– Eu e sua mãe fomos ao mercado fazer compras. Ela estava como sempre, agitada e reclamava que os sinais estavam brincando conosco e que tinha coisas melhor a fazer e não podia demorar. Só que nesse momento fomos abordados por dois homens, fortes e altos, mandaram que saíssemos do carro. Obedecemos. Eles começaram a nos revistar, a procura de dinheiro. Pegaram as nossas carteiras e tiraram o que tinha, já feito o que queriam, foram andando para alguma rua próxima. Nem se importaram se fossemos ligar para a polícia ou algo assim. Só que sua mãe falou alguma coisa, não me lembro. Só lembro que um dos homens não gostou e se virou, sacando a arma que estava na cintura. Eu gritei para ela se abaixar, tentei correr em sua direção, mas foi tarde demais. Ele deu dois tiros nela e correu junto com o outro. Fiquei apavorado. Meus joelhos falharam na hora, fiquei olhando o corpo dela no chão, ensopado de sangue, seus olhos arregalados pela surpresa. Não havia mais motivos para viver, queria morrer. Mas me lembrei que tinha você para cuidar, levantei-me. Eu devia ter ligado para a polícia na hora, só que minha mente ficou em branco, não sabia mais o que fazer. Andei em direção de casa, não conseguia racionar corretamente, meu corpo só se mexia nada mais.


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Então a verdade é que minha mãe reagiu a um assalto. Pelo jeito dela eu pensava que não faria isso, arriscar a sua vida. Sempre foi agitada, mas fazer algo tão “perigoso”... Afinal o que ela estava pensando? Se meu pai tivesse conseguido salvá-la, talvez estivesse aqui, falando que foi por pouco.

Será que ela esqueceu que tinha uma filha que ainda precisa de cuidados. E deixar o marido, se culpando pela morte dela. Queria ter estado lá, com eles, talvez eu conseguisse protegê-la. Mas não, fui com os meus amigos para fazer um trabalho, eu podia ter recusado e marcado para outro dia, com toda a certeza tinha salvado-a.

– Pai. Vamos subir, é melhor o senhor descansar.

Ele concordou e subiu. Eu entrei na cozinha, bebi um copo d’água e voltei para a sala. O telefone começou a tocar, fui atender.

- Alô.

- Sara! É a Carla. Vamos a uma festa?

- Festa?

- É de um primo meu. Vai o Carlos junto, eu liguei para chamar o resto, só que decidiram ficar em casa.

- Vou ver aqui. Viu o noticiário?

- Vi. Meus pêsames por você. Vai querer ir?

- Não sei, talvez.

-Daqui a meia hora eu passo na sua casa. E é de roupa preta.

- Tá bom.

- Até.

Desliguei e subi. Andei até a porta do quarto do meu pai e bati. Mandou-me entrar.

– Pai? A Carla ligou e me chamou para uma festa.

– Festa?

– É do primo dela.

– Vai querer ir?

– Se o senhor deixar.

–Vai voltar que horas? – Olhei o relógio e vi que eram oito.

– Por volta das onze.

– Está bem. Pode ir.

– Obrigada.

Andei em direção ao meu quarto. Abri o armário e fui à procura de peças de roupa pretas. Achei uma blusa de manga curta, um pouco prateada, um short jeans preto e uma meia rastão. Vesti-as e peguei uma sapatilha. Andei para o banheiro e penteei os cabelos e os prendi em uma trança, passei uma maquiagem leve. Coloquei um brinco de argola e peguei o meu celular.

– Pronto. Agora só esperar.

Ouvi uma buzina, pelo visto terminei de me arrumar a tempo, avisei o meu pai e desci. O pai da Carla estava dirigindo e ela no carona, o Carlos atrás. Entrei no carro e dei boa noite.


– Nada mal. – Comentou.

– Obrigada.

– Quem diria que sabia se vestir.

