Change Of Heart

Tonight


Capítulo XXV

Tudo estará bem esta noite
Ninguém fala
Ninguém pensa
Esta noite
Tonight - David Bowie

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Nem deu tempo para Mu cogitar alguma coisa sobre a atitude de Aiolia de empurrá-lo. De súbito, a porta se abriu e Aiolos entrou, chamando o irmão pelo nome.

O tibetano se virou rapidamente para a janela, procurando disfarçar suas tentativas de acalmar a respiração descompassada e o coração acelerado, imaginando muito bem o quanto suas faces estavam coradas. De onde estava, podia enxergar Aiolia que, outra vez, estava revirando sua bagunça, claramente se segurando para não soltar uma boa gargalhada.

Aiolos adentrou o quarto com uma sobrancelha arqueada, como se sentisse alguma coisa estranha no ar, mas não a entendesse. Que demora! Por que aqueles dois ainda estavam ali em vez de participarem da festa?

– Ahn... – Mu balbuciou, desconfiando de que sua voz falharia se tentasse articular alguma frase. Ainda mais porque ele nem sabia o que dizer.

Felizmente, Aiolia explicou – com poucas palavras e muitas mordidas nos lábios – que não estava encontrando o que tinha ido procurar e que já ia descer com Mu, visto que este tinha aparecido para chamá-lo também. Era a verdade, por mais que não fosse toda ela. Depois, o leonino acrescentou que os dois podiam descer na frente, pois iria logo em seguida. Tudo isso enquanto praticamente os empurrava para fora do seu quarto.

Aiolos podia jurar que ouviu uma risada maníaca, digna de Saga, assim que se viram do lado de fora.

O ariano fingiu que não tinha ouvido nada. Escondeu o pescoço com os cabelos e desceu rapidamente as escadas. A preocupação começou a dominá-lo tão logo se sentou em um sofá com Aiolos bem ao seu lado.

Aldebaran também estava por ali com os gêmeos, enchendo copos diversos com bebidas alcoólicas suspeitas. Mu tinha quase certeza de que o sagitariano chegara a ver alguma coisa – como Aiolia se afastando, talvez – e essa possibilidade, por mais duvidosa que fosse, o deixava nervoso.

Por sorte, a presença de Aiolos foi requisitada no jardim antes que ele resolvesse perguntar alguma coisa e, com isso, o assunto se perdeu.

– Toma essa aqui pra relaxar! – disse Kanon com uma piscadela que pareceu bastante cúmplice, estendendo um copo com alguma bebida colorida para o tibetano.

Mu olhou desconfiado para o conteúdo daquele copo e não se animou a bebê-lo. Ficou brincando com ele entre as mãos por um tempo, olhando, sem realmente ver, os três amigos distraídos com várias garrafas, todos já em graus variados de embriaguez.

– Não vai beber isso? – veio a voz de Aiolia, inesperada e próxima de seu ouvido, pouco depois. Estava atrás do sofá, apoiado no encosto e inclinado por cima deste.

O ariano negou, sem olhá-lo, só tentando imaginar, em vão, como o mais novo se comportaria dali para frente. Tinham mesmo caído num círculo vicioso? E teria começado uma série de divagações, caso não fossem os dedos de Aiolia deslizarem pelos seus para afanar sua bebida, tratando de tomá-la num gole só.

– Ele não viu nada, não – o garoto disse baixinho, mantendo o olhar nos outros três. Como o outro continuava um tanto inquieto, explicou a sequência de fatos que o mesmo não tinha conseguido acompanhar de tão rápida: – Eu já tinha pulado pra longe de você quando a porta abriu. Sempre sei quando meu irmão tá perto do meu quarto. É que ele sempre esbarra em algum daqueles penduricalhos da nossa mãe que ficam no corredor. Por isso, vive com manchas roxas também. Tão sem atenção... – falava bem despreocupado, como se nada demais tivesse acontecido.

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– Ah... – fez Mu, por um lado mais aliviado depois daquela informação, mas, por outro, incerto sobre ser bom ou ruim o fato de Aiolia não estar negando o ocorrido.

– O que tanto cochicham aí? – Aldebaran interrompeu sorridente, aproximando-se da dupla.

– Estamos discutindo sobre a melhor forma de te convencer a fazer um cocktail pra gente, Deba – o leonino respondeu com uma risadinha, colocando uma das mãos na frente da boca e aproximando-a do ouvido do ariano, enquanto ainda olhava para o brasileiro, como se estivesse falando deste.

