Morning Light

VIII - Do I mess up the things in your head?


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– Melhora essa expressão. As câmeras notam tudo. – Lori me deu um beliscão quando falou isso e eu percebi que estava fazendo alguma careta em frente a toda aquela cena.

Eu nem mesmo sei como o resto da coisa se desenrolou, apenas me lembro de entrar em meu quarto, inquieta e ao mesmo tempo cansada e encontrar uma criatura esguia e loira em minha cama.

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Eu não acreditei nos meus olhos encarando aqueles olhos arregalados.

– Primie. – sua voz rouca disse.

– Annelys. – eu corri e dei um abraço na minha amiga. Fazia tempos que eu não a via e ela estava cada vez mais alta e magra.

Ela deu uma risadinha com minha animação.

– Tudo bem, agora me diz qual fantasma você viu para entrar no quarto daquele jeito? – ela diz, como sempre, sorridente.

– Nenhum. – digo querendo mudar de assunto. – Como estão as coisas?

– Não mude de assunto.

Esse sempre será o problema de amigos muito próximos. Não importa o quão você tente mentir ou esconder as coisas, eles apenas sabem. Conheci Annelys quando tinha apenas dez anos. Era inicio de ano e era um dos meus primeiros anos na escola. Meu pai me ensinou a ler e minha mãe me ensinou a fazer contas, então acabei passando um bom tempo longe da escola. E Annelys era nova na cidade.

No primeiro dia ela vestia uma blusa com um gatinho na estampa, na hora lembrei-me de como minha mãe odeia gatos e por algum motivo comecei a conversar com ela. Desde então nos tornamos quase inseparáveis. Mas então Annelys voltou para o Distrito 10 e nós apenas nos comunicávamos por cartas.

Não minto, quando decidi se esse ano iria nesta viagem ela teve uma pequena influencia sobre minha decisão. Tá bom, grande influência.

– Não é nada...É só que ás vezes esperamos algo de alguém e essa pessoa faz o oposto. – digo tentando não demonstrar emoção nenhuma na voz.

– Quem fez o que? – ela pergunta direta com os olhos arregalados bem atentos.

Sei que ela nunca me deixará em paz se eu não contar a ela então conto a ela.

Ela sorri.

– E porque você ficou tão afetada com isso?

Annelys sente prazer em cutucar tudo que eu tento esconder.

– Não fiquei, eu só não esperava. – digo e ela dá uma de suas risadinhas. – Mas faz anos que não te vejo e é sobre isso que você quer falar?

Ela balança a cabeça.

– Como tem sido a viagem? – ela pergunta e eu conto que está tudo bem, que me minha mãe tem estado estranha ultimamente, conto de Lori, de como são as chegadas nas cidades, os bailes, os estilistas.

– Você tem sorte. – ela comenta por fim com os olhos tristes brilhando. – Ninguém tem ideia do que eu faria para sair do 10.

– Qual o problema?

– Desde que meu pai morreu minha mãe tem...me culpado por tudo que acontece de errado e eu não consigo mais aguentar isso. – ela diz sem sorrir e percebo que a coisa não é algum draminha, Annelys sempre sorri quando conversa. Seu sorriso e seus olhinhos arregalados são as características mais chamativas dela.

Acho que isso a torna muito engraçadinha e diferente.

– Muitas pessoas entram durante a viagem. Você poderia vir conosco. – eu digo.

Seus olhos voltam a brilhar.

– Mas minha mãe...

– Ela deixaria se meu pai falasse com ela. – digo e tenho certeza disso. As palavras do meu pai são persuasivas. A única pessoa que meu pai tem um pouco de dificuldade em persuadir é minha mãe. Mas com o tempo até ela ouve atentamente o que ele diz.

Eu gostaria de ser assim também.

Annelys me abraça e eu a deixo descansar já que suas olheiras estão enormes e ela parece não dormir a dias.

Tiro meu vestido e a maquiagem, que é leve, mas me incomoda.

Ando descalço pelo trem a procura de algo que ocupe minha mente.

– Primrose? – ouço uma voz baixa e séria que vem da sala falar meu nome.

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Prendo a respiração e mudo de direção tentando não fazer barulho.