O ignorei e olhei para a rua. Como sempre, vazia. E de novo a sensação de estar sendo observada. Tentei enxergar algo dentre as árvores, já que a rua estava deserta, mais era difícil. Se uma pessoa estivesse na sombra eu nunca a enxergaria. Olhei para o céu, estava nublado. Acabei me distraindo olhando as nuvens.

Nem havia percebido que tínhamos chegado na “festa”. Era uma casa de show. Despedimos do pai da Carla e entramos, estava lotado, o som parecia estar no último volume, senti meus ouvidos doerem. O teto cheio de enfeites, não consegui identificar pelo formato o que era.

Como suspeitava, Carla me empurrou de novo para uma das suas mentiras, fui burra por não ter desconfiado. Eles estavam um pouco longe, tentei alcançá-los só que esbarrei em alguém, e ele fedia a bebida. E não era um adolescente, mais um homem, bem alto e musculoso. Ele me segurou e me puxou, tentei me soltar, mas não dava. Gritei, mas era impossível alguém escutar com o som tão alto.

Estava com medo, medo de ser violentada ou qualquer coisa do tipo. Não tive escolha, o mordi e pelo visto ele não gostou. Apertou mais o meu braço, já estava dormente de tanta força que ele fazia. Mordi mais forte e ele largou.

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Não pensei duas vezes corri, estava assustada. Queria encontrar logo os dois e ir para casa. Olhei em volta e não os achei, olhei para trás e não vi o homem. Encostei-me na parede, queria ver se via alguém conhecido. Lembrei-me do celular, peguei e estava sem sinal. Já estava ficando agoniada com isso, não estava gostando daquele lugar e depois daquele homem ter me agarrado, comecei a gostar ainda menos. Levantei e fui ao banheiro, o barulho estava mais ameno.

Pensei em talvez encontrar a Carla lá, só que não a achei. Eu tinha duas opções, ficar no banheiro ou enfrentar aquela multidão de pessoas para poder sair. Decidi sair, andei entre as pessoas, fui até o palco e sentei nele. Olhei em volta, queria ver se enxergava um ponto meio rosa no meio da multidão, a Carla tinha colocado na cabeça que queria pintar dessa cor o cabelo. Não consegui vê-la, desci.

Andei em direção à saída. Encontrei o Carlos sozinho. Estranhei, eles estavam juntos quando me perdi. Cheguei perto e o cutuquei. Ele virou e quando me viu, abriu um sozinho. Perguntei onde estava a Carla e me respondeu que foi telefonar para o pai dela e pedir para ir nos buscar. Fiquei ao lado dele esperando-a voltar.

Esperamos entorno de dez minutos e ela veio nos avisando que logo o pai dela chegaria. Percebi que a quantidade de pessoas que ia chegando era grande, não sei se caberia tanta gente naquele lugar.

O pai dela chegou e nos deixou em casa. Cheguei e toquei a campainha, ninguém atendeu, olhei para o relógio e ainda eram dez horas, toquei novamente. Esperei e nada, peguei o telefone e liguei para o meu pai e atendeu.

– Pai? Abre a porta, acabei de chegar.

– Ah! Espera um segundo que já vou abrir.

Desliguei e esperei. A porta foi destrancada e entrei, ele a trancou novamente. Andei até a cozinha para pegar um copo d’água, estava com sede, e parecia que meu pai tinha ido às compras porque a geladeira estava cheia de comida. Que bom pelo menos não precisamos mais sair para ir a um restaurante ou algo parecido para comer.

Acabei de beber água e lavei o copo e o sequei. Subi e tirei a roupa e limpei o rosto. Peguei a roupa de dormir e fui tomar um banho. Quando terminei fui ao quarto do meu pai para perguntar o que ele queria jantar e acabou que desceu junto comigo.

Preparei uma comida rápida e comemos. Lavei a louça e fomos ver televisão na sala, não tinha nada de interessante para se assistir. Propus uma partida de algum jogo e ele aceitou. Demorou um tempo para escolher qual jogar e acabou que foi copas e eu perdi a primeira rodada. Nunca fui boa nesse jogo. Pedi uma revanche, só que recusou.


