Change Of Heart

Remember The Good Times


Capítulo XII

Lembre-se dos bons tempos
Lembre-se dos maus tempos
Lembrando minha vida, sua vida
Remember The Good Times – Scorpions

Mesmo depois de irem embora do Meikai, a madrugada se mostrou muito longa para todos. Aiolos, como já acontecera outras vezes antes, acabou sendo levado para a casa de Shura. No estado em que se encontrava, o espanhol não podia permitir que o outro ficasse sozinho em sua própria casa.

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Não que estivesse sendo fácil. O sagitariano ficou quase uma hora inteira andando penosamente pela casa, dizendo que não poderia dormir porque a cama estava se desviando dele. Pelo menos até que Shura simplesmente o jogou sobre ela e cruzou os braços, desafiando o amigo a se levantar sem dizer uma só palavra.

– Se eu morrer dormindo e acordar morto – Aiolos gemeu com um olhar dramático –, você vai se lamentar amargamente...

O espanhol não se deu ao trabalho de responder. Não era a primeira vez que tinha que cuidar do amigo bêbado e duvidava que fosse a última. Acontecia algumas vezes, visto que Aiolos vivia correndo para fora de casa por causa de suas admiradoras.

– Jogue minhas cinzas no mar Egeu... – o grego insistiu, soando mais sonolento.

– Só durma de uma vez, Aiolos – disse o capricorniano, tirando a bandana vermelha que o outro usava na testa.

Murmurando os últimos protestos fracamente, o sagitariano enfim adormeceu.

O espanhol sentou-se na beirada da cama e o observou por alguns momentos, pensativo. Aiolos já ressonava com a boca avermelhada entreaberta. As bochechas continuavam coradas pelo álcool e uma mecha de cabelo meio dourada caía sobre um dos seus olhos. Shura a afastou sem cuidado para trás, sabendo que o grego dormiria de forma contínua até tarde.

Era por sua excessiva atenção com Aiolos, sem falar em sua admiração pelo mesmo, que Mu se sentia tão preocupado? Sinceramente, achava que o ariano estava exagerando. Porém, sendo uma pessoa justa, Shura resolveu atender ao pedido de Mu sobre repensar suas ideias e prioridades.

Não teve tempo para isso, no momento. Após escutar barulhos vindos da sala, seguidos por risadinhas abafadas, teve que deixar seus pensamentos e o próprio Aiolos adormecido para trás.

– Afrodite? – perguntou assim que deu de cara com o garoto pendurado no pescoço de seu primo.

O pisciano sorriu bobamente para ele e desvencilhou-se de Máscara da Morte. Aproximou-se de Shura, com passos trôpegos, até abraçá-lo. Então, inclinou-se e deu-lhe um rápido selinho no canto dos lábios, voltando para perto do italiano na sequência.

Se Afrodite teve a intenção de beijá-lo daquela forma ou apenas tinha errado sua bochecha, o espanhol não se interessou em saber. O garoto estava bêbado demais para ter ideia do que fazia, supôs.

– Por que está com ele? – Shura perguntou, olhando diretamente para o primo com estranheza.

– Ora, ele é uma beleza, não acha? – replicou Máscara da Morte, mesmo sob os ataques que o mais novo aplicava em seu pescoço.

– É um garoto de quinze anos – o capricorniano volveu com frieza.

O italiano deu de ombros e sentou-se no sofá, puxando Afrodite consigo. Que importava se o garoto era tão novo? Já tinha idade o bastante, ao menos ali na Grécia. E Afrodite era mesmo fascinante. Tanto que Máscara da Morte afirmou que dava vontade de pendurar a bela cabeça dele na parede de seu quarto, para contemplá-la sempre – algo que provocou novas risadinhas ébrias no sueco.

Shura lançou um olhar inexpressivo para seu primo, vagamente tentando imaginar o motivo para alguém receber uma alcunha tenebrosa como aquela. Resolveu ignorar o pensamento por hora. Era mais importante impedir que o garoto fosse abusado em sua casa.

Assim, com poucas, mas firmes palavras, o espanhol disse que era para o primo deixar o pisciano dormir em paz. Afinal, Afrodite estava embriagado. Agora, se ele quisesse se envolver com Máscara da Morte depois de sóbrio, Shura já não se importava. Só que naquele estado em que se encontrava, seria injusto deixar o garoto à mercê do outro.