Não estava. Na verdade, ele nem falou nada. Apenas se aproveitou da situação para mordiscar o lóbulo da orelha de Mu ali mesmo, uma vez que a sua mão ocultava o movimento.

O ariano ofegou baixinho, espantado com tal ousadia, e olhou nervoso para o brasileiro. Porém, Aldebaran já não os olhava mais, visto que voltara para perto das garrafas. Dizia, com bom humor, qualquer coisa sobre eles só precisarem pedir uma bebida que ele prepararia de bom grado.

– Faz aquela famosa do seu país – o leonino pediu ao voltar para a posição inicial.

O silêncio se instalou por um tempo – desconsiderando, é claro, a música barulhenta –, deixando Mu se esforçando para manter uma expressão impassível enquanto Aiolia distraía-se brincando com uma mecha de seus cabelos longos.

– Ehrm, você pretende me dar explicações – o tibetano murmurou pouco depois, ainda fazendo seu melhor para manter sua aparente calma tão típica – ou somente expectativas mesmo?

Aiolia torceu e retorceu a mecha entre seus dedos, como se estivesse fascinado pela forma como a luz incidia sobre os fios claros conforme mexia neles, e respondeu no mesmo tom:

– Depende se você vai ou não deixar de ficar pensando e se preocupando com o que houve. É a sua cara cair numa de oh, será que sou um pedófilo? Pelo pau relampejante de Zeus! O que o Aiolos vai pensar disso?, mesmo que eu não seja mais criança e que ninguém precise saber. Consegue não pensar em nada pelo menos hoje, no meu aniversário?

Mu hesitou, apertando os lábios, achando aquilo dificílimo.

– Aff! Você é muito cricri. É só por hoje – Aiolia insistiu, deslizando os dedos pela nuca do outro. – Amanhã você se afoga no constrangimento e eu te enterro no quintal, se quiser.

Aquilo fez o ariano rir um pouco e ele disse que ia fazer o possível. Bem, para não ficar pensando em seus atos, teria que pretender que não os cometera, logo...

– Não foi isso que eu disse – o grego interrompeu no mesmo instante. Parou para sorrir e agradecer ao brasileiro pelas bebidas que este havia feito, empurrando uma para as mãos do ariano antes de precisar se afastar, depois que Milo e Shina o chamaram para irem até o jardim.

Contudo, sequer chegou a dar alguns passos na direção dos amigos. Do nada, uma garota loira – que Mu nunca tinha visto –, pulou sobre ele, enchendo-o de beijos e parabéns esfuziantes. Aiolia a segurou pela cintura para que parasse quieta e, imediatamente, olhou ao redor, certificando-se de que Marin não estava por perto vendo a cena.

O ariano franziu um pouco o cenho. Resolveu fazer vista grossa e, mais tarde, acabou esquecendo totalmente. Tudo porque, no final das contas, mesmo com a loirinha bonitinha por ali – assim como tantas outras garotas, que apareceram para cumprimentar o aniversariante – Aiolia parecia não se preocupar com nenhuma delas.

Pelo contrário.

Ignorou uma por uma, inclusive Marin, e passou a maior parte da festa arranjando modos criativos, inusitados e até mesmo arriscados, para ficar alguns breves e divinos momentos a sós com o tibetano, escondidos em cantos diversos para rápidos beijos roubados com sabor de cocktails.

E Mu sempre ficava com os lábios bastante avermelhados e meio inchados, repletos do gosto adocicado do grego. Para tanto, evitava, sem precisar se esforçar muito, os tais pensamentos constrangedores.

O único problema era ter de ficar se preocupando em esconder bem o pescoço com os cabelos, ajeitando-os o tempo todo. Paciência! Fazer o quê? Ia ser uma confusão daquelas se notassem as marcas em sua garganta, pois todo mundo sabia que ele, supostamente, não tinha ninguém interessante em vista depois do rompimento com Shura. Era incrível como Aiolia era mesmo um obcecado por pescoços...

De qualquer forma, era bem estranho estar fazendo algo às escondidas, porque dava a impressão de que era alguma coisa totalmente errada – e era mesmo! Só que, vendo por outra perspectiva, até que era bem estimulante. A adrenalina sempre a mil, o coração disparado diante da mera possibilidade de serem flagrados por alguém.

