Sabor

Primeira vez


Se fosse descrever a cena, poderia simplesmente dizer que aquela era uma tarde tediosamente comum.

Não estava quente. Não estava frio. Não tinha pôr-do-sol de fundo nem canto de pássaros como trilha.

Não podia estimar que horas fossem e o fato não lhe tinha qualquer importância, de modo que podia tranquilamente ignorá-lo.

Mas não estaria se dando ao trabalho de pensar sobre esses fatos desnecessários se não houvesse um elemento a mais ali, algo que valesse a pena tentar guardar na memória cada pequena peça daquele todo monótono.

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Caído atrás de um grande sofá. Só havia visto a beirada do retângulo vermelho. Podia ser um pedaço de papel, um brinquedo qualquer.

Mas desconfiou e, depois de dignar-se a ir ver o que era e poder sentir o peso, leve, da barra fina enrolada no papel decorado com suntuosas letras negras, não demorou muito a descobrir o que de fato tinha entre os dedos.

Um dos chocolates de Mello.

Se fosse pensar, já os conhecia há tempos.

Imaginava a textura e sabia o som que fazia ao ser partido entre os dentes.

Não precisava esforçar-se para resgatar o odor, sempre impregnado em todo o ser do loiro.

Agora, descobria a massa e a rigidez, apertando-o de leve e brincando com a forma tão perfeita.

Só que sequer imaginava o gosto que tinha.

Já comera chocolate, certo. Mas em bolos e bombons que L trazia por vezes. Nunca experimentara a barra pura que tanto seduzia, enlouquecia e dominava Mello.

Puxou o papel com cuidado. Reconhecia facilmente a sinfonia da embalagem rasgando, mas queria conhecê-lo mais. Desdobrando-o com cuidado, logo se encontrou com o tal.

As fileiras o encaravam solene, apenas aguardando.

Mas, sinceramente, não eram lá muito convidativas.

Poderia perfeitamente parar por ali mesmo, sem maiores remorsos. Mas aquela era uma chance única.

Provavelmente, nunca mais teria a oportunidade de provar o sabor daquele doce. Dos chocolates de Mello.

Os lábios abriram-se pouco, suficiente, aliás, e a língua logo pode explorar o quadradinho que conquistara com a barra ainda presa entre os dentes.

Era engraçado o modo como ia se dissolvendo...

- Então foi você quem pegou!

As passadas firmes e pesadas culminaram em um tapa que arrancou o chocolate de suas mãos. O ódio estampado nos olhos era genuíno. E ainda podia sentir a marca do crime derretendo-se lentamente na boca.

Os orbes passaram da barra violada para os lábios.

Sujos.

Nem para comer chocolate direito aquele imbecil servia!

As mãos avançaram agressivas e determinadas. O estalar do tapa logo reviraria pelas paredes, sem dúvidas. Ou talvez o baque incerto de um soco.

Afinal, não tinha mais o que fazer. O pedacinho de barra estava já em sua boca.

Talvez Mello o fizesse cuspir?

Os fios na nuca foram tomados, a dor veio saudar-lhe enquanto o corpo era puxado na direção de Mello.

Odiava aquela submissão forçada, mas também não estava tentado a reagir. Nunca estava, na verdade.

A dor furava-lhe o couro cabeludo castigado quando a cabeça foi puxada pra trás e foi obrigado a ver os olhos de Mello tão próximos.

E foi exatamente como o chocolate, que pode ouvir Mello guardando num bolso. O papel se amassando...

Conhecia-o já. Mas, ao mesmo tempo, não sabia o sabor.

E era igualmente engraçado como se dissolvia.

Sentiu os dedos empalmarem-se e os fios sendo mais suavemente puxados, enrolados.

Uma mão quente veio escorrer-lhe pelas costas, forçando uma aproximação maior.

A boca foi-lhe tomada.

Antes eram apenas os lábios, mas aproveitando-se um protesto, Mello não hesitou em aprofundar as coisas, a língua despudorada e ágil encontrando-se com a outra, irritantemente quieta.

Podia sentir o gosto do chocolate.

Com os fios novamente possuídos com firmeza, o beijo foi interrompido à força. Near recebia com gosto golfadas de ar, o peito subindo e descendo. Chocando-se com o corpo de Mello sem querer.

- Nunca mais pegue meus chocolates.

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Os toques se foram. Near se deixou cair no chão, os dedos passando suaves e lentos pelos lábios. Ao longe, o som do papel brutalmente rasgado fez-lhe cócegas na imaginação, pensando em como Mello estaria agora.

Uma coisa aquela tarde lhe ensinara, afinal.

Chocolate era bom.

Porque tinha o gosto do Mello.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.