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Com uma gargalhada, o italiano anuiu distraído. Não por se importar com qualquer uma daquelas bobagens, mas por, desde o início, não ter intenções de fazer nada demais – não naquele momento. Queria que Afrodite estivesse sóbrio para que se lembrasse de absolutamente tudo. Naquela condição deplorável, só conseguiria que o garoto vomitasse em cima de si.

O pisciano, que até então apenas assistia aos dois, num misto de tédio e confusão, acabou protestando ao ser empurrado para o canto do sofá. Todavia, foi ignorado. Caramba, pensou, eles eram mesmo parecidos!

– Você tá mal-humorado? – Máscara da Morte perguntou com sarcasmo, aproximando-se do outro. – Cadê seu namoradinho?

Shura o encarou friamente e ignorou as perguntas. Deu-se por conta, ao olhar de relance para a própria mão, que ainda carregava consigo a bandana de Aiolos. Não demorou até Máscara da Morte também percebê-la, encarando o acessório com demasiado interesse enquanto tentava descobrir onde o tinha visto antes.

– Ah! – exclamou em compreensão com um sorriso malévolo despontando em seu rosto. – O cabeludo terminou com você, não foi?

– Demos um tempo – o espanhol retorquiu automaticamente.

– Hmm... – fez o italiano, indo até o quarto do parente para confirmar suas suspeitas.

Meramente observando Afrodite cochilar no sofá, Shura não se deu ao trabalho de ir atrás do primo. Ele deveria estar imaginando que trocara Mu pelo sagitariano, mas não era nada disso.

– Então, por que o tal Aiolos tá dormindo em sua cama, priminho? – indagou ao voltar para a sala.

– Porque você está ocupando o outro quarto – o capricorniano respondeu com um humor terrível.

– Hey, vai com calma, Justiceiro! – Máscara da Morte exclamou divertido, aproximando-se do parente para, logo depois, puxá-lo pelo queixo. – Tudo isso é tristeza pelo cabeludo? Precisa de consolo? – sugeriu malicioso, umedecendo o lábio inferior por hábito.

Com um empurrão ríspido, Shura desvencilhou-se do outro e caminhou até o pisciano, disposto a levá-lo até o quarto que o italiano ocupava para que dormisse direito. Sem se abalar, o ex-soldado deitou-se no sofá e sorriu para si mesmo com cinismo.

***

A madrugada foi especialmente longa na casa de Shion. Infelizmente, ao contrário do que Mu gostaria, apenas Aldebaran dormiu para não acordar até o dia seguinte. Milo, em especial, se revelou um bêbado bastante hiperativo. Ele não queria dormir e se mostrou muito disposto a não permitir que os outros dormissem também.

Como se não bastasse desenhar tolices sem sentido no rosto do brasileiro, o escorpiano tinha saído correndo pela casa e rolado pelo chão; agarrado os demais em abraços apertados, declarando que os amava; tentado, sem sucesso, fazer Camus ondular os quadris como uma odalisca; esmurrado a porta do banheiro, rindo e berrando que Shaka era muito frouxo por estar trancado lá dentro enquanto passava mal; choramingado porque Aiolia não estava lá para se divertir com ele e, depois, choramingado um pouco mais por perceber que o leonino estava se tornando mais gostosinho do que ele.

– É claro! – Shina constatou, distraída. – Você sabe, o Aiolia pratica aquele monte de esportes todo dia, desde sempre! Você não tá nada mal, mas é lógico que ele é mais definido do que você, Milo...

O escorpiano a fitou com descrença – embora soubesse que ela estava com a razão –, dizendo que Shina era uma garota muito, muito má. Aí, ele percebeu que o teto e as paredes não pareciam muito firmes e começou a reclamar que a casa ia tragá-lo num vórtice temporal.

Shion já havia desistido dele fazia muito tempo, até porque estava mais preocupado com Shaka que, por sua vez, recusava-se a sair do banheiro. Dizia que era melhor ficar lá, caso precisasse vomitar mais, do que ir dormir. Apenas Ikki tinha conseguido entrar no banheiro, na tentativa de ajudar o loiro naquela situação lastimável.