Mu nem se atreveu a beber algo mais além daquele copo oferecido por Aldebaran a pedido do leonino. A bebida certamente o deixaria mais lento nos reflexos e mais propenso a falar demais. Precisou cortar o consumo de Aiolia também, quando este começou a rir sem qualquer motivo aparente.

Ah, aquela risadinha insolente que Mu não sabia desde quando tinha passado a gostar de ouvir...

Mas, nossa, como era complicado! Toda vez que Aiolia o puxava para algum canto, alguém logo aparecia para conversar com um deles ou apenas passava por perto. Sem falar que, sendo o garoto o aniversariante, todo mundo queria um pouco de sua atenção.

Assim, o leonino atrevido piscava um olho, como se prometesse mais para depois, e ia dar atenção para o convidado da vez. O tibetano balançava a cabeça de leve, sempre ajeitando os cabelos sobre o pescoço, e ia socializar com os amigos também. E as coisas aconteciam dessa forma até que Aiolia voltasse para cumprir sua promessa velada de algum jeito.

Falando em pessoas que apareciam para atrapalhar, por exemplo, uma delas foi Seiya. Ele parecia bastante agitado e ansioso quando arrastou Aiolia para perto das bebidas – mal notando o quão perto Mu estava do rapaz –, causando um déja vù no grego ao perguntar a este sobre suas amigas.

– Olha, ainda sou meio traumatizado com aquela vez do Afrodite. Não ria! Mas... A Shina é garota de verdade, né?

E é claro que Aiolia riu. Porém, pensando friamente, era melhor que Seiya perguntasse aquilo para o próprio Milo. Shina sempre parecera tão seme na relação entre eles que vai saber, não é? Se bem que, talvez, o problema fosse que Milo era muito uke...

– Ouvi meu nome em vão aí – o escorpiano resmungou, aproximando-se deles com um copo meio vazio em mãos. E quando Seiya lhe perguntou se era verdade que não estava mais envolvido com a italiana de um jeito exclusivo, o loiro replicou com uma expressão desconfiada: – Por acaso, você é bi? Se for, é meio caminho andado pra ter alguma chance com ela. Se tiver um melhor amigo pra insinuar um yaoi, então, mais meio caminho andado... Ou seja, chance garantida.

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– Quê?

– Ah, mas tem que ficar atento, ou na hora do vamos ver ela pode tentar fazer algumas coisas estranhas...

– Como assim? – Seiya quis saber, preocupado e curioso.

Aiolia revirou os olhos e deu um tabefe na cabeça de cada um daqueles dois. Milo estava muito chapado para ser levado a sério. Deu um até mais para o oriental e saiu arrastando o escorpiano, que não parava de rir, para o jardim.

– Mas é sério! – Milo ia dizendo, sendo forçado a se sentar com as costas apoiadas numa parede. – Ela fica vendo aquelas coisas yaois e depois vem tentar reproduzir na gente, molestando os mamilos alheios e tal. É estraaanho... Se eu tivesse dado bobeira, ela teria me dado uma dedada...

– Haha! Mas que merda, hein? – Aiolia sentou-se ao lado do outro, rindo sem parar só de imaginar a cena. – Com aquelas unhas compridas ia ser bem tenso...

Eles ficaram alguns minutos conversando bobagens até que Camus passou pelo jardim, acompanhado por Shaka e Afrodite, e atraiu toda a atenção do escorpiano. Percebendo esse fato, Aiolia tratou de fazer um gesto para que o trio se aproximasse deles, ignorando a expressão emburrada do pior melhor amigo.

– Eu não quero eles aqui... – Milo protestou numa voz contrariada, fazendo um beicinho e apoiando a cabeça no ombro do aniversariante. – Quero ficar só com você...

– Que honra! – o leonino exclamou, gesticulando para os demais amigos quando estes chegaram perto o bastante, movendo os lábios em um mudo filmem isso. Não precisou dizer duas vezes para que o sueco lhes apontasse a câmera do celular com um sorrisinho malvado no rosto. – Por que você quer ficar só comigo, Milo?

Ignorando o fato de estar sendo filmado, o escorpiano passou os braços ao redor da cintura de Aiolia e exclamou numa voz ébria:

– Porque eu amo você, seu imbecil!

O sorriso de Afrodite se ampliou. Shaka e Camus arquearam as sobrancelhas. Aiolia começou a rir.

– Então, você não ama seus outros amigos? – o pisciano especulou, ainda apontando a câmera para o outro. – Estou ofendido.

– Claro que eu amo! – Milo exclamou, soltando-se do pior melhor amigo para se levantar num pulo e envolver os demais em abraços amorosamente bêbados.

