Possessão

Capítulo 14



Fazia mais de dez minutos que Toni estava dentro do banheiro dos rapazes, esperando o tempo passar. Ali era o único lugar onde a Mônica não se atrevia a entrar, já que ela o estava seguindo por toda parte.

No inicio ele adorou receber aquela atenção, mas com o tempo ele foi se sentindo sufocado. Mônica estava sempre atrás dele lhe dando algum quitute que ela tinha preparado com as próprias mãos, no outro dia ela tinha lhe dado um cachecol feito por ela mesma... ele até tinha apreciado aqueles mimos, mas o problema era que Mônica estava ficando grudenta demais para o seu gosto, sempre lhe seguindo por toda parte, lhe cobrando atitudes absurdas de cavalheirismo e tendo crises de ciúmes todas as vezes que alguma garota conversava com ele.

“Credo... já tinham me falado que as meninas mudam depois que começam a namorar, mas isso é tosco demais!” ele pensou, ainda sentado no vaso. “A gente nem começou a namorar e ela mudou desse jeito! E mudou pra pior!”

Para começar, Mônica tinha passado a usar aquelas roupas caretas. Ela mais parecia sua mãe! Depois as atitudes. Por que ela tinha ficado tão fresca? Vivia dando chiliques na aula de educação física, reclamando de tudo que acontecia nas aulas. De repente, tudo para ela virou coisa de homem. “Matemática é coisa de homem”, “Física é coisa de homem”, “usar calça comprida é coisa de homem!” “XXX é coisa de homem”. Quanta caretice!

Seu interesse começou a diminuir desde o dia em que foram ao cinema. Para ele, ela tinha se comportado como uma tremenda caipira desengonçada. Como alguém consegue ficar apavorada diante de um filme com Alice no país das maravilhas? E daí que o filme era tão colorido? Era ridículo demais ela dar um gritinho todas as vezes que uma imagem parecia saltar da tela e a todo instante ela ficava repetindo que no livro não se falava nada de um chapeleiro com cabelos alaranjados ou uma rainha vermelha com a cabeça enorme. O passeio acabou sendo uma tremenda porcaria para ele.

O que tinha acontecido com ela afinal de contas? Toni tinha se apaixonado pela Mônica forte, segura, decidida e que não se intimidava por nada, não por aquela garota que parecia ser mais fresca e chata do que a própria Carmen. E para piorar, ela ainda ficava falando em casamento, deixando o rapaz apavorado. Que loucura! Eles nem estavam namorando e ela já falava em casamento? Então, se eles começassem a namorar, em pouco tempo ela estaria falando de filhos, netos, bisnetos...

Quando o sinal tocou, ele viu que era hora de sair dali, para seu desgosto. Se pudesse, ficaria ali a aula inteira só para não tolerar aquela chata no seu pé.

– Nossa, querido, você demorou! Algum problema? Estava passando mal?

Um arrepio de medo percorreu suas costas e por pouco ele não saiu dali correndo e gritando apavoradamente. Então aquela maluca tinha ficado ali o tempo inteiro esperando por ele? Ela só podia ser louca!

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Quando eles entraram na sala, Cebola ficou olhando para ela com cuidado e viu que não tinha como aquela pessoa ser a Mônica verdadeira. Tudo nela era diferente. O jeito de andar, falar, sua postura, a forma como ela se sentava, as roupas e principalmente sua fisionomia. Aqueles olhos não eram os da Mônica. Nada ali lembrava a garota dentuça e esquentada que ele amava.

“Porcaria... como eu não percebi isso antes? Que droga!” ele xingava a si mesmo o tempo inteiro. Aquilo era tão obvio e ele não tinha visto nada!

O mais curioso foi ele ver que Toni parecia não estar mais apreciando a companhia dela. O rapaz até parecia um pouco assustado. Também pudera! Qualquer um ficaria apavorado tendo uma criatura bizarra como aquela seguindo seus passos o tempo inteiro!

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Felizmente para ela Bianca preferia sentar perto do Toni, que se sentava mais no fundo da classe. Menos mal. Ela não queria de jeito nenhum ficar perto daquela coisa pavorosa que tinha tomado o corpo da sua melhor amiga. Ainda assim aquilo era difícil demais para sua sensibilidade. Saber que aquela criatura tinha ferido várias pessoas fazia seu estômago se revirar. Magali tentava manter a calma para não colocar tudo a perder, mas estava difícil para ela.

Cascão também tinha que se controlar para não partir para cima daquele monstro que machucou sua namorada e seus amigos. Ele só não fez isso porque imaginou que ela ainda devia ter a força da Mônica. Ainda assim, ele sentia ganas de pegar aquela criatura em uma esquina qualquer com um belo pedaço de pau.

As outras meninas também andavam de lado com ela. Não dava mais para chamar a Mônica para estudar. Ela parecia não saber de nada, tinha dificuldade com tudo e não demonstrava a menor disposição para aprender.

– Por que vocês se preocupam em aprender essas coisas? O destino de toda mulher é um dia casar, ter filhos e cuidar da casa. Eu não preciso saber química e nem geografia para fazer isso!
– A louca! Em que século você vive, criatura? O tempo em que mulher ficava enfurnada dentro de casa lavando cueca do marido já passou, fófis!
– Denise tem razão, Mônica! – Marina concordou. – hoje em dia estamos assumindo vários papéis importantes.
– Para que? Para trabalharmos mais e vivermos estressadas? Não, obrigada.

