2012

Poder da inveja


No capítulo anterior, Carmen organizou um grande bazar e com isso pode ajudar alguns membros da turma que ainda não tinham conseguido dinheiro suficiente.

- Você sentiu aquele tremor, Cê?
- Senti sim e até meus pais sentiram.
- Os meus não tavam em casa e quando falei, não acreditaram. O que os seus disseram?

Ele balançou a cabeça.

- O meu pai até estranhou, mas achou que não tinha nada a ver. O problema é que na televisão eles falam que não tem problema nenhum. Aí ninguém acredita na gente.
- Humpt! Aposto que eles sabem muito bem o que vai acontecer e ficam escondendo. Por quê? Não seria melhor avisar todo mundo de uma vez?

Mesmo de forma inconsciente, Cebola entendia a forma de pensar dos líderes e governantes e sabia muito bem porque estavam escondendo aquelas informações.

- Deve ser pra evitar uma rebelião mundial.
- Como assim?
- Se todo mundo ficar sabendo, vai virar uma bagunça dos diabos. Se sem aviso nenhum o povo faz besteira, imagine se todos ficarem sabendo? Aí é que o povo vai endoidar de vez!
- Será? Não sei não... acho que as pessoas iam tentar se proteger, fazer alguma coisa pra se salvar...
- Muitas iam fazer isso mesmo, mas outras podem acabar fazendo o contrário. Você sabe... com a notícia de que o mundo vai acabar, essas pessoas podem sair fazendo todo tipo de loucura e acabar piorando tudo.
- Não tinha pensado nisso...
- Pois é. Aquele pessoal lá do vale Cho Ming tá colaborando porque não sabe o que vai rolar. Se soubessem, não iam querer fazer nada. Pelo menos não sem poder entrar naquelas arcas também. Aí não ia dar pra preparar nada.
- Então pra poder salvar alguma coisa, é preciso deixar a maior parte na ignorância? Isso é justo?
- Pode parecer que não, mas se todo mundo endoidar o cabeção, não vai dar pra salvar ninguém e aí é que a humanidade vai pras cucuias mesmo.
- É...

Os dois continuaram andando sem perceberem que estavam sendo observados de longe. Quando os perdeu de vista, Valeska saiu de trás da árvore pensando consigo mesma.

“Humpt! O que aquele idiota viu nessa dentuça?”

Ler e acompanhar o blog da Denise tinha dado a ela muitas informações valiosas. Uma delas era a de que Toni gostava da Mônica. Tanto que ele até tinha se esforçado para juntar o dinheiro para ela também. Aquilo fez seu sangue ferver de tal forma que por pouco ela não saiu quebrando a casa inteira. Então ela tinha dado a ele o dinheiro para salvar aquela dentuça? Que raiva!

“Se ela pensa que vai se salvar as minhas custas, está muito enganada! Eu não deixei de comprar minhas coisas pra aquele canalha ficar enfiando dinheiro nessa baranga!”

Ela consultou o relógio e decidiu que era hora de ir para casa. Geralmente seu pai dormia durante a tarde, depois de beber algumas latas de cerveja, e ela sabia que ele tinha sono pesado. Ainda assim era bom não abusar. Era preciso estar em casa quando ele acordasse, senão ia ser uma confusão danada. No meio do caminho, ela foi bolando um plano para se “vingar” da Mônica por ter sido usada pelo Toni. Aquela dentuça não perdia por esperar.

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“Hum... outro tremor de terra...” ele pensou ao perceber que a terra tremeu levemente. As outras pessoas, concentradas demais em seus problemas particulares, não perceberam nada. Licurgo continuou caminhando pela avenida quando esbarrou sem querer em uma jovem.

- Me desculpe, querida. Eu... ah, Dorinha! Como vai?
- Oi, professor! Eu vou bem. Estou indo a biblioteca para devolver esse livro e pegar outro. – a moça respondeu mostrando para ele um livro em Braille.
- A biblioteca não é muito longe daqui. Quer que eu a acompanhe?
- Se não for incomodo...

Ela aceitou o braço que o Louco estendeu e os dois foram caminhando até a biblioteca enquanto conversavam. Quando eles pararam para atravessar a avenida movimentada, Licurgo percebeu que ambos estavam sendo seguidos.

“O que essa indesejável está fazendo aqui?” ele pensou olhando disfarçadamente para trás enquanto andava.

- Algum problema, professor?
- Heim? Nada não. Bom, pelo menos nada com o que você devesse se preocupar.
- Ah, tá.
- Como você consegue perceber as coisas?
- Sempre consegui. Aprendi a enxergar de outras formas.
- Isso é bom, é sim.