Dohko e Mu andavam atrás de Milo, tentando fazê-lo sossegar ou, ao menos, não destruir nada devido à sua falta de coordenação motora. Com as mãos na cintura, Shina ria atrás deles, enquanto Camus se ocupava em cantarolar músicas francesas pela casa. Exausta, Marin foi quem teve mais sorte, pois Mu cedeu seu quarto para que ela dormisse e, de lá, como ela não ouvia quase nada da balbúrdia, acabou adormecendo facilmente.

O escorpiano só parou um pouco quando conseguiu puxar Shina e Camus para si, tentando convencê-los de que seria muito legal se dessem um beijo a três. A essa altura, Mu já estava sonolento demais em sua embriaguez para fazer qualquer coisa, tanto que tinha se deitado no sofá disponível.

Por fim, os três adolescentes dormiram embolados em um canto da sala. No entanto, Dohko e Shion os deixaram exatamente daquele jeito, considerando que seria muito pior se eles acabassem acordando de novo. Conferindo, pela última vez, se Shaka estava bem, resolveram subir para o quarto do tibetano mais velho e dormir também, antes que o dia amanhecesse.

***

As horas se arrastaram e a tarde já tinha se iniciado há muito tempo quando, finalmente, alguém acordou naquela casa. Aldebaran sentia-se meio cansado e com muita sede, mas, sendo muito resistente às ressacas, aquilo era tudo. Franzindo o cenho para a luminosidade do dia, ele se localizou rapidamente. Um gemido baixo e sofrido veio do sofá ao lado e, nesse instante, ele viu que Mu estava acordando também.

Eles se entreolharam e o ariano começou a sorrir com surpresa. Aldebaran estava com um bigode e um cavanhaque feitos com pincel atômico; óculos rabiscados ao redor dos olhos cor de mel; desenhos abstratos pelas maçãs do rosto; e a frase delírio da mulherada! escrita na testa.

– Foi a peste do Milo? – o brasileiro inquiriu, após o amigo ter descrito sua situação.

O tibetano assentiu, poupando-o de qualquer comentário engraçado. Depois, foram para a cozinha em busca de água. Aldebaran tentou brincar com o amigo, dizendo que este estava com uma aparência sofrida, mas não foi uma ideia muito boa. Definitivamente, foi uma ideia ruim, ele considerou ao observar o ariano desmoronar sobre uma cadeira.

– Você tá se sentindo tão mal assim? – perguntou preocupado, depois de perceber o rosto pálido do ariano e vê-lo colocar uma das mãos sobre a própria boca, como se quisesse sufocar algo.

Mu o encarou com os olhos arregalados, em choque. As lembranças da noite voltavam rapidamente e ele não podia estar menos do que abismado consigo mesmo. Tinha dito aquele monte de coisas para Shura e Aiolos, sendo que o pobre sagitariano nem imaginava nada daquilo! Tinha pedido um tempo em seu relacionamento...

– O que houve, Mu? – Aldebaran insistiu num tom ameno, sentando-se ao lado do amigo. – Eu me lembro de que na noite passada você estava muito abatido já. Algo com o Shura, não é?

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O ariano aquiesceu devagar, olhando para a geladeira sem realmente vê-la.

– Se não quiser, você sabe que não precisa falar nada. Mas, sendo seu amigo, eu estou preocupado e gostaria de ajudar de alguma forma. Faz bem colocar pra fora as mágoas e tudo o mais.

Com um suspiro desalentado, Mu considerou as palavras do outro. Era fácil porque além de Aldebaran ser um amigo incrível, o sorriso encorajador que ele lhe deu transmitia muita segurança. Ele era seu amigo, o melhor deles depois de Aiolos... Se não conseguisse desabafar com ele, não o faria com ninguém mais, certo?

Então, Mu contou tudo para ele cuidadosamente. Seus olhos claros não conseguiam se fixar em nada, vagando por toda a cozinha, especialmente inquietos ao fitarem a porta, como se ele esperasse que alguém aparecesse de repente. Além disso, retorcia sem parar as pontas dos cabelos que lhe caíam sobre o tórax. Sua voz tão calma falhou em alguns momentos, mas ele continuou firme até terminar.

Aldebaran escutou tudo o que o outro disse com muita atenção, sem deixar, contudo, de notar os movimentos nervosos que este fazia. Não o interrompeu em momento algum, fosse para fazer perguntas ou dar opiniões, assim como procurou ser o mais sutil possível enquanto o observava.