– E por que só quer ficar comigo? – Aiolia insistiu em seguida.

O escorpiano fez uma expressão confusa e disse que não sabia. Soltou uma risada alta e concluiu que, naquele dia, amava mais o leonino porque era aniversário deste e ponto final. Então, Milo estalou um selinho em Afrodite, outro em Camus e, até mesmo, um em Shaka, antes de pular em cima de Aiolia com animação e estalar vários selinhos bem barulhentos neste.

– Está péssimo – o indiano expressou a opinião geral, só não fuzilando Milo ali mesmo por esse motivo.

– Infelizmente, eu não posso ficar só com você hoje, Miluke! – disse Aiolia, dando tapinhas nas costas do outro antes de empurrá-lo para os braços de Camus. – Cuida dele aí pra mim?

O aquariano não teve escolha a não ser assentir, observando Milo se enroscar todo feliz ao seu corpo. Afrodite não precisou de outra indicação para sair dali de fininho, mas Shaka não parecia tão atento assim ao que acontecia entre aqueles dois, tanto que Aiolia precisou agir.

– Isso não vai prestar, sabe? – o indiano perguntou ao ser puxado pelo braço para longe.

– Muito pelo contrário, loiro azedo – replicou, passando um braço pela cintura do virginiano assim que viu Ikki se aproximando. – Agora vem cá que eu vou adoçar sua vida e...

Aiolia! – Ikki e Shaka exclamaram ao mesmo tempo, o primeiro avançando até o grego e o segundo se afastando do mesmo.

– Fala sério! Vocês estão ficando muito chatos, hein? – protestou, levantando as mãos num gesto de paz. – Não dá nem pra brincar mais. Um dia tão importante pra mim e pro mundo, se passando desse jeito, com essa falta de amor e...

– Não estou entendendo nada – Ikki cortou, brusco. – Deixe de dramas e volte pra dentro, tá cheio de garotas procurando por você lá.

– Ah, elas só querem meu corpo nu, mas eu sei que o Shaka-chan quer meu coração, né, karma?

– Só se me for servido sobre uma bandeja de prata.

– Oh, nada como ser amado... – Aiolia suspirou, daquele mesmo modo teatral como Aiolos fazia, soprou um beijo para o indiano e voltou a entrar na casa. Não sem antes mostrar a língua para Ikki.

– Quantos anos ele tá completando mesmo? – o rapaz resmungou, olhando de viés para o loiro.

Shaka o olhou de volta, dando de ombros para o que acontecera. Então, sem nenhum motivo aparente ou oculto que fosse, sua expressão tipicamente séria suavizou e ele esboçou um sorriso quase imperceptível. Apesar de ínfimo, breve e raro, foi um sorriso fascinante de se ver. Mas foi tão inesperado que Ikki não teve como não ficar boquiaberto, arqueando as sobrancelhas, ao ser pego assim, totalmente de surpresa.

– Não faça essa expressão tola – Shaka criticou, fechando os olhos e cruzando os braços. Não demorou a começar a andar pelo jardim, mas na direção contrária àquela em que Camus e Milo estavam.

Ikki fez uma careta, praguejando qualquer coisa em voz baixa... Mas o seguiu.

***

Por mais de uma hora, Camus não se esforçou muito em fazer algo pelo escorpiano, que permanecia dependurado em seus ombros. Apenas o impediu de continuar bebendo e ficou sentado ao lado dele, ouvindo suas bobeiras, esperando que melhorasse aos poucos. Era tudo o que podia fazer. Para ajudar, aquela situação lhe soava estranhamente familiar.

– Camus, Camus... Isso não tá certo, sabe? – Milo perguntou de repente, caindo em si. – Eu disse que queria tudo de volta, então, pode me devolver aqueles beijos lá do Meikai.

– Você nem sabe do que está falando, Milo. E continua bêbado.

– Oh, mas eu sei, eu sei sim. É uma reconstrução dos fatos, saca?

– ...

O escorpiano deslizou os lábios pelo pescoço do francês com bastante animação. Porém, Camus o puxou pelo queixo com certa rispidez, forçando-o a encará-lo.

– No seu tudo está inclusa aquela sua confusão, suas dúvidas?

Milo fez aquele sorriso fantástico dele:

– Não...