Os dois estavam chegando perto da biblioteca quando ele olhou para trás disfarçadamente e percebeu que ela continuava seguindo os dois de longe.

“Será que ela está atrás de mim? Só faltava mais essa!”

Quando eles chegaram, Licurgo ajudou Dorinha a entrar na biblioteca.

- Você poderá voltar sozinha?
- Sim, sem problemas. Obrigada por ter me trazido até aqui... e professor.
- Sim?
- Às vezes ficamos com raiva das pessoas achando que elas nos magoaram, mas nem sempre elas fazem de propósito.
- ???
- Elas apenas fazem o que podem fazer e não tem outra opção.
- Por que você...
- Isso me ocorreu de repente. Acho que o senhor entende o que eu quero dizer.

Sem falar mais nada, ela entrou na biblioteca deixando o homem parado na calçada com a cabeça dando voltas. Ele recuperou-se rapidamente e ao olhar em volta, viu que ela não estava mais os seguindo. Talvez fosse só um engano, talvez ela estivesse atrás de algum outro infeliz e ele foi embora dali mais tranquilo. Então algo lhe ocorreu de repente. Ela só tinha parado de segui-lo quando ele parou na biblioteca para deixar Dorinha. Depois aquela coisa tinha sumido.

“Essa não!” ele rodou sobre os calcanhares e correu para biblioteca atrás da jovem.

O local estava bem silencioso, como uma biblioteca devia ser. Havia muitas mesas espalhadas pelo lugar onde pessoas liam seus livros e outras procuravam nas estantes. Ele andou com cuidado e acabou encontrando Dorinha em frente a uma estante apalpando os livros. Ele olhou por todos os lados e nem sinal dela. Por precaução ele resolveu ficar só mais uns minutos observando a moça que lia os livros tocando suas páginas com os dedos e nada aconteceu. Ele sabia que se a morte quisesse mesmo levar aquela garota estaria perto dela, o que não estava acontecendo.

Licurgo deu o suspiro mais aliviado da sua vida e resolveu ir embora dali, feliz em saber que ela não estava atrás daquela moça no fim das contas.

Dorinha estava sentada em uma mesa lendo distraidamente quando alguém se aproximou.

- Oi, você por aqui?
- Oi, Aninha. Eu vim devolver um livro e pegar outro. E você?
- Estava procurando um simples que ensina primeiros socorros. É pra Carmen, então você sabe que precisa ser bem fácil mesmo.
- Ah, não fala assim. Ela é mais inteligente do que parece.
- É? Será que existe vida inteligente dentro daquela cabeça?
- Claro! Ela já mostrou isso, né?
- Bem... é... e olha só que livro legal eu achei! Tem tudo bem explicadinho!

Ela parou o que estava fazendo para ouvir a amiga falar sobre o livro que tinha encontrado. Tudo parecia bem quando ela teve a impressão de sentir outra presença atrás de Aninha. Não, não era impressão. Havia mesmo alguém atrás dela, mas quem? Arrepios estranhos percorreram sua pele. Era uma presença forte, imponente e também assustadora.

- Dorinha? Algum problema?
- Er... tem mais alguém com você?

Aninha olhou para trás e depois respondeu.

- Ué, tem mais ninguém comigo não!
- Deve ter sido só impressão minha...

D. Morte resolveu sair dali, surpresa por aquela garota ter percebido sua presença. Pelo menos ela não tinha suspeitado de nada, diferente de Licurgo que pareceu ter ficado apavorado. Pobre homem... mal sabia ele o que aguardava aquela turma.

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O sujeito coçou a cabeça uma vez, esfregou a nuca com a mão, pigarreou e quis saber.

- Tem certeza de que ela tem mesmo dinheiro? Eu não quero ter o trabalho de invadir a casa dela pra não achar nada!
- Claro que tem, Janjão! Aquele idiota do Toni deixou muito dinheiro pra ela!
- E se ela guardou num banco?
- Pelo que eu sei, eles estão fazendo tudo escondido dos pais, então não tem como ela abrir uma conta em banco. Aposto que deve estar escondido no quarto dela.
- E é muito dinheiro?
- Claro! O dinheiro dele e talvez o dela também!
- Hum...

Ele pensou mais um pouco, pesando os prós e contras. Entrar numa casa para roubar era coisa simples. O que complicava mesmo era o pedido daquela garota.

- E o que você quer que eu faça com a dentuça?
- Sei lá, o que você quiser fazer. Eu não me importo. Só quero que você dê uma lição nela.
- O seu pai não vai gostar.
- Ele não precisa ficar sabendo. Vai ser rápido e num instante você termina. Aí pode ficar com todo o dinheiro que conseguir naquela casa.

