Morning Light

XX - Down in the Capitol


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– Eu sei que não somos amigas, mas não há ninguém aqui que não saia do cômodo quando eu entro, então. – ela diz limpando os olhos verdes marejados. – Acho que você é a única que nunca me deixou falando sozinha.


– Qual o problema? – digo ignorando suas queixas.


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– Exatamente isso. – ela fala abraçando com força os joelhos em frente ao corpo. – Eu acho que me perdi com o tempo, sabe. Eu sempre me senti como se fosse a pior em tudo, então decidi agir sempre como se fosse a melhor. Isso não me levou a nada.


Apenas continuei olhando para ela, sem saber o que dizer.


– A única pessoa que um dia conseguiu gostar de mim, eu magoei. – ela diz se referindo a Lucca. – E ele conheceu alguém que merece ele mais que eu. E a Lori, bem, desde que fiquei com Lucca, ela tem um ódio mortal por mim e nunca superara isso.


– Por quê?


– Ela é completamente apaixonada por ele. – ela revira os olhos grandes como os de uma boneca. – Mas eles cresceram juntos, ele a vê como uma irmã.


Ela dá de ombros.


– Não acredito.


– Você não é muito perceptiva. – ela comenta gesticulando com as mãos o tempo todo. – Mas como eu dizia, parece que todos me odeiam e eu me odeio também. – ela conclui. – Talvez se os Jogos não tivessem acabado eu tivesse algum valor, já que seria Carreirista com toda certeza.


– Não fale algo tão idiota. – digo.


Ela dá uma risada no meio das lágrimas.


– Por isso vim parar aqui. Você parece ser uma das únicas pessoas que parece falar o que pensa. Você não cresceu no mesmo berço de mentiras que eu e todos aqui.


Encosto a cabeça na parede falsa do trem.


– Isso explica porque eu sinto que estão me escondendo sempre alguma coisa, nunca me contam tudo.


– Eles não querem te corromper. – ela faz aspas no ar quando diz a palavra corromper. – Mas você está indo a Capital. Você não será a mesma depois de ir a Capital. Lá é onde todas as cobras estão.


– Que tipo de cobras?


Ela dá de ombros.


– Ao chegar, você percebe. Se você não se deixar levar, eles te tratarão como uma rainha, claro, mas não acredite neles. Nada na Capital é o que parece ser.


Limpo uma lágrima dela que descia na lateral esquerda de sua face cheia de pintinhas claras.


– Você pode ser completamente agradável, Vênus. – conto a ela. – Estamos conversando e eu não senti a necessidade de deixar o cômodo, ainda.


Ela ri. Parecendo mais nova agora que está sem a maquiagem carregada e as roupas extravagantes.


– Não é fácil quando todos esperam que você seja perfeita e tudo que você sente sobre si é o contrário. – ela abaixa os olhos. – Não queira ser a filha do prefeito, ainda mais do Grande Distrito 1.


– Eu sou apenas a filha do tordo. – dou de ombros a fazendo rir.


Vênus se levanta rápida e vai até a porta.


– Obrigada por me... Ouvir. – ela fala com o corpo fora do quarto e a cabeça na soleira da porta me olhando.


– Apenas me avise quando aparecer para que eu não fique nua. – finalizo e ela sai pela porta.


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Deito-me na minha cama e fico presa entre lembranças da infância e devaneios escuros. Zonza, abro os olhos várias vezes tentando entender onde estou e o que está acontecendo, numa dessas vezes vejo que Annelys entra em meu quarto, tranca a porta, e deita-se do meu lado.


Há lágrimas em seus olhos e sei o motivo: seu pai.


Desde que seu pai morreu Annelys é atormentada pelos piores pesadelos, pesadelos que mostram as várias formas que ele pode ter morrido, já que a Capital nunca disse nem a ela e nem a mãe como realmente aconteceu, apenas disseram que encontraram o corpo já em decomposição.


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– Não chore. – consolo ela. Ficamos meio abraçadas até que os devaneios definitivamente me levam dali.


Eu estou correta. Era a coisa certa a se fazer.

Começo a caminhar com dificuldade em um lugar que se parece com um castelo, algum castelo dos filmes medievais que Annelys tanto ama.

Entro em um salão enorme e vejo uma fila de pessoas.

Na verdade, duas filas.

Na fila direita estão os homens, na esquerda as mulheres.

Começo a andar entre eles e vejo que são rostos conhecidos. Ao me verem alguns sorriem mais a maioria vira o rosto.

Vejo Effie, Octavia, Riley. E então mais e mais pessoas.

Visualizo Lori e ela grita meu nome acompanhado de algum xingamento, quando ela faz isso, meu corpo solta uma risada rouca e alta, e eu mesma me surpreendo com isso.

Continuo andando e vejo Vênus com a cabeça baixa, ao seu lado Dean me olha com os olhos tão negros quanto à noite, com os punhos amarrados, mas ele os aponta para mim, como se eles estivessem amarrados para minha proteção.

