eu nunca descobri o real motivo para ele usar aquele treco broxante na cara, mas tudo bem.

Naquele dia, Reita foi embora tarde de minha casa. Embora tivéssemos aula no dia seguinte.

A aula foi chata e triste.

Falamos sobre genocídio a aula de História inteira. Algumas garotas choraram quando o professor começou a narrar como a maioria dos prisioneiros de guerra morriam.

Confesso que cochilei umas duas vezes, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.

Depois da aula, fiz meu trajeto comum. Peguei o metrô até a casa da minha mãe, tomei um banho, comi alguns onigiris, e fui para a casa do meu pai. Conversei um pouco com ele sobre uma oportunidade de emprego e depois...Olá, livraria do meu coração!

Não vi Kai no primeiro piso, então fui direto para o segundo, me entreter com algo. Fui até a seção de Literatura Internacional e peguei um tal de A Menina Que Roubava Livros. Todos diziam que era bom, sempre fui pé-atrás, mas decidi ler.

Porra, a Morte que ia narrar a história?

Fiquei interessado e me sentei numa mesa livre para ler o livro. Comecei a ler com o livro com bastante fascínio e irritação. Minha franja não parava quieta, sempre caindo sobre meu rosto. Eu devia raspar essa merda de cabelo.

-Sumimasen... – ouvi uma voz grave soar próximo, muito próximo de mim.

Ergui os olhos, jogando a franja loira de lado. Oh. Meu. Deus.

-S-sim?

-Ah, eu não queria incomodar, mas...Será que eu poderia dividir a mesa contigo? As outras estão ocupadas e- -

-Claro, claro, s-sente-se. – eu disse, tentando manter o queixo no lugar e o rosto na cor original, sem aquele rubor chato, enquanto o loiro sorria para mim, agradecendo.

Ele se sentou à minha frente, pondo o livro que segurava na mesa.

Hoje ele usava uma regata branca justa com um jeans igualmente justo. Deuses, eu poderia passar o resto da minha vida olhando para aquelas coxas. Ou as mordendo, claro.

Seu cabelo loiro pendia levemente para frente, ocultando parte de seu rosto enquanto ele abria e folheava o livro.

Agora era minha chance de falar com ele, chama-lo para sair, qualquer coisa.

-Nee... – comecei, com a voz baixa, tão baixa, que eu jurava que ele não a tinha ouvido.

-Hm? – ele sorriu para mim, me fitando. Que sorriso mais lindo...

-E-eu... – saco, Takanori, fala logo! – E-e...Esse livro é bom? – sorri nervoso, apontando para o livro que o rapaz segurava.

Ele mesmo olhou para a capa. A Tulipa Negra, de Alexandre Dumas.

-Me disseram que era bom. – ele sorriu. –Fala sobre...Uma tulipa negra.

Rimos divertidos. É, ele aparentava ser um cara legal.

-E o seu? É bom? – ele manteve o sorriso, passando a mão pelo cabelo, o jogando para trás. Oh, deus, uma ereção agora não.

-Hm...Aparentemente, sim. Se passa na Alemanha e...A Morte é a narradora, é tudo que sei até agora. – nem acreditava que eu falava sem gaguejar.

-Parece interessante. – ele sorriu. – Vai comprar?

Corei.

-N-não...Eu só...Venho aqui pra ler, sabe? Não gosto de bibliotecas.

-Nem eu. – ele balançou os ombros, suspirando. – Então...Boa leitura, pequeno.

-A-arigatou. Pra você também. – sorri, abaixando os olhos. SACO!

O vi baixar os olhos, iniciando a leitura, concentrado. Como ele ficava lindo daquele jeito tão...Nerd. É, eu tenho tara por caras inteligentes. E gostosos, claro, por que não?

-Tadaima! – eu disse relativamente alto, esperando que minha avó ouvisse. Minha mãe ainda não chegara do trabalho e a velha surda estava morando com a gente.

-Ehh? – a ouvi dizer.

-EU CHEGUEI, OBAA-SAN! – gritei a plenos pulmões.

-Eu te ouvi, Daisuke! – a velha disse.
TAKANORI, OBAA-SAN!
-Eu sei, Takashi. – maldita...

Revirei os olhos e subi as escadas em direção ao meu quarto.

-Daisuke, Takashi, Tooru, Takeru...Qual será o próximo? Takamasa? – suspirei, me jogando na cama. Tirei as meias passando um pé no outro e engatinhei até o criado mudo, encaixando meu iPod na base da caixa de som dele, o ligando.

Uma melodia um tanto depressiva começou a tocar. Tanto faz, eu gosto dela.

Rolei na cama. Era tão fácil chegar e falar “Oi, meu nome é Takanori, mas pode me chamar de Ruki...Então, eu te vejo aqui todo dia e tal...Que tal sairmos um dia desses?”.

TÁ, NÃO É FÁCIL.

Se ele for hetero, meu mundo acaba.

Enfiei a cara no travesseiro, prendendo a respiração. Mas...Ele não parece nem um pouquinho hetero para falar a verdade.

