Quase Sem Querer

Capítulo 16 - Nada por mim


Câmbio? Ligado?

Eu estava mesmo ouvindo direito? Ok, que eu tinha tido alguns problemas com o ouvido nos últimos anos e... Vocês sabem, problemas de ouvido afetam até o dedinho do pé. E dessa vez eles chegavam até meu sistema cardíaco.

-Você se lembra disso?

E eu ouvi claramente aquela voz rouca perguntando com tanta convicção que minhas pernas vacilaram.

-Não da para esquecer – a outra voz respondeu.

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Engoli em seco. Balancei a cabeça.

Não. Talvez fosse só um sonho, um pesadelo, é. Exatamente isso.

Mas as coisas estavam claras demais para ser um simples sonho. Nítido demais.

-E nem tente.

Tapei os ouvidos com as mãos, pressionado as mesmas aos lados do rosto.

Eu me sentia tão idiota. Porque além de ter sido feita de besta, de ter sido a maldita secundária daquela maldita história toda, eu estava agora chorando. Chorando por ter sido enganada, ter sido usada para ser personagem de uma história de romance antiga, chorando porque eu havia sido boba de acreditar em algo que desde o começo eu sabia que não deveria.

Joguei todas as minhas roupas na maldita mochila, catando tudo que era meu pelo quarto. Vesti um short jeans e o um moletom branco do Mickey, calçando meus all stars meio brancos meio marrons, enfiando celular no bolso e prendendo os cabelos. Por fim eu coloquei o panfleto que antes tinha na pequena bolsa em um dos bolsos do moletom.

Respirei fundo e tentei ignorar os murmúrios que ainda podia ouvir de ambos. Passei as costas das mãos por meu rosto.

Aquele lugar me abafava e como a criança assumida e de carteirinha que sou, o que eu mais queria naquele momento era simplesmente sair dali.

Certifiquei-me que debaixo da janela não havia ninguém e joguei minha mochila por lá. Agradeci quando só se foi escutado um barulho baixo e amortecido. Capturei todo o ar que meus pulmões conseguiam mas meu coração estava tão acelerado que somente ele já parecia contribuir para que minha respiração se tornasse descompassada, engoli o bolo que se formava em minha garganta.

O quarto estava sem aparente minha existência ao não ser pelo pijama de Pokémon pousado na cama.

A briga vinha do quarto ao lado. Se eu não fizesse barulho algum até descer, passaria despercebida. E foi isso que eu fiz, abri a porta lentamente, andei a passos sorrateiros até a escada. Ainda deveria ser cedo e a única coisa que se podia ouvir eram as falas abafadas dos dois. Parecia menos nítido pelo corredor.

Desci as escadas silenciosamente. Dali debaixo a casa parecia em puro silêncio. Já estava quase tocando a maçaneta da porta de entrada quando a voz ritmada de tia Dora, mãe da Gabriela, me assustou.

-Já acordadinha, querida? - Ela tinha nas mãos uma xícara enorme e fumegante.

Exibi um sorrisinho cansado e nervoso.

-É, vou passear com o Dougie - falei à justificativa que já tinha em mente.

-Ah, mas antes você tem que comer alguma coisinha - essa mania de falar no diminutivo me dava gastura.

-Na volta - falei, tratando de me esquivar - Gosto de andar assim, quando o sol ainda não está o de meio dia.

-Eu também - ela sorriu. - Esse sol das 7 da matina faz bem.

-Então... - cocei a garganta. - Já vou indo.

-Certo certo.

-Tchau tia Dora.

-Espere! - ela gritou e um silêncio enorme foi se seguido na casa. Arregalei os olhos, assustada. - Deixa eu abrir a porta pra você.

Soltei o ar que prendia nos pulmões, mas foi quando ela fechou a porta atrás de mim enquanto eu seguia para o quintal, que eu forcei minhas pernas a correrem desembestadas.

Pulei a cerca do quintal (parentesco com os Ninja, prazer) e corri até onde provavelmente estaria minha mochila, tentando ser discreta. Mas minha ideia foi por água abaixo quando vi Dougie com o focinho metido na mochila. Meus olhos mais uma vez se encheram.

-Sai Dougie! - tentei expulsá-lo com leves empurrões. Talvez se eu fosse bruta com ele, o cachorro sairia correndo e começaria a falar e a agradecer porque eu estava indo embora. Mas foi tudo ao contrário do que eu pensava. Principalmente porque eu não era nenhuma filha do Dr. Dolittle.

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Aquele cachorro idiotamente amável ficou muito mais feliz a me ver ali, ao seu lado. Sua calda debatia-se em todos os lugares e suas patas estavam em minha cintura, enquanto ele lambia todo meu rosto. Solucei, dando um abraço de despedida meloso e o qual eu julguei que fosse o último, mas solucei ainda mais quando senti que ele ainda cheirava ao perfume de Diego.

-Eu tenho que ir, garoto - passei as mãos em sua cabeçorra. Seus olhos caramelos e expressivos fitaram os meus olhos. Eu jurava dizer que ele me entendia. Talvez entendia mais do que qualquer pessoa entenderia.

Apoiei a alça da mochila num dos ombros e saltei a cerca, quase caindo de cara na terra como no 1º dia, deixando para trás um cachorro com as patas apoiadas na mesma, inclinando a cabeça para o lado e erguendo as orelhas como se perguntasse em tom de incredulidade “você não vai me levar?”