Acordo Selado

A origem...


Mais um dia nublado na mais bela cidade inglesa. Um céu tênue de aspecto silencioso embarcava na nova manhã que surgia no horizonte. Uma mansão linda, brilhante e perfeita, em outras palavras, impecável. Devido a quem? A um ser sobrenatural que ocasionalmente passava por ali e simplesmente sentiu ter encontrado um tesouro que caçava a anos. Um garoto novo, pequeno, frágil, escondia uma essência magistral, volupiosa e atraente. Seu cheiro espalhava-se por quilômetros de distância e levou a atrair outros seres semelhantes, que aquele ser específico teve que distanciar ou eliminar. Tentaria ganhar aquela alma, a qualquer custo, a queria, a desejava e a seguiria até que o acordo fosse selado. Finalmente o dia tão esperado chegou. Ele se prostou diante daquele local sujo e malicioso, talvez tanto como o mais profundo inferno, e, lá entre tanta escuridão, a brilhante alma o chamava, o invocava, lhe servia de bússola que o direcionava para uma luz pura, cintilante, aterrassadora.

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Algumas palavras eram emitidas naquele ambiente imundo, algumas letras se ocultavam diante de tantas sombras, outras eram sussurradas, ora por um, ora por outro.

- Aceito, me tire daqui e me ajude na minha vingança.

Ordens precisas, curtas e sérias proferidas por uma boca macia e infantil.

- Seja meu mordomo, se chamará...

- Sim, my lord.

Novos dias, novas noites. O menino era um tanto depressivo e a presença sobrenatural do mordomo era mais que necessária. Sua alma seria um pagamento justo diante de tanto investimento e dedicação, ao menos era o que pensava o ser.

- Um dia o terei só para mim...

Se consolava o mordomo diante da fome extrema que sentia e das humilhações sofridas, derivados de xingamentos, gestos... tudo o afetava diretamente, por ser sobrenatural, ele sentia cada sutil palavra, cada sutil suspiro, cada sutil ranger de dentes.

Os dias passavam, casos eram resolvidos num mundo já condenado e em estado de caos, no entando, o mundo permanecia inalterável naquela casa, parecia ter um ambiente distante e inacessível ao tempo e à realidade externa.

Novamente o levantar, o bom dia, o chá e uma listagem de coisas a se fazer e o demônio novamente se consolava a cada dia com pensamentos novos, até que um certo dia, entrou no quarto do menino sem avisar, sim, cometera esse erro e acabou por vê-lo observar uma rosa numa jarra do quarto, a olhava ternamente, parecia lamentar o fato da mesma ter sido arrancada de sua planta original. O homem de preto o olhou por um tempo, parecia querer ler-le os pensamentos, o brilho fraco e puro dos olhos do pequeno o hipnotizaram. Ele sentiu vontade de entrar, abraçar Ciel contra seu corpo e recolocá-lo na cama, beijar-lhe a boca, e , talvez, beber um pouco daquele néctar.

Finalmente o olhar tornou-se uma fonte negra de raiva e ódio e se direcionaram para o homem próximo da porta.

- Sebastian! O que pensa que está faendo? Está atrasado!

- Mil perdões, my lord. Estava preparando-lhe uma torta alemã, com vossa licença.

Terminou de abrir a porta, colocou o carrinho com chá próximo da cama, servia-lhe o mesmo, sendo feito na hora. Ciel sentara-se na cama e aguardava. Por uns instantes, o menino pareceu olhar para a face de sebastian, pareceu tentar desfrutar daqueles olhos rubros do outro, um brilho singelo, diferente. O pequeno não deixou de notar algumas semelhanças daquele homem coms eu pai, fisicamente, claro. O modo de arrumar os cabelos, a agilidade e delicadeza típicos de um rei.

- Aqui está, my lord.

E lhe foi entregue a xícara devidamente.

- Obrigado, sebastian.

O mordomo se surpreendeu um pouco pelo agradecimento, pela voz gentil do menor, não sabia o que responder, seus pensamentos pareceram ter dado um nó e ele agressivamente cortou todas as possibilidades de um retorno afetuoso pensando:

- "Ele será uma ótima refeição, lhe falta raiva, só mais um pouco. Aguente firme."

E o maior aguardou o menino terminar de tomar o chá para logo vestí-lo. O "tocar" nele era algo maravilhoso, muito agradável ao demônio, este, permitia-se demorar mais do que era necessário o toque de sua mão com a pele do outro. Ciel também gostava daquele contato, visto que era o único que praticamente recebia naquela vida vazia e solitária. Uma vez, ele tentou comentar com seu mordomo sobre isso, sobre sua carência, mas veio-lhe à mente um pensamento reprovador:

- "O que um demônio vai entender de sentimentos? Isso é ridículo, é claro que ele não entende de nada disso, de nada dessas coisas!"

