Capítulo 8

Estão me jogando na arena mais uma vez. Pela terceira vez. Só que nesta, sou realmente uma peça dos jogos deles. Apenas observo-me agir da maneira como eles planejaram.

Vejo-me na Colheita. A quinta da minha vida. A segunda em que serei colhido.

Effie e seu costumeiro sotaque do Capitol dão a mim e todos os outros as boas-vindas. Depois, ela anuncia que este ano, é um ano especial para os Jogos Vorazes, que completam setenta e cinco anos, data na qual será realizado o terceiro Massacre Quartenário.

Ela então sorri e depois fala afetadamente:

– Primeiro as garotas – mas o que afeta sua voz desta vez, não é seu sotaque do Capitol.

Sua mão, um pouco trêmula, avança em direção ao globo de vidro que contém um único papelzinho. Concentro-me em cada um de seus dedos com unhas de quase dez centímetros envolvendo o papel. As garras da morte coletam uma alma. E anunciam seu nome:

– Katniss Everdeen.

Vejo-me fechando os olhos ante o pesar de vê-la caminhando para a morte mais uma vez. Sinto-me por um instante suspenso e tudo o mais me parece abstrato, demasiadamente longe e insignificante: tudo o que eu vejo é ela. Ouço a plateia a minha frente prender a respiração e faço o mesmo. Meus pulmões ardem, mas sei que não é pela falta de ar – são suas chamas que ainda me queimam, apesar de extintas. E porque sei que já não a tenho, porque sei que tudo o que terei dela daqui para frente será apenas estas imagens de duas dimensões, frias e distantes, quero correr em sua direção, quero resgatá-la daquela prisão de vidro. Serei escravo de sua voz, servo da sua vontade, soldado da sua luta. Este é o efeito que ela causa, o qual ela nunca entendeu perfeitamente e teve ciência.

Minhas mãos agora tremem, incontroláveis, ante a necessidade de resgatá-la dali. Meus olhos estão ardendo porque sabem que tudo acabará em fogo.

Effie então redireciona suas mãos para o globo de vidro que contém dois papeis. Dois nomes: o meu e o de Haymitch. Apenas o dele é dito em voz alta. Depois é a minha voz que escuto:

– Eu me voluntario. Eu me voluntario como tributo.

A câmera então corta para o rosto de Katniss. Seus olhos estão cheios de lágrimas e determinação – eu sabia que ela faria tudo para salvar a minha vida. Meus olhos também se enchem de lágrimas. Ela também sabia que eu iria fazer tudo o que pudesse para salvar a vida dela.

Mas a diferença entre nós dois, é que ela obteve sucesso e eu não. Ela morreu e eu não. E parece receber todo o respeito do mundo por isso.

Um a um, vejo os três dedos médios da mão esquerda de cada pessoa ali presente unirem-se e em seguida serem levados aos lábios, para então serem erguidos. Vejo Katniss fazer o mesmo. Sinto a mim o fazendo agora, mais uma vez de fronte as câmeras. Só que ao invés de erguer a mão para os céus, a redireciono ao meu peito. Todo o meu amor, respeito e admiração por Katniss permanecerão para sempre em meu coração.

Então vejo os pacificadores se aproximarem de nós. Katniss percebe o que vai acontecer um instante antes de mim: eles vão nos levar imediatamente. Não haverá despedidas.

Nunca há tempo suficiente para despedidas. Principalmente quando não se quer dizer adeus.