– Mesmo depois de tanto tempo, Shura ainda é um mistério pra mim. Bem, nem tudo foi feito pra ser entendido, não é? – o ariano suspirou melancólico. – Enfim, acho que é um relacionamento sem futuro... – concluiu, caindo num silêncio contemplativo.

– É melhor você não tirar conclusões precipitadas – sugeriu gentilmente, após considerar o caso por um longo momento. – Especialmente sobre o Aiolos. É importante conversarem, você sabe como ele é.

Mu sibilou de forma chiada, massageando as têmporas doloridas. Lembrar-se do olhar confuso e incrédulo do grego – sem falar na voz chateada do mesmo ao lhe perguntar a razão para tentar lidar sempre com os problemas sozinho – surtiu um efeito ainda pior sobre a dor já existente pela ressaca.

– Fora isso, não fique se considerando culpado por tudo o que aconteceu – continuou, apertando o ombro do tibetano de forma a transmitir confiança. – Já que deram um tempo, aproveite pra rever suas ideias e prioridades também. Pode ser que isso faça bem a vocês dois.

Muito bem, essa ideia soava adequada, Mu ponderou em pensamentos enquanto torcia uma mecha brilhante do cabelo pela última vez.

– Muito obrigado, de verdade – agradeceu enfim, tentando sorrir de volta para o amigo sem muito sucesso. Teve aquela horrível sensação de que um nó se formava no alto da sua garganta, sufocando-lhe. Os olhos se encherem de lágrimas e ele prendeu a respiração, sentindo-se constrangido. – Me desculpe por isso, Aldebaran!

– Hey... Sei que você é forte, Mu – replicou, franzindo o cenho de uma forma que pareceu um tanto quanto cômica por causa dos desenhos –, mas pode chorar se tiver vontade, ok?

Respirando fundo, o ariano concordou, por mais que não se permitisse derramar nenhuma lágrima. Afastou os cabelos para trás dos ombros e seus lábios quase formaram um sorriso. Só não sabia como agradecer ao amigo por toda aquela ajuda.

– Ficarei muitíssimo satisfeito com algo pra comer! – o brasileiro declarou e, como se pra enfatizar, seu estômago roncou em concordância.

O clima descontraiu-se enquanto o ariano andava pela cozinha à procura de coisas para comerem, sendo observado com curiosidade pelo outro.

– Só mais uma coisa, Mu – comentou, apontando para a garganta do amigo. – Parece que, antes de discutir com eles, você se divertiu...

O ariano engasgou com a própria saliva, tossindo até ficar todo vermelho. Tocou hesitantemente os lados do pescoço, sentindo um leve incômodo ao apertá-los. Marcas de chupadas, ele notou, marcas enormes de chupadas, concluiu em seguida, considerando a forma como Aldebaran o encarava. Oh, droga! Ainda tinha isso... Como dizer que aquelas marcas haviam sido feitas depois de falar com Shura? Feitas por Aiolia ainda por cima? Ah, sim, Mu queria desaparecer naquele momento.

Não teve muito tempo para pensar no caso, de qualquer forma. Logo ouviu um grito assustado, seguido de outros dois semelhantes.

***

Incrivelmente, Milo foi o primeiro dos adolescentes a acordar. Sentiu, antes de qualquer coisa, a cabeça latejar de dor. Achou que seu cérebro fosse explodir quando teve a infeliz ideia de abrir os olhos. Fechou-os rapidamente e, bem devagar, começou a pensar, enquanto gemia baixinho.

Pensar não era a palavra ideal, na verdade.

O que Milo fez foi passar por um momento peculiar de desorientação e pânico pós-bebedeira: Onde estou? Quem sou eu? Por que estou deitado no chão? E – por todos os deuses do Olimpo! – por que não consigo me mover?

As duas primeiras perguntas, sua mente teve a generosidade de responder com alguma facilidade; a terceira, ela ignorou; e a última... Bem, Milo arriscou abrir os olhos de novo, só um pouquinho... E lá estava Shina, meio deitada sobre seu tórax e seu braço esquerdo, com uma das pernas entrelaçada entre as suas.

Certo! Isso explicava a razão para não conseguir mover um lado do corpo, embora ele não fizesse a menor ideia de como chegaram naquela situação. Investigaria isso depois. Olhou para o lado direito e...