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E novamente rangia os dentes, não pelo o que o outro fazia, mas por esse sentimento que começava a incomodar em seu íntimo. Sebastian não deixou de perceber que a agressividade do pequeno parecera aumentar, preocupou-se um pouco, mas depois reprimiu-se e se conteve a repensar seus preparativos para o posterior "saborear" daquela alma.

Não era só Ciel que sofria mudanças, o próprio demônio pareceu repensar o acordo, pareceu incomodado com qualquer nova aproximação, com cada nova ameaça. Queria seu lord só para si, como se fosse uma propriedade exclusiva, essa possessividade aumentava gradadivamente, na mesma proporção que a raiva do mais novo.

E lá seguiam os dois, a passos largos em direção a um sentimento inaugural na relação humano/demônio.

Foi num belo dia de primavera que esse "extravassar" desse sentimento veio à tona, ao menos, foi mais perceptível se comparados com os anteriores. Ciel estava sentado na varanda de sua mansão, numa mesa que se encontrava no jardim, bebia um chá indiano e saboreava uma fatia de torta de caramelo. Ele observava alguns pássaros e ordenou que sebastian fosse verificar o que os outros estavam fazendo.

- Vá lá ver, está muito silencioso.

- Mas, my lord, está tudo bem, já fui lá ainda a pouco.

- Estou ordenando que vá denovo.

O mordomo olhou para o perfil do menino, inclinou-se para a frente mantando uma das mãos sobre o peito, numa direção inclinada em relação ao cotovelo.

- Sim, my lord.

A voz do maior saiu mais rouca e tensa, tal que o menino até atreveu-se a olhá-lo como que para reafirmar a ordem silenciosamente. As pupilas rubras se encontraram com as azuis e se fixaram nesse encarar-se por um tempo. O gesto diferente partiu do que vestia roupa preta.

- Estou me retirando, com vossa licença.

- Vá.

E o mordomo caminhava de cabeça baixa para a casa, subia as escadas tranquilamente, numa velocidade humana, amena. Sentiu uma brisa tocar-lhe os fios negros e lisos, olhou numa direção qualquer e observou o céu que apresentava-se levemente nublado.

- O tempo irá mudar.

E colocou-se a encarar as costas da cadeira de Ciel, mesmo que apenas olhando por cima de um dos ombros. Mal ele sabia que o menino chegou a ouvir-lhe a voz, mesmo que não tão nitidamente e que se comprimira-se dentro de si, sentindo um sutil arrepio.

Sebastian continou seu trajeto na direção da casa e o silêncio se mantinha, abriu a porta que dava para a varanda e só agora parou e levou uma mão à boca.

- É mesmo! Mandei-lhes irem à cidade! Minha nossa, como pude me esquecer disso?

Mantinha uma mão sobre os lábios, agora, semi-abertos, um sorriso demoníaco surgiu-lhe ali.

- Heh... o que está acontecendo? Quero ficar a sós com ele? Contenha-se.

Reprimiu-se e o sorriso se desfez, só agora sentiu uma mão tocar-lhe levemente a cintura, virou-se rápido com os olhos arregalados.

- Sou eu, não precisa se preocupar... é parece que eles sairam, por isso está silencioso.

Sebastian olhava-o completamente surpreso, ele não entendia como não sentira a presença de seu mestre ali, atrás de si, estava tão atortoado assim? Ous eria sua extrema fome? Essas perguntas dançavam em sua cabeça.

- My lord... deverias estar sentado e...

- Aguardando seu retorno? Do jeito que demora, poderia me molhar com a chuva que está caindo.

- O que?!

Sebastian correu até uma janela qualquer, o céu lá fora estava escuro e já chovia bastante. O mordomo inclinou-se na direção de seu mestre.

- Perdoe meu descuido, my lord.

- Não precisa, tô com sono, vou me deitar.

- Sim, mas não deveria banhar-se antes?

- Eu não saí hoje, Sebastian! Nem suei... dá um tempo, tô cansado... até parece que faria diferença tomar banho ou não.

- My lord, a higiene é importante.

- Me deixe em paz, quero apenas dormir, não receberei ninguém hoje mesmo... ninguém me dará um abraço, nem nada... tô sozinho, que diferença faz, ficar limpo ou não?

- Eu poderia abraçá-lo se assim desejasse, mas admito que perfumado tornaria esse encontro mais agradável, com todo respeito, my lord.

- Hum...