Uma mão segura meu braço com força, mas logo torna o toque mais leve: - Você está fugindo de mim?

Suas palavras acordam alguma coisa dentro de mim e eu começo a rir.

– Porque eu fugiria de você?

– Porque você fugiria de mim? – ele me responde com uma pergunta.

Ás vezes quando durmo sonho que estou flutuando por cima de uma floresta. Este sonho me visita quase todas as noites.

Meus cabelos voam e meu consigo tocar as borboletas ao meu redor. Meu corpo todo fica leve e eu sinto cócegas quando essas pequenas e coloridas borboletas batem suas asas perto de minha pele.

Sempre estou flutuando para uma mesma direção. Para um belo campo de rosas. Rosas brancas e vermelhas.

Quando eu e minhas borboletas nos aproximamos do campo de rosas nós paramos de voar e começamos a cair e sou sufocada pelos espinhos daquelas rosas.

Toda vez que tenho esse sonho acordo com a cabeça latejando de dor e com os olhos marejados. Ninguém sabe que tenho esse tipo de sonho, mas da mesma forma minha cabeça começa a doer quando estou falando com Lucca.

– Qual o problema? – ele diz e me lembro que não é a primeira vez que ele me pergunta isso.

– Nada. Apenas uma dor de cabeça.

Ele me olha sério e encara uma das janelas do trem.

– Está parado.

Olho confusa.

– O trem está parado. – ele afirma e o tom sério escapa de seus olhos azuis. – Ali.

Ele aponta.

– Estamos quase na fronteira entre os dois distritos e quase em todas as fronteiras há um rio ou pequeno lago. É assim em toda a Panem. – ele me conta.

Lembro-me dele comentar que estuda sobre Panem e isso explica o motivo dele saber todas essas coisas.

Assim como na outra vez, ele apenas diz: - Vem comigo.

Me esqueço que estou um pouco irritada com ele, por algum motivo desconhecido, já que ele não fez nada de errado comigo.

Ou nada de propósito, comigo.

Balanço a cabeça para afastar os pensamentos e começo a segui-lo.

Andamos e sinto a brisa batendo com força em minha pele vulnerável.

– Quando chegarmos o vento se aquieta. – ele comenta me vendo começar a tremer e tirando a camisa de mangas longas e botões que vestia e colocando por cima do meu pijama velho.

Andamos calados alguns minutos e então vejo um pequeno lago, iluminado apenas pela lua e algumas luzinhas colocadas nas arvores ali perto.

– Você não pretende o que estou pensando. – digo olhando séria para ele.

Ele dá uma risada alta e começa a se despir. Não sei se tapo os olhos ou se me viro de costas. Quando estou no meio de uma discussão interna decidindo o que fazer ele já está na água e eu nem sei se ele está vestindo alguma coisa na parte inferior do corpo.

Me distraio quando ele começa a nadar. Ele nada ao redor de todo o lago e fica por vários segundos embaixo da água. Quando começo a pensar que ele não deve estar mais consciente embaixo da água seus cabelos dourados surgem na água e seu sorriso é imenso. Como nunca o vi sorrir antes.

– Você não vai ficar apenas olhando, certo? – ele comenta. – Ou eu apenas te distrai tanto ao ponto de você esquecer o que deveria fazer?

As luzinhas nesse momento entregam minha expressão. Estou perplexa.

– O que eu deveria fazer? – digo fazendo o jogo dele.

– Me acompanhar neste adorável lago nesta bela noite.

Adorável lago. Bela noite. Porque ele fala esse tipo de coisa ás vezes?

Me aproximo do lago e coloco apenas a ponta do pé e a água está não maravilhosa que quase entro nela de imediato.

– Eu não te aconselharia a nadar assim. – ele diz apontando para minhas roupas e sua camisa.

– Eu não vou me despir na sua frente. – digo e isso faz ele dar outra gargalhada.

– Tudo bem, venha como se sentir confortável.

Eu nem sei como me sentir confortável ali perto dele, mas o lago está tão convidativo. Sua água é tão cristalina que reflete limpidamente a lua, e a temperatura é apenas perfeita.

Olho para ele esperando que ele se vire e ele volta a mergulhar, entendo que esta é minha brecha.

Tiro sua camiseta e depois de alguns minutos pensando decido entrar de pijamas mesmo.