Camus? Por que ele estava deitado com o corpo praticamente colado ao seu? Não chegava a ser como Shina, mas, definitivamente, estava muito perto e sobre seu braço direito, ainda por cima. Milo ficou encarando o francês adormecido por um momento – ele parecia ainda mais pálido do que o normal –, forçando o cérebro a processar alguma informação útil.

A tarefa ficou mais fácil na medida em que Camus começou a acordar, com os longos fios ruivos emaranhados sobre o seu próprio rosto. A primeira coisa que fez foi entreabrir os olhos lentamente e piscar um pouco, sem chegar a abri-los totalmente. Enquanto o aquariano franzia levemente o cenho – sem dúvidas passando pelo mesmo momento de dor e desorientação que Milo sentiu instantes antes –, algumas lembranças começaram a aparecer na mente do escorpiano.

Aí, seu estômago enregelou-se e ele gritou de susto.

Os outros dois gritaram de volta, acordando totalmente no maior susto. Como consequência, as cabeças de Camus e Milo explodiram de dor; Shina, que havia bebido muito pouco, ou quase nada, apenas olhava para eles sem entender nada.

– Ah, já acordaram? – Aldebaran inquiriu, aproximando-se com o ariano. – É uma pena, porque eu gostaria de desenhar no seu rosto também, Milo...

O grego soltou uma risada, depois de observar sua arte, sem se lembrar do momento em que a tinha feito.

– Aposto que você adorou a frase, Deba!

– Claro, a verdade deve ser sempre dita! – replicou com bom humor, piscando um olho para a bagunça de cachos dourados e amassados que era o mais novo.

Os próximos momentos foram passados na cozinha, num silêncio estranho, enquanto os recém-acordados tomavam muita água e comiam. Aldebaran reparou que Milo, às vezes, olhava de soslaio para o francês como se quisesse estar em outro lugar. O grego não se lembrava de nada do que acontecera desde que tinham saído do Meikai. Na verdade, até sentia-se satisfeito por isso. As lembranças que tinha, embora imprecisas, já eram mais do que o suficiente para um surto psicótico.

Por sua vez, Camus mantinha sua habitual indiferença ao mundo. Os enigmáticos olhos não davam uma pista sequer sobre os seus pensamentos, fazendo com que fosse impossível – aos demais observadores – cogitar qualquer hipótese acerca das lembranças que possuía da noite anterior.

Já Shina sorria para si mesma, distraída, embora seus olhos verdes muito claros deixassem transparecer alguma preocupação. Mu estava simplesmente tenso, assim como a atmosfera que tinha se instalado na cozinha. Por isso, não foi estranho que Aldebaran tivesse ficado feliz quando Dohko apareceu com Shion e Marin, cumprimentando a todos com a voz um tanto quanto alta propositalmente, fazendo com que Milo protestasse baixinho.

O libriano o ignorou e piscou para Shion, começando a relatar tudo o que ocorrera durante a madrugada – para o desespero do escorpiano. Foi quando se lembraram de Shaka e Ikki, ainda enfiados no banheiro. Será que estavam bem?

***

Bem certamente não era a palavra que Shaka usaria para descrever sua situação. Tinha acordado sem lembranças, com dores musculares e um gosto amargo na boca. Pior, sentado no chão do banheiro entre as pernas de Ikki, com a cabeça apoiada no tórax deste.

O leonino o encarava fazia alguns minutos, parecendo perfeitamente saudável.

– Mas o quê...? – o indiano balbuciou confuso, levantando e se afastando do outro da forma mais rápida que conseguiu.

– Caramba, loiro! – Ikki exclamou num tom debochado. – Me agarrou a noite toda e, agora, me olha dessa forma chocada?

Shaka arregalou tanto os olhos azuis que o outro começou a rir, dizendo que era brincadeira.

– Mas teria dado bem menos trabalho – continuou, cruzando os braços atrás da cabeça e permanecendo sentado no chão. – Preciso te ensinar a beber...

– Estamos na casa do Mu? – o virginiano indagou preocupado e, ao receber um aceno positivo, continuou: – O que houve?

Ikki soltou uma risada e contou como Shaka era um bêbado lamentável. Sim, pois o loiro tinha passado mal – como o oriental tinha avisado enfaticamente que aconteceria – e vomitado um monte de vezes.

– E eu ainda tive que segurar o seu cabelo, loiro! Se não fosse por mim, ele estaria verde agora!