Ciel olhou-o e não conseguiu achar-lhe os olhos, estes estavam fixados no chão, devido ao maior encontrar-se inclinado. O jovem menino nunca saberia se Sebastian estava sendo irônico ou não. Preferiu acreditar na ironia e deboche do outro, afinal, o que mais se poderia esperar de um demônio? Ele preferiu mudar o assunto e afastar de uma vez por todas as possíveis possibilidades.

- Por que eles foram à cidade?

- Porque eu os ordenei.

- Hum...

Ciel pensava consigo:

- "Ele ordenou? Para que... oras... hoje não receberia nenhuma visita, ficaria à toa, passaria o tempo filosofando sobre minha vingança."

- Então, my lord, realmente não tomarás o banho?

E finalmente o outro ergueu-lhe a face encarando o menor. sebastian tinha uma face séria, ligeiramente irritada.

- Terei que abraçá-lo mesmo assim?

Ele tinha seus motivos para não desejar aquela aproximação, seu faro era muito apurado e realmente, para ele, Ciel estava fedendo e muito.

- Eu não pedi nenhum abraço!

Finalmente desabou o outro, sentia raiva de sua própria vida, de sua existência presa a um ser desprezível e da escuridão, ao menos era o que o pequeno pensava. Sebastian sentiu a pancada, reegueu o tronco, olhava-o rígido, com um olhar gélido.

- Nem venha comentar nada além do que lhe autorizei dizer! Não quero ações de pena! Não quero isso, entendeu, Sebastian?!

- My lord... eu..

- Não quero ouvir nenhuma palavra, to cansado.

- Por favor, me permita dizer... não disse isso por pena...

- Não escutou? Sem uma palavra a mais sequer! Não vo tomar banho e não quero abraço!

- Sim, my lord.

Sebastian voltou a inclinar-se e o menor saiu dali a passos rápidos, ligeiros, o maior sabia que este chovara em seu íntimo, queria consolá-lo, queria abraçá-lo, mas ao mesmo tempo não poderia nunca desrespeitar uma ordem, inclusive aquela, dada de olho no olho e sem piscar. O mordomo engoliu em seco, sentiu seu estômago doer e não só o estômago, seu peito doía levemente. Ele pareceu ignorar aquela segunda dor e seguiu o menino, finalmente o achou na livraria, sentado numa cadeira e dormia parcialmente sobre uma mesa, abaixo de seu rosto, estava o álbum de fotos, mais especificamente, a foto dele com os pais.

-...

O mais velho se aproximou dali e o carregou nos braços até o seu quarto, colocou-lhe na cama, trocou-lhe as roupas e o cobriu com um lençol de seda fino. Assim feito, posicionou-se em pé ao lado da cama e permitiu que suas mãos tocassem as palmas no colchão, permitiu seus joelhos e braços dobrarem, os corpos se aproximaram e o encontro foi feito, o de preto sussurrou baixo as seguintes palavras.

- Boa noite, my lord, durma bem...

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-... !

Num ato rápido e desesperado, Ciel o abraçou também, fungava baixinho, mas logo se recompôs desfazendo o abraço e deitando-se de costas para o maior.

- Obrigado sebastian, boa noite.

- ...

O mordomo sentiu o peito morno e o coração acelerado, levantou-se e segurou o castiçal olhando com um olhar amigável, amoroso. Ciel chegou a tentar vê-lo por cima de um dos ombros, mas este já se havia ido. O menino então fixou o olhar na lua cheia do lado de fora e ironicamente outra pessoa a observava junto dele.

Era a lua que havia testemunhado tudo, sim, naquela noite ela se fizera magestosa, grande, inapreensível.

E, naquela noite, era a única que tinha total conhecimento de tudo.

Continuação: >>>>>>

A manhã começou tranqüila, silenciosa. Uma brisa entrava pela janela e balançava as cortinas de renda do quarto. Ciel dormia ainda pesadamente, chegava a ronronar baixinho como o mais sensível e delicado gatinho. O quarto amplo não possuía apenas o garoto em sua imensidão íntima. Um ser de preto o observava, parecia deliciar-se com cada sutil movimento, mesmo que para respirar do garoto. Seus olhos fixados na mais alva pele, frágil e pura pareciam já saborear o destino inevitável daquele menino.

Ciel abre os olhos, senta-se e por uns instantes se dá conta que a claridade o incomoda, o quarto está vazio, silencioso. Ele respira profundamente, olha na direção do teto e deita-se denovo.

- Como gostaria de ter paz, ao menos um pouco em minha vida... fiz um pacto, agora é tarde.

Sentou-se novamente e estranhou o mordomo ainda não ter aparecido. Levantou-se cambaleando e espirrou brevemente, naquela noite, o tempo mudara e o ar agora estava mais úmido o que afetou sua frágil saúde.