Camus continuou a olhá-lo, aparentando certa descrença. Depois, o observou com mais atenção e arregalou um pouquinho os olhos ao constatar que Milo já estava mais sóbrio. O aquariano balançou a cabeça devagar, deu um tapinha sob o queixo do loiro e desvencilhou-se do abraço, chamando-o para entrarem de novo na casa.

Milo ficou olhando para as costas do outro, por um momento, até indagar num rompante:

Isso foi um fora? – quis saber, os olhos muito azuis tão arregalados que pareciam prestes a pular para fora das órbitas. Tinha levado um fora! E um fora de outro cara. Como assim? – Não acredito nisso! Que fiasco, ainda bem que curto meninas também, porque já vi que não presto pra ser só gay... Não teria futuro nessa vida.

Como o ruivo passou a ignorar todas as suas tentativas de conseguir qualquer explicação que fosse, Milo logo se chateou e foi caçar Aiolia, chamando-o em voz alta pela casa.

Como alguém poderia culpá-lo se ele não sabia que o leonino estava muito bem, obrigado, prensando Mu em algum canto qualquer?

Acabou por encontrá-lo saindo de trás de uma porta entreaberta, e tratou de pular em suas costas rapidamente. Só não entendeu o fato de Mu sair logo depois do leonino de trás da porta também, ajeitando os cabelos e com um rubor intenso espalhado pelas bochechas.

– Hey, Mu! – exclamou alegre, puxando um pouco os cabelos do pior melhor amigo. – Isso aqui tá te importunando?

– Quem você tá chamando de isso?!

O ariano começou a rir e negou com a cabeça, deixando os outros dois discutindo. Nossa! Por pouco não foram pegos. Não foi muito longe quando encontrou Dohko e Shion conversando.

O tibetano mais velho estava feliz, pois, daquela vez, a bagunça não estava sendo em sua própria casa, o que era um verdadeiro milagre.

– Mas sua casa sempre será a preferida... – o libriano comentou, piscando um olho para Mu.

– E você não ajuda – Shion murmurou, estreitando os olhos. – Sempre dando apoio e me convencendo a ceder ao caos...

Em vez de replicar, Dohko apenas sorriu e pressionou um beijo na face do ariano mais velho antes de se voltar para o mais novo:

– Sabe do que eu lembrei? Daquela vez que você falou que o Aiolia vivia implicando com você. Nem parece, já que hoje em dia vocês são amigos, né?

Mu concordou meio desconcertado, pensando em como o leonino nunca parou realmente de implicar consigo. Ele apenas passara a fazer aquilo de outra forma. Bem melhor. E, ainda assim... Ok! Nada de ficar pensando naquelas coisas.

Os três continuaram conversando por algum tempo até que uma voz diferente se impôs entre eles, chamando pelo tibetano mais velho.

Shion olhou para o homem de cabelos longos, que se aproximava, e franziu levemente o cenho. Seus olhos se arregalaram um pouco depois que o reconheceu:

– Professor Lune?

Com isso, Dohko quase cuspiu a bebida que tomava, lançando um olhar nada amigável para o recém-chegado:

– O que faz aqui? – e, percebendo pelo olhar estreito de Shion que soou rude, emendou ligeiro: – Digo, você conhece o Aiolia?

Lune desviou a atenção que mantinha em Shion e olhou demoradamente para o chinês, antes de responder com uma voz arrastada:

– Ele tem aulas de bateria com um amigo meu. Já nos vimos algumas vezes – explicação dada, Lune se voltou para Shion.

O ariano mais velho estava surpreso. Pelo que se recordava do seu professor universitário, este sempre mantinha a sala de aula perfeitamente silenciosa. Inclusive nos momentos em que não estava explicando nada. Nem em um milhão de anos Shion imaginaria que o professor, tão entusiasta do silêncio como era, fosse aparecer numa festa barulhenta daquelas.

– Realmente! Quando o Radamanthys me convenceu a vir, eu pensei que minha cabeça fosse explodir em questão de poucos minutos, assim como eu iria embora tão logo chegasse aqui. Porém, agora vejo algo de bom, pois não é todo dia que encontro o aluno mais brilhante que já tive na vida.

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Shion retribuiu o sorriso que Lune lhe endereçou, alheio à presença do namorado e do irmão, passando a conversar amigavelmente com o antigo professor.

Não que Dohko tenha gostado da situação, o que Mu logo percebeu ao observar as expressões do mais velho.

– Dá pra acreditar nisso? – o libriano resmungou só para o cunhado ouvir.

– Ciúmes?