Além disso, quando a revolução estomacal pareceu estagnar, Shaka tinha sentado no chão, de frente para a janela e em posição de lótus, começando a meditar enquanto olhava para a lua. Sério, o loiro era bizarro!

– Eu não me lembro de nada disso – o virginiano protestou inconformado, fazendo careta.

– Eu até disse que se você atingisse o Nirvana era pra cumprimentar o Kurt Cobain...

Shaka olhou feio para ele. Ao mesmo tempo, algumas lembranças extremamente vagas começaram a surgir em sua mente.

– Enfim, você ficou muito tempo meditando, loiro. A certa altura, eu já estava praticamente sóbrio e quase dormindo só de ficar te observando. Como você se recusava a sair do banheiro, sobrou pra mim a tarefa de ajudar.

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Sem nada comentar, o indiano olhou para o espelho, suprimindo um gemido de frustração ao fitar seu reflexo depressivo e desalinhado. Enquanto tentava voltar a ficar apresentável, aborrecido pelo cheiro etílico impregnado em seus cabelos, Ikki continuou seu relato, sorrindo de lado:

– Aí, do nada, você exclamou, todo feliz, que tinha encontrado a iluminação, que Buda tinha aparecido na lua e falado com você.

– Sério? – Shaka parou de pentear seus longos cabelos com os dedos e o olhou, pelo espelho, de um jeito meio interessado.

– É – o leonino respondeu laconicamente, só para ver a reação do outro.

– Hmm... – fez o loiro, apertando os lábios. – E o que ele me disse?

– Bem... – começou, levantando-se e parando atrás do outro. – Ele te fez a bombástica revelação de que... – gargalhou de repente, lembrando-se.

Quê...? – Shaka insistiu impaciente. Maldito Ikki!

– Segundo você mesmo, Buda te revelou que o Aiolos é, na verdade, um centauro com asas, loiro!

– ...

Como assim? O virginiano arqueou as sobrancelhas, estava boquiaberto enquanto Ikki ria com gosto. Por que Buda diria uma coisa absurda dessas?

– E eu quem vou saber, loiro? Foi sua mente embriagada que criou isso tudo – replicou, afastando o mais novo para o lado, de forma que pudesse usar a pia também. – Depois do seu momento de êxtase, você passou mal de novo e... – interrompeu-se, reparando que Shaka estava profundamente pensativo, e o encarou com descrença: – Não me diga que tá considerando aquela revelação seriamente, loiro? Haha, eu não acredito!

– É claro que não! – exclamou com mau humor, meio desconcertado, e virou-se para a porta com o intuito de sair do banheiro. No entanto, parou pensativo com a mão na maçaneta e perguntou algo que o vinha intrigando desde que acordou: – Por que você se deu ao trabalho de... cuidar de mim?

Ikki deslizou as mãos molhadas pelos cabelos e deu de ombros.

– Nada em especial. Como você sabe, eu tenho um irmão da sua idade e tal. Fiz o que teria feito por ele, embora eu tenha certeza de que conseguiria fazer muito mais, já que o Shun não é tão terrivelmente teimoso como você...

O virginiano olhou para trás com o cenho franzido, considerando as palavras do outro. Nunca entendera como Shun podia ser irmão daquele ali. Eram tão diferentes! De qualquer forma, reconhecia que Ikki subira um pouco em seu conceito.

– Bem, obrigado então – disse, abrindo a porta finalmente.

– Você tá me devendo uma agora, loiro! – redarguiu, piscando um olho para ele.

Revirando os olhos, Shaka saiu do banheiro batendo a porta e deixando um leonino entre risos para trás.

***

Por sua vez, Aiolia acordou sentindo a mesma desorientação e pânico que Milo. Teve mais sorte, entretanto, pois apenas deu de cara com os enormes olhos azuis de um gato preto, que o fitava praticamente encostado ao seu rosto. Aspros, sua mente explicou na medida em que seu corpo rolava na cama até ficar de barriga para cima.

Quando ele começou a olhar para o teto, o felino achou uma boa ideia subir em cima dele para deitar-se em seu estômago. Okay, o leonino pensou, vacilando ao tentar olhar ao redor sem sentir uma vertigem, a presença de Aspros indicava que estava na casa dos gêmeos. Mas por quê?