- O outro mordomo, da Red... e o do ...

Rangeu brevemente os dentes, passou a pronunciar as palavras com cerco rancor e ressentimento.

- Alouis... todos, nós, cercados de seres bizarros, o mundo... cheio de seres bizarros... que mundo é este?

E olhou pela janela, via pássaros voando, alguns de seus criados cuidavam do jardim e regavam as plantas.

- E Sebastian... todo o aspecto gentil, mas ele.. deve ser um ser... horroroso. Espero nunca vê-lo realmente.

Respirou profundamente.

- Naquele dia, estava desesperado... agora? É... tenho essa coleira pendurada no pescoço. Acho que ela enuncia algo parecido como: Carne para churrasco.

Brincou consigo mesmo e sorriu.

- Deve doer... doer muito... ele deve ter só caninos na boca, dilacerar cada pedaço meu. Carne moída humana.

Ciel sorri mais uma vez, estava nitidamente nervoso e agitado, seu coração estava acelerado.

- Aquele maldito, onde está? Melhor forma de me livrar desse sentimento é pensar nele como uma pessoa, dá menos medo!

Quando ia abrir a porta, ele esbarrou com o seu principal empregado.

- Perdoe a demora, my Lord, estava vigiando o que os outros estavam fazendo, e hoje, trouxe especialmente 5 fatias de refinadas tortas de variadas nações como me pediu.

Ciel sentiu uma raiva grande e ia empurrá-lo, mas quando viu as tortas, sentou-se novamente na cama.

- Engordando o gado, sebastian?

- Desculpe, o que disse, my Lord?

O mordomo cortava uma fatia de cada torta colocada numa espécie de torre para o posterior saborear de seu mestre, se caso Ciel gostasse de alguma delas, ele já estava com a torta ali, para que o mesmo comesse até que ficasse satisfeito.

- Você ouviu. Desgraçado, maldito.

Sebastian o olhou por um tempo.

- Não adianta fingir inocência, é um maldito, não?

- Sim, sou. My lord.

Inclinou-se para frente o cumprimentando respeitosamente, sorria fingidamente por debaixo das franjas, seu sorriso demoníaco algumas vezes, se fazia presente.

- Eu disse: Engordando o gado, sebastian?

- Não tenho como engordá-lo, my Lord. Seu corpo é de uma genética pálida, frágil, como se fosse partir-se a qualquer instante.

Ainda mantinha-se inclinado, mas assim mesmo lhe foi arremessada uma torta nos cabelos negros. O mordomo nem se mexeu.

- Hunf!

- Perdoe a sinceridade, my Lord. Sujou-se?

E Lá ia o mordomo, ajoelhar-se diante da cama e limpando-lhe uma das mãos com um pedaço de pano de puro linho. Ciel apenas o olhava, pensava que aquele elemento vendia sua dignidade para alimentar-se.

- Obrigado Sebastian.

- Disponha, my lord.

- Vá limpar esse cabelo, não terei outra atitude semelhante. Sinto muito.

Disse sem jeito, o mais alto sorriu-lhe brevemente.

- Pode tentar me bater, agredir ou até matar, My Lord, mas o que me mantém calmo, é que sei que nunca conseguirá.

Disse cínico o outro olhando para Ciel com a face mais ingrata do mundo.

- Infelizmente não. Vá.

- Não antes de servi-lo.

- Eu disse agora!

E o mais velho serviu-lhe o que lhe cabia servir na sua mais completa calma.

- NÃO OUVIU? VA!

- Me perdoe, mas... se eu sair, não saberá se servir. Então, entre me limpar e cuidar de vós prefiro a segunda opção.

Ciel sentia a raiva crescer gradativamente.

- Pode me bater novamente, se isso lhe faz sentir melhor. Esta é de caramelo cocrante.

E entregou-lhe uma fatia.

- Estou sem fome, vê-lo sujo me dá nos nervos.

Sebastian sorriu.

- Então, devo retirar-me.

O mordomo ajoelhou-se diante do garoto e caçou-lhe uma das mãos.

- És gentil mesmo, my Lord. Agradeço a preocupação e gentileza.

Ciel corou, olhava para um dos lados.

- Embora saiba que não sou digno dela. Obrigado.

E se retirou dali, e novamente o silêncio se refez. O homem de preto poderia se limpar em segundos, mas adorava fazer o menino penetrar cada vez mais em sua própria escuridão, afinal, isso daria um melhor gosto depois.

Um pássaro apareceu no parapeito da janela, Ciel suspirou, e ambos entoaram um canto de melancolia.