Leis da Noite - Mente sobre Materia

Mais Uma Noite, Mais Um Encontro - Parte 2


...

O ônibus que Michael pegara estava praticamente lotado. Conseguiu um lugar apertado no fundo da condução e lá se sentou. Além de ser um canto desconfortável, teve que aturar duas garotas do colegial que não se contentavam em apenas sussurrar suas fofocas e falsidades, elas preferiram gritar para enfatizar as coisas.

Era um lugar deprimente, se visto com um senso não humano e não acostumado com tais cenas. Primeiro de tudo: O cheiro. Enquanto em vida, aquele cheiro nunca havia sido tão... Notável. Mas agora era “algo mais”. podia perceber claramente aquela nauseante mistura de suor, sujeira, hálitos podres, cheirando a cigarro e a cerveja, bem como desodorantes, sabonetes, xampus, fortes colônias e perfumes, artifícios banais usados pelos seres humanos para atraírem uns aos outros.

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Aquilo tudo entrava no nariz do pintor como veneno. Suspeitava que houvesse sido feito, re-feito na verdade, para farejar sangue, e não sentir odores tão... Tão... Humanos. Porém, teria que aguentar todo aquele fedor humano se quisesse chegar até a residência do seu patrono. Por isso, fez o que pode para disfarçar aquele odor de humanidade e, tentando não ouvir o que as duas adolescentes diziam, tentou dirigir sua atenção para os passageiros.

As pessoas se emaranhavam umas às outras, segurando-se na armação da câmara de metal, sendo sacolejadas a cada curva e quebra-mola, chocando-se umas com as outras, aguardando monotonamente a hora em que seus pontos chegariam. Eram como animais indo para o matadouro... E, Michael sabia, agora ele era um dos que abatiam esse gado e aceitava.

Aos poucos o ambiente do veículo foi ficando menos viciado, conforme as pessoas saíam para continuar com seus trajetos diários e monótonos, de modo que logo tudo o lugar ficou mais calmo e espaçoso. A única coisa que continuava a perturbar Michael era o insistente falatório das garotas sentadas próximas ao vampiro. Ele pensou em mudar de assento, mas logo descartou a idéia. Gostava do fundo do ônibus e de todo aquele isolamento que lhe permitia observar os passageiros e ser ignorado pela maioria. Contudo, aquele estardalhaço produzido pelas adolescentes o irritava profundamente.

Talvez se fosse antigo, confiante, habilidoso e só um pouco mais alheio à vida teria matado os dois humanos que o incomodavam. Faria de um jeito que ninguém perceberia o ocorrido até que ele estivesse bem longe. Contudo, ainda era jovem, não conhecia e nem estaria apto a utilizar as “técnicas” necessárias para conseguir matar com eficiência e sem ser notado. Na verdade, mesmo sendo um vampiro e tendo a consciência de que era superior em inúmeras maneiras, não acreditava que algum dia conseguiria matar duas pessoas dentro de um ônibus, onde haviam muitas testemunhas, e conseguir que o feito passasse completamente despercebido. Portanto, com medo de tentar algo que atraísse atenção para a sua existência sobrenatural, decidiu utilizar-se de outra abordagem.

Agora que sabia de todo o enigma, ou ao menos pensava saber, por trás de Coudray, agora que sabia que o barão era um vampiro, certas coisas que haviam acontecido durante a conversa ficavam mais claras. Desde o dia anterior, quando começara a pensar na ampla gama de novas possibilidades que a vida vampírica oferecia, que uma coisa, uma ideia, se agitava em sua mente, quando pensava naquele primeiro encontro com o barão e no que o vampiro mais velho havia feito.

Sabia o que tinha que fazer, contudo, o método, como fazer, era algo que fugia do seu conhecimento. Primeiro fechou os olhos, forçando sua concentração. Tentava acumular dentro de si toda a vontade e sentimento de querer que aquelas duas fofoqueiras fossem embora. Quando sentiu que sua cobiça por expulsá-las estava toda concentrada em um só lugar imaginário, suspirou e ordenou que toda essa força se acumulasse em um só lugar e então fez migrar aquele bolo de energia para seus próprios olhos, tentando transformar tudo aquilo em algo parecido com uma ordem, só que, exprimida em um olhar. Suspirou mais uma vez, e então olhou, feroz, para as duas garotas.

O movimento fora tão brusco que as duas adolescentes não tiveram outra escolha além de olhar para a direção do vampiro, um ato reflexo e, finalmente, pararam de falar. Assim que o olhar dos três se encontrou não ouve nenhuma outra ação imediata, todos ficaram estáticos por alguns instantes. Uma linha invisível havia unido os olhos daquelas pessoas, um cordão sobrenatural pelo qual a ordem de Michael passava. E ela era clara: Saiam.

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Aquele contato não durou muito. Assim que Michael sentiu um arrepio percorrer seu corpo, quase como uma descarga elétrica, as garotas se levantaram sem dizer uma só palavra, nem ao menos trocando um olhar entre si. Pegaram suas coisas que estavam alojadas em cima de seus colos e partiram, indo procurar algum lugar no meio do ônibus, longe do jovem de cabelos emaranhados que as encarava.

Um muito satisfeito vampiro ficou a olhar para as duas, enquanto estas se distanciavam apressadas, balançando suas mini-saias a cada passo que davam, provocando os homens do lugar. Apenas um não as olhava com desejo, um único macho presente não era seduzido por aqueles pares de pernas, enaltecidos por uma peça mínima de roupa que usavam, mesmo no frio que fazia, para uma espécie de exibicionismo. A pessoa que não reparava no corpo das garotas talvez não pudesse ser classificada como tal, pois, era Michael, que apenas olhava para as meninas para contemplar a obra de seu próprio poder, e era exatamente isso que ele queria agora, força, para sobrepujar o que considerava “limites patéticos da humanidade”.

Aquele ser da noite trilhava um caminho sem volta. Repudiava e tentava afastar tudo o que lhe ligava com sua essência humana, querendo apenas o poder, luxúria e vivacidade da vida eterna. Contudo, não se preocupava e nem mesmo reparava para o que acontecia. Apenas se recostava, satisfeito com o que havia feito, com o que havia conseguido enquanto esperava o fim da viagem que o levaria às propriedades do colecionador. Fazia o mesmo caminho daquela noite a vários dias atrás, o caminho que o levara para a morte.