– Claro que não! É só que... Qual é a desse sujeito? Ele é estranho e me incomoda desde que o conheci na universidade.

O ariano sorriu gentilmente ao dizer:

– Desculpa, Dohko, mas você bem que mereceu.

– Mu! – o chinês exclamou surpreso, seguindo atrás do mais novo quando este começou a se afastar. – Como assim?

– Ora, depois do nervoso que meu irmão passou por sua causa, daquela vez com a Shunrei...

Dohko até cogitou continuar atrás do rapaz para deixar bem claro que não tivera culpa nenhuma naquela história. Era Shion quem via coisas onde não havia nada. Shunrei era namorada de seu irmão Shiryu. Dohko nem era chegado em mulheres. Porém, teve a percepção de que, além de ser inútil, seguir Mu implicaria em deixar o namorado sozinho com o bendito professor.

Portanto, respirou profundamente – para deixar clara sua insatisfação pelo que tinha ouvido – e tratou de voltar bem rápido para perto de Shion. Não participou da conversa, mas fez questão de ficar ao lado do seu namorado.

Ainda sorrindo, meio inconformado, Mu seguiu pela sala movimentada, atravessando-a até voltar para onde deixara os dois adolescentes discutindo. E não foi surpresa nenhuma encontrá-los no mesmo lugar e da mesma forma.

– Hey, Mu! – Milo exclamou, outra vez, assim que o avistou, parecendo meio ébrio ainda. – Olha só isso, o Aiolia tá fugindo de uma aposta! Diz se ele não é um frouxo?

– Cala essa boca! – o leonino ordenou, tentando impedir o outro de continuar fornecendo detalhes para o tibetano.

Não adiantou de nada. Logo Mu ficou sabendo da última, que nada mais era do que uma aposta boba. Basicamente, Milo e Aiolia tinham apostado no começo do ano sobre qual deles conseguiria exatos dezesseis selinhos de garotas – ou garotos, vai saber – em seus respectivos aniversários de dezesseis anos, para comemorar a data especial em grande estilo e tudo o mais.

– E, agora, essa besta me diz que se esqueceu disso – Milo continuou explicando, indignado. – Diz que não quer mais. Tá com medo de perder, seu frouxo?

Os olhares de Aiolia e Mu se encontraram. As faces do mais velho adquirindo um tom rosado mais forte quando o leonino, ainda olhando para si, disse simplesmente que não podia fazer aquilo, deixando implícito que já estava ficando com alguém. No mais, agiu de forma evasiva quando Milo quis saber de quem, em específico, ele falava.

– Ó, Flor do Campo, vai lá dar em cima do Camus que você ganha mais! – sugeriu, apoiando uma das mãos nas costas de Mu, guiando-o para longe com a desculpa de que o escorpiano estava pirado e de que era melhor manterem distância.

Ofendido, Milo soltou alguns palavrões, reclamando que o francês não queria nada consigo porque... Porque...

Por quê?

***

Houve um momento no início da madrugada – quando muita gente já tinha capotado de vez e vários adolescentes, com horário para voltar, já tinham partido –, que Aiolia começou a passar mal e correu até o banheiro com uma expressão de pura ânsia no rosto.

Preocupado, Mu o seguiu de perto. Primeiro, surpreso que o grego estivesse daquele jeito mesmo tendo bebido relativamente pouco – por sua própria influência; depois, mais surpreso ainda quando Aiolia fechou a porta do banheiro, empurrando-o contra ela com um sorrisinho vitorioso nos lábios. Mu o encarou embasbacado pelo estratagema, antes de ter os lábios tomados com aquela selvageria característica do garoto.

Teve um sobressalto quando, alguns momentos depois, Shun bateu na porta com educação e perguntou, sempre solícito, se Mu precisava de alguma ajuda com o grego.

– Responda que não, que tá tudo bem... – Aiolia ronronou, atingindo a pele sensível entre o pescoço e a orelha do ariano com seu hálito quente.

E Mu bem que tentou, mas sua frase engasgou na metade, quase se transformando num gemido quando o leonino pressionou uma daquelas mordidas em seu pescoço já bastante assediado.

Preocupado, Shun bateu novamente à porta, fazendo com que o tibetano se esforçasse para dar a resposta completa sem que sua voz falhasse. O irmão de Ikki concordou qualquer coisa e se afastou, liberando a atenção de Mu totalmente para o rapazinho ousado que o prendia nos braços.