– Se continuar mordendo os lábios com tanta força assim, vai acabar se machucando – Kanon avisou, entrando no quarto com Defteros no colo e um grande copo cheio de água, que estendeu para o mais novo. – Sua cabeça está doendo muito?

– Um pouco... – Aiolia respondeu, afastando Aspros para sentar-se na cama. – O que aconteceu? – perguntou curioso, após beber toda a água em um só gole, percebendo que estava no quarto do outro. – Aliás, onde você dormiu?

– No quarto do Saga – replicou como se fosse óbvio, sentando-se ao lado do mais novo.

– Quer dizer, na cama do Saga? – o leonino quis saber, arqueando as sobrancelhas. – Com o Saga?

Kanon assentiu distraído.

– E ele não se incomodou?

– Claro que não – respondeu, fitando o menor com estranheza. – Eu quem deveria me incomodar, ele passou a noite toda tentando me... Ahn, enfim! – Kanon balançou a cabeça e apertou as bochechas do outro. – Você deu um trabalho desgraçado essa noite. Saiba que salvei seu traseiro, literalmente.

Sim, tinha sido complicadíssimo afastar Saga do garoto, ainda mais porque Aiolia, em sua embriaguez, estava bastante receptivo ao assédio.

– O que você quer dizer? – o grego mais novo perguntou, chocado.

O geminiano saiu do quarto, fazendo um gesto para que Aiolia o seguisse. Na sala, encontraram o gêmeo mais velho sentado num sofá com os olhos fixos na televisão ligada, mas sem realmente prestar atenção no que passava.

Saga lançou um olhar aborrecido ao irmão, depois que este se aproximou e afastou-lhe os cabelos para trás, expondo-lhe o pescoço. Uma bela marca arroxeada maculava-lhe a pele.

– Observe sua obra de arte – Kanon disse para o garoto com sarcasmo, acrescentando para o irmão mal-humorado: – Não está nada discreto isso, Saga-bear...

Abismado, Aiolia observou o hematoma. Era brincadeira, né?

De jeito nenhum. O gêmeo mais novo explicou rapidamente como Saga, fora do próprio controle, abraçara o garoto que, por sua vez, se viu atraído pelo pescoço do mais velho. Se servia de consolo, aquilo havia sido tudo entre eles, pois Kanon se esforçara bastante para que nada mais acontecesse.

Saga, parecendo desinteressado e desconfortável, pediu desculpas para o leonino e desapareceu em algum outro cômodo. De acordo com o irmão, ele tinha um probleminha. Entretanto, Aiolia estava muito estupefato para perguntar o que isso significava exatamente.

– Eu não me lembro de nada disso... – murmurou, corando levemente.

– Imaginei – replicou, indicando com um novo aceno que o outro o seguisse até a cozinha. – Do que você se lembra? – perguntou, movendo-se atrás de coisas leves para comerem.

Mordendo o lábio inferior, o grego mais jovem franziu o cenho, concentrando-se. Lembrava-se de muitas coisas que ocorreram no início da noite. As bebidas alcoólicas, o jogo que Afrodite propôs... Depois disso, as lembranças ficaram mais vagas... Marin lhe dizendo alguma coisa e, em seguida, se afastando... Shaka sumido... Milo se agarrando com... Camus? Caramba! Aiolia começou a rir, mas logo parou porque isso fazia sua cabeça latejar um pouco mais. Tudo bem que tinha dado uma chupada no pescoço de outro cara, mas o escorpiano certamente estava fazendo mais do que isso.

– E onde o Mu entra na sua noite? – Kanon piscou um olho para ele, estendendo-lhe algumas frutas.

– Mu? – inclinou a cabeça para o lado, de um jeito infantil, e ficou encarando o geminiano sem entender.

– Você veio reclamar que ele te dispensou ou algo assim.

Aiolia pensou no tibetano por um momento. Por algum motivo estranho, a marca que fizera no pescoço de Saga voltou à sua mente e ele começou a morder o lábio com mais força, constrangido. E então, bruscamente, ele se lembrou de discutir com Milo sobre alguma bobagem enquanto Mu parecia triste e...

– Hey? – Kanon chamou, estranhando o jeito como os olhos do garoto se arregalaram, parecendo duas bolas de gude, e ele empalideceu subitamente. – Ai-chan?

O leonino o encarou com a boca aberta. Mas que... Merda, merda, merda! E enterrou as mãos nos próprios cabelos antes de bater a testa na mesa. Foi deslizando para baixo, na cadeira, até que a única parte visível de seu corpo fosse o topo da cabeça.