Por mim, eu diria que ele era uma verdadeira bichona, embora não rebolasse e nem tivesse tiques de bichona. E a voz dele também nem combina com o estereótipo ‘bichona’...Ah, aquela voz...

Quanto eu não daria para ouvir aquela voz colada no meu ouvido, sussurrando, gemendo...Gritando...

Enfiei minha mão dentro da minha calça, suspirando e afundando ainda mais a cara no travesseiro e - -

-TAKAMASAAA!

MALDITA VELHA SURDA, ESPERO QUE MORRA ROLANDO A ESCADA!

TAKANORIII! – berrei, me levantando da cama.

Me olhei no espelho que tinha na parte de trás das minha porta, arrumando o cabelo que, de tanto eu rolar na cama parecia um sei-la-o-que, e depois...Eu tinha que dar um jeito no volume na calça, a velha não podia me ver assim!

Ta, era só pensar em algo extremamente escroto e...Certo, abaixou!

...

...Nem queiram saber no que eu pensei.

-Fala, obaa-san. – suspirei, descendo as escadas, indo de encontro à ela.

-O Akiya no telefone! – ela berrou. Jesus, vou enforcar ela. E quem diabos era Akiya?

-Quem?

-Por acaso você é surdo, moleque?! – ta, eu vou empurrar ela da escada.

Peguei o telefone da mão dela, atendendo.

-Akiya? WTF?! – ouvi uma voz conhecida dizer do outro lado da linha, gargalhando.

-Ah, Akira, é você. – revirei os olhos. – Ainda jogo aquela velha da escada.

-EU OUVI ISSO, YASUHITO! – ela gritou da cozinha. Meu, daonde ela tirou o Yasuhito? E como ela ouviu? Maldita...

-...- Reita gargalhava do outro lado da linha. Feito um louco.

-Não ri, minha vida é trágica. – suspirei, me jogando no sofá.

-Tá, desculpa...Yasuhito!

-Vai a merda, Akira. – ri nervoso.

-QUEM VOCÊ TA CHAMANDO DE AMEBA, SEU ANÃOZINHO MAL CRIADO? – ela apareceu na porta da sala segurando uma colher de pau. Meu deus...!

-E-eu não chamei ninguém de ameba, obaa-san. – olhei bem pra cara enrugada dela.

-Moleque mal educado...Tua mãe vai saber disso, Youji. – MINHA VÓ ANDA COM UM LIVRO DE NOMES PARA BEBÊS, NÃO É POSSÍVEL. – Ameba...Hmpf. – e voltou para a cozinha.

-Ah...Fala, Aki - -

Não consegui manter o telefone na minha orelha, o moleque tava tendo um ataque do outro lado, quase me deixou surdo!

-AMEEEBAAAA! – ele disse, antes de cair na gargalhada de novo.

-Não teve graça, Akiya. – ta, teve sim, mas eu não ia assumir.

-Yuukiiii! Onde estão os hashis? – deuses, o que aquela velha ia fazer na cozinha.

-Tá na gaveta de baixo, vó!

-E POR QUE VOCÊS PÕEM OS HASHIS NA GAVETA DE CUECAS? –ta, agora eu iria gargalhar. E alto. E eu quase cai do sofá rindo.

-Obaa-san, eu disse GAVETA DE BAIXO. – gritei.

-E NÃO GRITA COMIGO NÃO, MOLEQUE SAFADO.

Respirei fundo e voltei a falar com o Akira.

-Fala, Reita.

-Ai, cara, a velha já parou com os ataques aí? – eu podia jurar que ele estava secando as lágrimas agora.

-Já, já...Fala.

-Tirou a foto?

FILHO DUMA...

Saco, esqueci de tirar a maldita foto. Ah, o importante é que eu conversei com ele hoje.

-Não. Esqueci.

-MENTIRA!

-É sério, Akira, eu fiquei conversando com ele e - -

-Você conversou com ele? E aí, chamou pra sair?

-Não.

-Seu viado fresco! Por que não?

-N-não consegui...E não fale nesse tom comigo! – suspirei.

-Ah, meu deus, você precisa largar de viadagem e falar logo com esse cara.

-Meu, e se ele namorar? E se não gostar de garotos?

-Simples, tu se veste de menina.

-SE FERRAR, AKIRA. – Reita e suas idéias idiotas.

-Tá, mas...Eu só quero que você seja feliz. Seja com esse cara ou não.

Ah, meu Rei-chan, sempre tão legal comigo. Embora eu saiba que ele vai me chamar de Yasuhito até a morte.

-Tadaima! –dessa vez fora a voz da minha mãe.

-Aki, tenho que ir.

-Minha sogra chegou?! – ele sempre com essa piadinha.

-Chegou, chegou. Bai.

-Baai!

Desliguei o telefone e fui de encontro à minha mãe, a abraçando.

Ela era legal comigo, o problema mesmo era meu pai.

Ah, e a avó surda é claro.