Aiolia o beijou com vontade, apertando-lhe o corpo com as mãos ao mesmo tempo em que se apertava contra o dele. Foi aí que Mu começou a ficar seriamente preocupado com o que poderia vir a acontecer. Uma coisa era trocar beijos ou dar uns amassos inocentes. Mais intimidade do que isso já seria perturbador demais.

– Hey, vamos voltar... – murmurou, tentando se desvencilhar meio a contragosto. Levou ainda alguns minutos para convencer o grego de que já estavam trancados naquele banheiro por um tempo suspeito demais.

Contrariado, Aiolia bufou, abriu a porta para saírem e quase caiu para trás. Por que Aiolos estava com uma das mãos apoiada na parede, inclinado sobre Shura, e com sua boca tão próxima da do outro?

– Aiolos?!

O sagitariano pulou para longe do espanhol e olhou sobressaltado para o caçula. Como viu Mu atrás do irmão, tratou de se dirigir a ele, perguntando se Aiolia estava dando muito trabalho ou alguma coisa do tipo, descaradamente fingindo não notar nem o olhar desconfiado do irmão nem o olhar irreverente de Shura sobre si.

– Você não tinha dito não a ele? – o leonino quis saber.

– Ahn, sim... É que... – Aiolos atrapalhou-se, olhando para Mu num pedido mudo por ajuda.

No entanto, antes que pudesse se manifestar em auxílio do melhor amigo, o ariano teve a nítida sensação de que ia presenciar um drama daqueles:

– Você... – Aiolia começou, cambaleando até apoiar as costas na parede ao lado de Shura. – Você... Mentiu... Pra mim?

Ou melhor, seria uma verdadeira disputa dramática entre irmãos:

– Jamais! – Aiolos exclamou, os olhos muito abertos, aproximando-se do caçula e apertando-lhe os ombros. – Como pode pensar isso? Você... Não confia... Em mim?

Shura e Mu se entreolharam. Em seguida, reviraram os olhos. Foi aí que Shina apareceu, como que cuspida pelas sombras, toda feliz e exclamando:

Moe! Yaoi! Incesto!

Os quatro olharam para ela como se a garota fosse uma dessas pessoas malucas que saem gritando na cara dos outros, bem no meio da rua, o que não deveria – o que não deixava de ser o que estava acontecendo, de qualquer forma.

– Opa, incesto onde, Shina-town? – Kanon quis saber, também aparecendo magicamente por ali, logo atrás dela. – Entre os irmãos Ai-Ai?

Sim! – ela respondeu, os olhos claríssimos brilhando loucamente.

Não! – os outros quatro trataram de exclamar por cima.

Kanon apoiou uma das mãos sob o queixo e ficou analisando os dois irmãos meticulosamente. Irmãos estes que, por sua vez, tentavam desfazer a confusão da garota ensandecida.

– Então... Sem incesto? – Shina murmurou depois, fazendo um beicinho amuado. Suspirou, virando-se para o geminiano, e tentou esperançosa: – E quanto a você e o Saga?

– Aí, hmm... Seria um twincest, né? – Kanon deu um sorriso enviesado para ela. – Ou um geminicest, aproveitando nossos signos. Eles – apontou para os irmãos, que começavam a sair de fininho com Shura e Mu – eu chamaria de AiAicest, que tal?

– Ow, Kanon, pare de infectar a mente da menina com suas perversões... – disse Aiolos, puxando o geminiano para longe da garota, que concordava com a terminologia sugerida pelo outro com muito entusiasmo.

Aiolia ia comentar que não tinha como alguém piorar as ideias da italiana sobre aquele assunto, mas acabou ficando quieto. Era Kanon ali, então, de nada adiantaria. Não era improvável que ele fosse capaz de deixar a garota mais pirada ainda. Limitou-se a olhar para Mu de um jeito que o ariano interpretou corretamente como a gente devia ter continuado no banheiro.

Mu não poderia concordar mais. Porém, entre beijos escondidos e interrupções diversas, infelizmente a noite pareceu passar muito rápido.

Lá para o fim da madrugada, Aiolia começou a ficar perigosamente mais ousado. Suas mãos deslizando sobre as coxas de Mu, em movimentos tão distraídos que nem pareciam ser propositais, quando se sentavam lado a lado; sua boca mordiscando os ombros de Mu com ares de brincadeira inocente, parecendo ter se esquecido da discrição que vinham mantendo o tempo todo.

