Kyoto, Japão, 1986

A porta da lojinha de antigüidades de aspecto bem ocidental foi aberta com o badalar de um pequeno sino. O senhor idoso ao balcão, até então entretido no conserto de um velho relógio de bolso, ergueu os olhos para quem entrava: tratava-se de um rapaz local, de blusa e jeans, cabelo castanho escuro e pouco mais de dezoito anos de idade. Seguiu calmo até o proprietário, que perguntou:

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- Posso ajudar?

O visitante olhou brevemente ao redor, fitando as estantes repletas de objetos do início do século, e então respondeu:

- Indicaram-me a loja do senhor quando perguntei pela cidade onde poderia encontrar pertences não-reclamados de famílias antigas que aqui viveram.

- Ah, sim, realmente tenho algumas coisas... – o idoso riu por um instante, movendo-se atrás do balcão na direção de uma porta ao lado de uma prateleira, conduzindo aos fundos do prédio. – Queira me acompanhar, por favor.

O jovem assentiu com a cabeça, contornando o móvel e seguindo na mesma direção indicada pelo velho. Este destrancou a porta, aparentemente pouco usada, com uma pequena chave tirada de um bolso. Abriu-a e tornou-se guia do rapaz por um corredor escuro e empoeirado, a penumbra só dissipada aqui e ali pela pouca luz solar entrando através de pequenas janelas. Passaram por móveis revestidos de grossas camadas de pó, até atingirem uma escada que descia rumo a um porão. O garoto, sem hesitar, continuou acompanhando o dono do lugar pelo soturno itinerário.

Ao atingirem o subsolo, o “click” de um interruptor foi ouvido quando o senhor acionou uma lâmpada vermelha no teto, cuja sanguínea claridade pouco iluminou o ambiente. Boa parte dele, ainda assim, tornou-se nítida: uma sala abarrotada de artefatos antigos da mais diversa procedência, alguns em péssimo estado de conservação. Suportes nas paredes ostentavam várias espadas samurai, algumas talvez bem anteriores à Restauração Meiji. Quimonos e outras peças de vestuário eram vistos pendurados em biombos disformes, assemelhando-se a monstros adormecidos em meio às sombras. Pelo chão, álbuns de família amontoados, brinquedos, móveis, até mesmo rifles e pistolas da Segunda Guerra Mundial. Tudo bem desorganizado, somente poucos itens marcados com etiquetas que indicavam a possível linhagem à qual haviam pertencido.

- Fique à vontade para fazer sua busca – falou o velho, já voltando para a escada. – Se me der licença, tenho de estar lá em cima para atender aos fregueses!

- Hai – anuiu o jovem, já distraído com os objetos.

Abaixando-se, pôs-se a vasculhar aquele verdadeiro museu. Durante vários minutos esbarrou apenas em coisas inúteis a si, que dispôs de lado cuidadosamente, não desejando causar estragos. Esvaziou duas caixas de papelão sem nada descobrir de relevante, uma nuvem de poeira já tendo subido para o ar viciado do porão e por pouco não o fazendo tossir. Até que, no fundo do terceiro recipiente vistoriado, finalmente colheu frutos. Num quadro emoldurado em madeira havia uma imponente fotografia, em preto e branco, de um soldado recém-ingresso no Exército Imperial Japonês. Usava o uniforme tradicional e a data indicada na parte inferior do retrato era 1936.

O rapaz permaneceu observando os traços do militar por considerável tempo, como se hipnotizado. Por fim, ateve-se ao nome dele, também registrado na imagem... “Rokubungi Takeo”.

Voltou o rosto para o teto, pensativo.

- Rokubungi... – murmurou. – Será esse, então, meu sobrenome?

* * *

- Yui! Venha cá, Yui!

A animada garotinha de nove anos corria feliz pelo pátio de obras, distanciando-se do pai, que conversava com um senhor grisalho de óculos escuros numa cadeira de rodas. Inúmeros operários trabalhavam ao redor, manejando brocas e guindastes circundando um grande buraco no solo. Apesar da aparente prosperidade das obras, o semblante do homem ao lado do deficiente era de extrema preocupação.

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- Fico aliviado por compreender a razão de termos requisitado mais respostas por parte de seu grupo, senhor Lorenz – disse Daichi Ikari, aproveitando a distância tomada pela filha para tocar no delicado assunto. – Aquela... coisa que os trabalhadores encontraram enquanto cavavam o GeoFront... Quero dizer, vocês não estão mesmo aqui para estudar terremotos, não é verdade? Vieram desde o início procurando aquilo...

O cientista e empresário lembrou-se então da visita à escavação feita meses antes, quando presenciara, junto com seus homens, parte da gigantesca criatura humanóide se mexer, como que em espasmos. Estava viva, mesmo depois de tanto tempo sepultada sob o Japão, embaixo de toneladas e mais toneladas de terra e rocha. O que era afinal? Poderia aquele ser ter alma? Consciência?

- Senhor Ikari... – Keel replicou calmamente. – Há muito que não sabe sobre o que temos procurado pelo mundo há décadas... Eu me proporia a lhe explicar, porém receio que a verdade acabe perturbando-o mais que a ignorância... Mas, dado o auxílio que o senhor e sua corporação têm dado às nossas atividades, acredito que o mais justo seja lhe dar uma chance...

- Como assim?

Lorenz suspirou antes de continuar:

- Digamos que a cúpula de minha organização... passará por um remanejamento de pessoal em breve. E estamos por isso buscando novos membros.

Os dois pararam de se locomover, o japonês voltando-se totalmente para o alemão enquanto o ouvia perguntar:

- Daichi Ikari, gostaria de fazer parte da SEELE?