As moças não podiam acreditar que aquela ali era mesmo a Mônica. O que tinha dado nela? Desde quando a Mônica tinha ficado tão machista e com a cabeça atrasada?

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Aos poucos, ela foi ficando isolada das amigas. Tirando Magali, que ainda andava com ela de vez em quando, as outras foram se afastando. Não era tanto por maldade e sim porque estava ficando difícil convidar Mônica para andar com elas. Ela não gostava de assistir filmes, não gostava de festas do pijama porque ficava escandalizada com as conversas, sempre ficava desorientada quando andavam no shopping e em ruas movimentadas. Não estava mais dando para andar e nem conversar com ela.
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– Por que você não pode me levar em casa hoje?
– Hã... é porque eu preciso ajudar um amigo a fazer um trabalho importante...
– Ele não pode se virar sozinho?
– Foi mal, mas eu não posso deixar ele na mão... até mais, a gente se vê! – ele saiu dali quase correndo, deixando Bianca parada no corredor.

Ela apertou os lábios com força. Estava na cara que ele mentiu. Bianca tinha notado que Toni não a tratava mais como antes, não a chamava de princesa e nem lhe dizia galanteios. Ele parecia até querer fugir dela!

“Aposto que tem alguma sirigaita no meio! Se tiver, eu acabo com os dois!”

As outras meninas só passaram por ela rapidamente, lhe dando um tchau rápido e todas foram embora. Por que elas estavam se afastando? Claro, devia ser por causa daquela conversa boba de independência da mulher. Por que elas insistiam nessa idiotice? Se bem que ela também não estava muito interessada em andar com moças que vestiam aquelas roupas escandalosas e falavam de assuntos indecentes o tempo inteiro. Nem mesmo Magali estava sendo boa companhia.

Aquela não era a vida com a qual ela sonhava. Viver naquele corpo até podia ter suas vantagens, mas as implicações eram muitas e não estava mais valendo à pena.

De volta para casa, a mãe da Mônica viu a preocupação em seu rosto.

– Filha, algum problema?
– Eu... é... mais ou menos.
– Se quiser conversar.

“Conversar?” sua mãe era boa e cuidadosa, mas não tinha o hábito de sentar para conversar com a filha sobre aqueles assuntos.

– É, conversar. Eu tenho notado que você mudou muito nesses dias.
– Sei... e você não gosta dessas mudanças.
– Não se trata disso. Você é minha filha e eu vou te amar de qualquer jeito.

Sem saber por que, Bianca sentiu um nó na garganta.

– Eu não falei nada sobre essas mudanças porque achei que você estava feliz assim.
– E o fato de eu estar feliz tem importância para você?
– Claro que tem! Tudo o que eu quero é sua felicidade. Mas parece que você não está feliz.

A moça abaixou a cabeça, sem saber o que dizer. Pobre mulher... ela mal sabia o que tinha acontecido com sua filha verdadeira e Bianca não pode deixar de ter pena dela.

– O Toni... ele está distante... – foi tudo o que ela conseguiu dizer.
– Ah, sim... engraçado. Por que você resolveu andar com ele? Achei que gostasse do Cebola.
– O Toni é meu amado.
– Heim? Você está dizendo que ama esse rapaz?

O rosto dela ficou vermelho, já que não estava acostumada a ter esse tipo de conversa com ninguém.

– Sim...
– Não seria muito precipitado? Você nem o conhece!

Sim, ela o conhecia muito bem. Era por isso que o amava. Aquela mulher nunca ia entender isso.

– De qualquer forma, acho que você não deveria depositar sua felicidade nas mãos de outra pessoa.
– Não é esse o destino de toda mulher? Encontrar um homem especial, casar e ter filhos com ele?
– Quem te disse isso? Filha, nosso destino é determinado por nós, não pelos outros. Você não tem que seguir um caminho só porque alguém lhe disse que deve segui-lo.
– Mas a senhora se casou...
– Eu casei com seu pai porque o amo, não porque me disseram que tem de ser assim. Por mais que eu o ame, minha vida e minha felicidade não dependem dele. Dependem de mim, assim como sua felicidade depende de você.

Bianca começou a ficar confusa, sua cabeça dava várias voltas. Aquelas idéias eram novas demais, revolucionárias demais e sua cabeça não estava conseguindo assimilar aquilo tudo. Como era possível acreditar que uma mulher podia ser feliz e completa por si mesma e ao mesmo tempo amar e se casar? Se o casamento não servia para completá-la e lhe fazer feliz, então qual seria a sua finalidade além dos filhos?

Luiza percebeu a confusão da filha, que era maior do que ela esperava.

– Não vou continuar confundindo sua cabeça. Só pense no que eu te falei, tá? Vá descansar um pouco. Quando o almoço estiver pronto, eu te chamo.

Ela ficou muito aliviada pela conversa ter terminado e foi para o quarto tentar esfriar a cabeça. A sociedade tinha mudado não somente com os avanços tecnológicos como também na mentalidade das pessoas. Especialmente das mulheres. Tanta coisa nova para assimilar, tantas mudanças, tantas idéias que ela sequer conhecia...

Cada vez mais Bianca foi percebendo que não queria viver naquele mundo. Aquilo era demais para ela. Estava impossível assimilar tantas mudanças de uma só vez e ela se sentia totalmente inadequada, deslocada e sem rumo.

Realmente... ela não estava feliz.

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