Por sorte, ninguém foi capaz de notar nada. Ou imaginaram que a culpa fosse do álcool, já que Aiolia, virava e mexia, mostrava-se um bêbado do tipo amoroso mesmo. Além disso, as poucas pessoas acordadas não pareciam exatamente sóbrias.

– Devo ir embora... – disse Mu baixinho, duas vezes preocupado: primeiro, pela total desinibição do leonino; e, segundo, pelo amanhecer iminente.

Aiolia ainda tentou persuadi-lo a ficar, por meio de beijos superquentes, mas logo pareceu se tornar consciente também de que um novo dia estava para nascer. Era como se houvesse uma compreensão silenciosa entre eles de que a luz do sol iria expor mais do que o normal, de que ela traria maior lucidez àquele bando de pinguços, inclusive a eles.

Assim, concordando com o fato de que estavam muito cansados e sonolentos depois da festa toda, o leonino se dispôs a acompanhar Mu pelo curto trajeto até a casa deste, uma vez que Shion e Dohko já haviam partido.

Mu tinha imaginado que o amanhecer acabaria com o encanto da situação, mas o simples fato de estarem fora da casa do grego, caminhando pela calçada, parecia já ter colocado alguma distância entre eles. Não conseguiu evitar o desânimo com a perspectiva do fim, andando em silêncio enquanto observava o brilho das últimas estrelas visíveis no céu. Estava tão ensimesmado que teve um sobressalto quando Aiolia o puxou para si pelo quadril, fazendo com que encostasse o seu corpo ao dele.

O mais novo soltou aquela risadinha característica e Mu compreendeu que ainda não era hora de mergulhar em pensamentos preocupados de qualquer tipo. Não, nem mesmo sobre a possibilidade ínfima de que alguém os visse andando daquele jeito, meio abraçados, àquela hora da madrugada.

– Aposto que parecemos uma dupla de bêbados voltando de uma noitada, haha! – o leonino brincou, fazendo um ar falsamente ofendido ao completar: – E é quase isso, tirando a parte bêbada, porque você sabotou minha bebedeira...

Naquele momento, sorrindo e cutucando um pouco Aiolia na altura das costelas, para que desfizesse o bico, Mu quase conseguiu acreditar que as coisas estavam bem de verdade. Como se pudesse idealizar que tudo aquilo era mesmo possível e certo, que Aiolia não era um adolescente incompreensível e, especialmente, que nada mais importava. E restavam apenas aqueles instantes antes do nascer do sol, com um braço dele envolvendo suas costas, a mão possessiva em seu quadril...

Chegava a ser lamentável que a distância entre suas casas fosse tão curta. Mu sabia, tão logo alcançaram a porta da entrada, que quando voltassem a se ver nada mais seria igual ao que aconteceu durante aquela noite. Mas, ora, as coisas sempre eram assim entre eles, certo?

Aiolia mordeu o lábio inferior, os olhos ilegíveis, antes de exibir um sorriso diferente. Algo provocante, um tanto orgulhoso. Talvez um pouco constrangido. Impossível de definir. Lindo, certamente. Fascinante quando lhe alcançou os olhos. Sorriso que fez com que, pela primeira vez, Mu tivesse a iniciativa de beijá-lo. Simples assim: encostou as mãos no rosto do leonino e o puxou para si, pressionando aqueles lábios avermelhados com a suavidade que o mais novo não tinha.

Apesar da surpresa pela atitude inesperada, o grego não tardou a aprofundar o beijo.

No entanto, a racionalidade de Mu fez com que fosse breve. Já estava amanhecendo, estavam do lado de fora da porta e, bem, não era para ser. Ficou apenas observando Aiolia partir com um aceno distraído.

O dia já começava a nascer, iluminando o leonino por inteiro enquanto este se afastava daquele jeito ousado de ser, sem olhar para trás uma única vez. Tudo o que deixou foram aquelas provas temporárias do que haviam feito: as marcas roxas no pescoço do ariano e o gosto adocicado dos cocktails nos lábios do mesmo, lembranças que logo desapareceriam.

Aiolia foi embora sem saber ou se importar por acabar com toda aquela estranha... Idealização?

Mu não percebeu que, apesar de tudo, estava com um leve sorriso no rosto. Sentia sono, mas não queria dormir, sabendo que acordaria imerso em seu próprio constrangimento pelo comportamento censurável que havia apresentado durante a festa de aniversário do leonino.

A distração com tantos pensamentos foi o motivo para ter quase desmaiado de susto quando uma voz conhecida soou bem próxima:

– Que interessante!

Continua...