– Me diz que não é verdade, docinho. Por favor. – Um Haymitch com as mãos e os pés acorrentados me pede, mas eu grito para que ele se cale e ele cai de joelhos. Vejo lágrimas caindo em grande intensidade de seus olhos e isso me dá uma fúria indescritível.

– Não perca seu tempo. – digo a ele.

Continuo caminhando entre as duas filas então vejo Annelys em um vestido branco conversando com o nada, e ela não me vê, mas não me aproximo. Não me aproximo de ninguém.

As últimas duas pessoas da fila direita são Lucca e meu pai.

Dou dois passos para o rumo de Lucca e então paro fitando seus olhos azuis que estão muito sérios.

– Quem é você? – ele pergunta falando baixo.

– Eu sou o tordo. – eu falo e dou um sorriso doentio para ele. – E você, apenas um covarde.

Ele abaixa a cabeça fitando suas mãos também acorrentadas.

– Primrose. – meu pai chega perto de mim e levanta meu queixo com as mãos. – Você fez o que havia de se fazer.

– Eu sei. – eu digo então continuo andando, subo alguns degraus e paro de frente a um espelho.

Estou vermelha. Literalmente, vermelha.

Coberta de sangue dos pés a cabeça. Estou com um vestido negro e curto, mas cada parte de mim que há apenas minha pele e nenhum tecido, está coberta de sangue, ainda líquido e fresco.

Tiro de minhas costas o que me fazia caminhar com dificuldade. Uma espada de prata.

Olho meu reflexo nela. Os meus lábios estão maquilados de vermelho e meus olhos com uma maquiagem escura.

Deito a espada ao lado do corpo que estava na minha frente. Deitado. Morto.

– Eu te declaro morta. – eu digo quando me agacho ao lado do corpo, dou uma risada e finalizo: - O mundo está livre de você, Katniss Everdeen.



– Primrose, pare. Pare agora. – gritos histéricos me tiram daquele enorme castelo.


– Annelys. – digo e abraço minha amiga. Lágrimas febris caem dos meus olhos.


Annelys se afasta de mim e começo a me perguntar o quanto daquilo foi um devaneio.


– Prim, olhe o que você fez. – ela fala segurando meus dois braços.


Ambos os braços estão arranhados e vermelhos, um deles está começando a sangrar.


– Eu não fiz isso. – nego com a cabeça em desespero.


– Prim, eu acordei do meio da noite com você se debatendo com tanta força que parecia que você estava tentando se machucar. – ela fala quase gritando. – Eu vi Prim. Você dizia o nome da sua mãe e fazia isso com seus braços.


Coloco a cabeça entre as mãos.


– Minha mãe.


“Ela é o mal, Primrose.” Ouço uma voz desconhecida dizer.


Annelys me olha com os olhos cada vez mais arregalados e assustados.

– Você ouviu isso? – pergunto a Annelys.


– Seus gritos abafados? Sim.


Nego com a cabeça.


Ela não pode me ouvir, amorzinho”. A mesma voz que falou antes me conta.


Chacoalho a cabeça tentando fazer parar.


Não há para onde fugir, Primrose.”

– Eu estou ouvindo... Vozes. Na minha cabeça. – digo a Annelys.


– Não, isso não pode estar acontecendo. – ela começa falando. – Você só está ainda sonolenta. É apenas isso. Nada, além disto. Apenas está afetada por algum de seus sonhos.


– Como você sabe de meus sonhos?


– Você me contou alguns ontem.


Nego com a cabeça.


– Ontem quando chegou chorando, nós apenas nos abraçamos e dormimos. – digo a ela.


– Primmie, isso foi semana passada, quando ainda estávamos no Distrito 4.


Coloco a mão nos lábios e depois instintivamente na cabeça.


– Eu não me lembro – digo a ela com minha voz ficando mais aguda a cada palavra - Onde estamos? – pergunto a ela, mas ela nem mesmo me responde quando Lori abre a porta do quarto e nos chama. Saímos de mãos dadas, mas Annelys solta minha mão e sai correndo para a janela mais próxima.


Lucca está sentando em uma poltrona lendo um livro, penso em cumprimentá-lo com um beijo, mas quando digo um simples oi ele se levanta e sai sem ao menos me olhar.


– Lucca? – sussurro quando vejo a poltrona vazia.


– Venha logo, você estava ansiosa. – Vênus me puxa pela mão. – Seja bem vinda a Capital.


– Capital?


– É incrível não é mesmo? – ela fala e várias luzes acertam em cheio meus olhos, mas eu não consigo prestar atenção nelas por causa das vozes, por causa do que Annelys me disse e claro, por causa de Lucca.


– Vênus, há quanto tempo tivemos aquela conversa em meu quarto? – pergunto.


– Aquela em que você está como veio ao mundo, completamente nua? – ela pergunta rindo.


Afirmo que sim com a cabeça.


– Umas duas semanas, qual o problema? – ela me pergunta e eu acho que vou desmaiar, mas tudo o que eu faço é ficar em silêncio olhando para tudo e todos que estão ali, tentando me lembrar desses últimos dias.


Há apenas um problema: a última coisa de que me lembro é do meu último dia no Distrito 4.