– Esses irmãos Ai-Ai são tão dramáticos... – o geminiano comentou, tirando suas próprias conclusões com facilidade. – Você o beijou, é isso?

– Não! – exclamou chocado, murmurando em seguida: – Não que eu me lembre, ao menos... Espero que não... Eu só... Quero dizer, o pescoço dele...

– Ah! – fez Kanon, debochadamente compreensivo. – Você curte um pescoço, hein?

Debaixo da mesa, Aiolia soltou alguns palavrões. O geminiano revirou os olhos e o puxou para cima. O garoto estava levando tudo muito a sério quando, na verdade, a vida era muito curta para se desperdiçar com tantos sentimentos negativos e moralismos exacerbados.

– É mesmo? – o leonino resmungou irônico. – O que eu devo fazer então?

O grego mais velho sorriu perigosamente, encostando a ponta de um dedo no alto do pescoço do mais novo.

– Depende. Parece que você queria aprender algumas coisas aí que o levassem pra próxima fase, lembra? – indagou, deslizando o dedo suavemente para baixo até parar na clavícula do outro, afastando a mão em seguida.

Não, ele não se lembrava disso, mas reconhecia que seria legal mesmo assim. Desde que fosse tudo teórico, sem partirem para a prática, certo?

Kanon riu para ele. Aham, certo, sem dúvidas.

***

E, sem dúvidas, Aiolos era quase tão dramático de ressaca quanto bêbado. Porém, como Shura estava acostumado com isso também, não se apressou a ir até o quarto quando o sagitariano acordou e começou a reclamar que estava morrendo – só e abandonado! – por negligência alheia. Bem, se ele era capaz de reclamar alto daquele jeito, não devia estar com a cabeça doendo. Não muito, ao menos.

Suas reclamações acabaram por acordar Afrodite no outro quarto, fazendo com que este se levantasse um tanto quanto vacilante – sabendo perfeitamente quem era e logo compreendendo onde estava –, não sentindo muitos efeitos pela ressaca. Máscara da Morte tinha feito com que tomasse muita água quando ainda estavam no Meikai, em algum momento entre a hora que o conheceu e a hora em que sumiram para o estacionamento. O pisciano lembrava-se de tudo perfeitamente.

E por falar nele...

– Boa tarde, Bela Adormecida!

Afrodite ergueu o rosto, resplandecente de beleza, que nem os cabelos bagunçados nem a face cansada conseguiam ocultar. Mesmo assim, ao notar o olhar do italiano sobre si, ele murmurou um cumprimento e recuou rapidamente de volta para o quarto, queixando-se sobre sua aparência. Odiava que alguma coisa em seu visual estivesse fora de lugar. Tinha que estar deslumbrante sempre!

Para Máscara da Morte, o sueco parecia perfeitamente fascinante, tanto que o seguiu até o quarto. Parou na soleira da porta, admirando o perfil atraente do mais novo, as ondas brilhantes de seus cabelos em completa desordem avançando por suas costas até a cintura.

Percebendo-se observado, Afrodite suspirou e seus ombros caíram em cansaço. Então, seus olhos azuis muito claros fitaram o italiano por entre os longos cílios escuros.

– Estou uma bagunça... – murmurou aborrecido, tentando ajeitar o cabelo.

– É mesmo? – Máscara da Morte perguntou sarcástico, umedecendo o lábio inferior.

O pisciano parou o que fazia automaticamente. Seus lábios de Cupido sorriram daquele jeito enganosamente doce e era possível ver as rasas covinhas que se formaram nas maçãs de seu rosto rosado.

As mãos de Máscara da Morte deslizaram apreciadoramente por suas costas até pousarem em seus quadris estreitos, puxando-o para ainda mais perto. Inclinou-se e deslizou a ponta de língua pelos lábios do pisciano.

Afrodite respondeu ao contato entreabrindo os lábios, esquecendo-se de detalhes menores como o cabelo levemente bagunçado.

Nenhum dos dois ouviu quando um extremamente preocupado Aiolos saiu correndo da casa – depois de falar com alguém no telefone –, sendo seguido por Shura, enquanto reclamava que tinham deixado seu inocente irmão caçula aos cuidados dos gêmeos.

Continua...