Por fim, ele decidiu. Parecia um trabalho simples e que poderia até lhe render um pouco de diversão. A dentucinha podia não ser a garota mais bonita do mundo, mas era bonita o suficiente para tornar aquele trabalho bem agradável.

O barulho na porta da sala fez com que ela voltasse rapidamente para seu quarto. Era seu pai chegando junto com outro capanga.

- E aí, Janjão? Tudo tranqüilo?
- Tranqüilo, chefe. Nenhum problema.
- Beleza, senta aí que eu tenho uns esquemas pra mostrar.

Sobre a mesa de centro da sala, Armandinho esticou uma folha grande de papel com algo que parecia ser um mapa cheio de anotações.

- O carregamento deve chegar nessa quarta-feira. Tá tudo acertado e eu já paguei pela mercadoria.
(Janjão) – E quem vai receber as armas?
- A gente. Nós vamos partir na segunda-feira. A casa tá pronta, a poeira abaixou e acho que a polícia não vai causar problemas por enquanto.
(Carlão) – Ainda tá meio cedo pra ir...
- Cedo nada! O bicho tá pegando e logo vai acontecer aqui também.

De manhã, quando ele abriu o jornal e viu a notícia de um terremoto em um país no oriente, Armandinho não teve dúvidas. Era preciso sair dali o mais rápido possível. O que lhe impressionou não foi tanto a notícia e nem o número de mortos e sim o fato de que de acordo com o jornal, nunca havia ocorrido um terremoto daquela intensidade naquele país. E pesquisando um pouco, ele viu que estava ocorrendo a mesma coisa em outras partes do globo. Se aquilo estava ocorrendo em outros países, podia acontecer no Brasil também e ele não pretendia pagar para ver.

- O resto do pessoal já tá pronto?
- Tá sim, chefe. – Carlão respondeu. – Quando você mandar, eles vão zarpar daqui.
- É isso aí! Nós vamos mandar naquela joça!

Os outros dois também riram. O plano era perfeito. Ao se dar conta de que seria preciso viver em outro lugar, Armandinho armou um esquema para mandar em tudo, se tornando o rei do pedaço. Por isso ele providenciou um grande estoque de armas e munição, muita munição. O suficiente para vários meses. Depois ele veria o que fazer. Seu objetivo era mandar naquela cidade e talvez naquele estado. Ele também tinha providenciado mudas de maconha e coca e um laboratório de refinamento tinha sido montado na propriedade.

Se as coisas iam desmoronar mesmo, por que não tirar alguma vantagem? Ele ria ao imaginar que em pouco tempo, seus rivais estariam mortos. E se as coisas fossem mesmo acontecer como a ruiva tinha lhe falado, não só seus rivais estariam mortos como também toda e qualquer concorrência. Ele poderia acabar sendo o último traficante do país! Com isso, ele tinha que se preparar muito bem, ter mercadoria para vender e armas para defender sua propriedade.

Valeska ouvia tudo do seu quarto, olhando seu pai e os capangas com a porta entreaberta. Seu pai era mesmo um gênio! Com aquele plano, ela ia voltar a ser como era antes: a abelha rainha rodeada e admirada por todos. A única coisa que lhe preocupava era o Janjão não poder executar seu plano por causa da correria dos preparativos. Seu pai era meio paranóico e não gostava que os capangas andassem por aí sozinhos e sem dizer para onde iam. Bem, pelos seus cálculos, tudo ia ser rápido e fácil. Ele acabaria dando um jeito.

“Essa dentuça vai ver só uma coisa, ah, se vai!” ela pensou esfregando as mãos imaginando o que o sujeito ia fazer com aquela garota. Uma pena ela não poder estar perto para assistir tudo! Em sua mente, não importava o fato de Mônica nunca ter sequer lhe maltratado. Não importava saber que fora Toni quem lhe enganava. Nada disso importava. Só importava que ela tinha gostado tanto de um rapaz que no fim das contas não se importava com ela e sim com a dentuça.

Era por isso que Valeska a odiava. E no fundo, ela também achava que a Mônica talvez soubesse o que ele andava fazendo e apoiava. Por que não? Talvez ela até estivesse enganando o próprio namorado, aquele carequinha sem graça, e ajudando Toni a vender as drogas e a tirar seu dinheiro. Sem falar que não era justo aquela garota estar feliz com o namorado dela e cercada de amigos enquanto ela era forçada a viver naquele apartamento e depois precisar ir a um lugar estranho onde não conhecia ninguém. Aquilo não ia ficar impune de jeito nenhum!

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