A água inunda-me e cada célula do meu corpo agradece. Até minha cabeça gradualmente vai parando de doer.

– Ficar na água me relaxa. – ele comenta. – E você parece que está precisando, você sabe, de relaxar.

Me pergunto o quão obvio é que está viagem tem me deixado cansada.

Estou acostumada com uma pequena rotina. Casa, escola, floresta, confeitaria. Sempre as mesmas coisas, ás vezes alterando a ordem. Mas sempre as mesmas coisas.

Na viagem nada é assim.

Um dia chegamos no distrito, no outro há um passeio por ele. Eu posso decidir ir ou não, mas eu, no início, gostaria de ir em todos, porém meu cansaço me impediu de ir no passeio pelo 11, e eu temia que o mesmo acontecesse amanhã, quando fosse o do 10.

– Não estou acostumada com toda essa viagem. – comento. – Lori me diz que a faz todos os anos pela ajuda que a sua família recebe. Porque você a faz?

Ele me olha e pensa um pouco antes de responder.

– Eu gosto de conhecer Panem e não gosto de ficar parado no mesmo lugar por muito tempo. Eu gosto do meu Distrito e de ficar perto de minha mãe, mas sempre há alguma coisa faltando. – ele para tentando encontrar as palavras. – É como se eu ainda não estivesse encontrado o que eu procuro. Como se eu ainda não tivesse encontrado o meu lugar. Quando eu penso em voltar para o 4 eu devia me sentir voltando para a casa, mas eu nunca me sinto assim.

Me pergunto como a conversa chegou a aquele ponto. Parece ser um assunto delicado já que o tom de sua voz vai diminuindo a cada palavra e sua expressão fica mais séria.

Mas assim como antes a seriedade se evapora em poucos segundos e seu olha brincalhão volta: - Mas por qual motivo você estava fugindo de mim alguns minutos atrás e agora estamos aqui seminus quase filosofando sobre nossa existência?

Olho para ele incerta. Nunca sei se o que ele fala é em completo tom de brincadeira ou se tem algum fundo mais sério.

– O que aconteceu no palco? – pergunto cortando o ar de brincadeira ao meio. Me arrependo no mesmo instante.

– Você está falando de Vênus? – ele responde com outra pergunta.

– Porque uma hora a presença dela faz com que você se afaste e quando as câmeras estão filmando vocês são dois pombinhos? – digo em tom de desafio. Mas dentro de mim não há nem metade da confiança que minha voz demonstra.

– As coisas não são tão fáceis. – ele diz apenas.

– Você as complica. Você complica as coisas na minha cabeça.

Ele dá um sorriso com o canto do lábio.

– Eu complico as coisas na sua cabeça?

O começo do joguinho de perguntas e respostas me irrita.

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– Não mude de assunto.

O sorriso se fecha e ele apenas conclui: - Vênus não gosta que eu fale sobre isso.

E esse é o meu limite. De alguma forma essa resposta me irrita mais do que qualquer coisa no momento. Não sei se é o sono ou o cansaço, mas apenas não consigo mais ficar ali agindo como se fôssemos dois amigos, quando ele nem mesmo consegue ter uma conversa normal ou franca comigo.

Saio do lago e ele fica paralisado.

– Onde você está indo?

Não quero ouvi-lo, não o respondo. Não entendo porque há tanta fúria surgindo em mim.

Continuo andando e o vento frio chicoteia minha pele molhada.

– Se cubra pelo menos. – ouço ele falar descrente.

Pego a camisa apenas porque estou tremendo e começo a andar na maior velocidade que posso sem correr.

“Estamos chegando, Primrose” começo a murmurar como se uma parte de mim quisesse acalmar a outra que treme e se desespera já que aquela distancia do lago ao trem parece ter se triplicado.

Lucca grita meu nome uma vez, mas nós dois sabemos para onde estou indo.

Entro no meu quarto e me jogo na banheira, enquanto estou me banhando percebo que há um liquido se acumulando nos meus olhos.

“Eu complico as coisas na sua cabeça?” eu lembro de seu sorriso falando essas palavras e apenas afundo na banheira tentando afogar essa e outras lembranças, e claro, não pensar em mais nada.