– Eu quero jogar dominó.

– Então tá, vamos jogar esse.

Acabei ganhando dele. Depois jogamos xadrez e esse foi o mais demorado. Eu nunca tive um raciocínio “ágil” e meu pai já participou de um campeonato quando era pequeno e ganhou o primeiro lugar, resumindo perderia com toda a certeza.


– Chega! Você sempre escolhe os que eu sou ruim.

– Então significa que você tem que praticar mais.

– Não quero.

– Então não reclame quando perder.

– Já que é assim, eu quero uma partida de buraco. Quem perder faz o almoço durante quatro dias.

– Fechado.


Impossível eu perder. Eu sou mestra nesse jogo. Ocorreu tudo bem e eu venci. Meu pai ficou choramingando, ele não gosta de cozinhar, apesar da comida dele ser muito boa. Quando acabamos com o “campeonato” já era meia noite.

Trancamos a casa toda e subimos para os nossos quartos, estava sem sono, então decidi fazer os trabalhos de casa, que por sinal não eram poucos. Fiz a maioria, só faltou o de matemática e física. Enrolei para fazer.

Acabei tudo quando eram duas horas da madrugada. Não tinha mais escolha, era melhor ir dormir. Liguei o abajur e desliguei a luz, me deitei na cama e tentei dormir, sem sucesso. Fiquei encarando o teto, pensado no que poderia fazer amanhã. Talvez ir para a casa da Laryssa passar o dia ou talvez ir visitar os meus avôs. Resolvi então ir pela manhã visitar meus avôs e levar o meu pai junto. Depois do almoço ia para a casa da Laryssa, ver se tirava também umas dúvidas sobre alguns exercícios.

Estava pegando no sono, minhas pálpebras pesavam cada vez mais, minha visão ardia e minha cabeça doía. Precisava dormir de uma forma ou outra. Vir-me-ei, senti meu corpo relaxar e meus olhos se fechando. Minha mente se desconectando a realidade, e acabei dormindo.

De princípio não havia nada, só havia escuridão. Depois foi se formando imagens, cada uma mais confusa que a outra. Pessoas, animais, objetos, e por último uma sala. Depois que cosegui entender o “cenário”. Tinha alguém sentado em uma cadeira, ela estava de cabeça abaixada, não dava para saber quem era. Tinha várias pessoas em volta, e duas delas estavam mais para as laterais segurando cachorros. Os que estavam na frente da pessoa sentada na cadeira seguravam facas e armas.

Comecei a ficar desesperada, os cachorros estavam latindo e tentando correr para atacar, os que estavam com as facas chegavam mais perto do rosto da pessoa sentada na cadeira e os da arma ameaçavam a atirar. Ficavam gritando que dissesse alguma coisa, não consegui entender por causa dos latidos, a pessoa da cadeira não se movimentava nem falava. Eles começaram a ficar com raiva, um que estava com a faca fez um corte na bochecha dela.

O sangue escorria. Não satisfeito, fez um corte profundo no braço, e ela não reagiu. Sangrava e em poucos segundos o braço estava coberto de sangue. Estava começando a ficar enjoada. O que parecia ser o chefe chegou perto e cochichou algo no ouvido e ela levantou o rosto, tentei ver quem era. Só que estava difícil, o cabelo cobria o rosto e a pouca luz que havia foi coberta pela sombra do homem que estava na frente.

De repente escutei um tiro, os cachorros pararam de latir no mesmo instante. O homem levantou e chamou o resto das pessoas para se retirarem da sala. Um por um foi saindo. Ficando na sala só o corpo. Queria ver quem era, estava curiosa e ao mesmo tempo receosa, tinha medo de saber quem era. O sangue manchava a blusa. O tiro que o homem deu foi no coração. Pouco a pouco tudo ia sumindo, ficando só ela.

Forcei a visão para enxergar, quando vi o rosto me assustei. Não queria acreditar no que via, deveria ser obra da minha imaginação. A pessoa que levará um tiro e morrido, era eu.