Vento no Litoral

Capítulo 4 - Novo amor



Caminhei errante e parei em frente à porta da minha casa, ainda tonta pelas recordações, sentando nos degraus. Eu sempre me senti fragilizada ao relembrar, tanto que fujo das lembranças me encolhendo em minha felicidade presente, que é pouca, mas suficiente.

Acabei deitando a cabeça nos joelhos, não querendo entrar e dar de cara com Victor, meu... noivo. Não que quiséssemos casar agora. Estávamos nos conhecendo e apreciávamos essa coisa de compromisso sério mais como um divertimento. Victor era muito antiquado e com apenas um sorriso benévolo fez com que eu aceitasse a aliança em meu dedo com estranho prazer. Pensar que eu tinha Victor, preso seguramente em meus dedos, ainda me era estranho e absolutamente seguro e bom. O jeito como ele atravessou a minha vida, derrubando o meu café expresso na saída de uma cafeteria é ainda mais incomum.

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Por muito tempo achei que nunca mais me prenderia a ninguém, aí Victor chegou e acabou tomando conta de mim. Cuidou de mim e continua cuidando. Como se ele fosse feito a medida pra quase conseguir tapar todos os buracos que eu tinha. Mas infelizmente, a maioria deles continuavam bem abertos. Victor sabia toda a história, ao menos em parte, e continuava ao meu lado. Para ele, eu tinha sofrido uma decepção amorosa forte. Apenas isso.

Ouvi a porta ser aberta e xinguei baixinho. Conhecendo o barulho do chinelo velho dele, que sempre o acompanhava nos dias que ele ficava largado no sofá assistindo filmes e me arrastava junto.

– Você está há horas aí. – a voz suave dele fez com que eu me encolhesse.

– Horas? – perguntei em um fio de voz.

– Sim. Vamos, entra. Está esfriando. – me levantei, desajeitada e ele sorriu, o sorriso iluminando o rosto redondo, os cabelos loiros curtos brilhavam a luz da lâmpada. Os olhos verdes me fitavam compreensivos. Entrei na casa e ele fechou a porta. Joguei a bolsa no chão e comecei a tirar meus sapatos. Senti ele me abraçando por trás e aproveitei a carícia, o beijo em meu pescoço quase me fez sorrir...Quase. – Vou fazer algo para comermos.

Ele me deu um beijo na bochecha e rumou despreocupadamente para a cozinha. Victor conhecia meus hábitos, bem demais até. Eu sabia que adiar as coisas com Victor seria bobagem, ele me encheria o saco. Ou me olharia de um jeito que me poria desarmada. Eu não tinha escapatória. Então, sentei no sofá, treinando como contar a ele que voltaria para aquela cidade e que deixaria a vida que tínhamos aqui para trás por tempo indeterminado. Logo ele estava de volta juntamente com uma bandeja com dois pratos cheios de macarrão a moda italiana e dois copos de vinho.

– Uau, você caprichou. Igual a... Todos os dias.

– Obrigado. – ele riu, levantando a taça. Bebemos devagar. Ele me fitou, me analisando. – Como foi seu dia?

– Terrível.

– Por quê? – ele perguntou, naquela sua voz treinada. Ainda parecia preso ao seu jantar, ignorei que talvez ele nem tivesse me ouvindo. Apenas tagarelei, nervosa:

– Recebi uma proposta maravilhosa do meu trabalho. Finalmente sair daquele escritório entediante; trabalhar com pessoas de verdade não manequins robóticas, em um planetário pra ser mais exato. Meu salário irá se duplicar e eu terei menos horas de trabalho.

– Isso é terrível? O que é o seu bom, então?– ele limpou os lábios com o guardanapo. Agora sim atento ao que eu falava. – Eu finalmente aceitar casar contigo?

– Engraçadinho...

– Então me conta, qual o verdadeiro problema?

– Não pude recusar a oferta.

– Malu, para de enrolar... – era uma mania minha esse negócio de enrolação. Não dava pra evitar, suspirei fundo e soltei logo de uma vez:

– O emprego é em Santa Bárbara. Me mudo em umas duas semanas.– esperei em expectativa sua reação. Ele se limitou a levar uma grande garfada de macarrão a boca. Mastigando lentamente e eu continuei esperando sua reação, de forma ansiosa. Então, ele limpou os lábios com o guardanapo e disse como se fosse algo bom:

– Nem pensar!

– Victor... – choraminguei, o realismo martelando insistentemente na minha cabeça. Eu não podia recusar, nem queria. Era uma oportunidade maravilhosa, apesar das circunstâncias.

– Não tenta me convencer, ta legal? Você vai pra lá e vai acontecer tudo de novo... – ele disse, magoado. Mordi o lábio.

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– Isso realmente ajudou bastante.

– Vai acontecer de novo, Malu?

– Não quero que aconteça de novo. – nos encaramos em silêncio, ele enrolando o macarrão no garfo e me olhando fixamente. A expressão tão calma que me deixou nervosa. Sua voz era mansa, quase pétrea. Isso me irritava, o quão controlado ele conseguia ser e ao mesmo tempo me fazer perder a estribeiras com essa mesma calmaria. Mas ao mesmo tempo eu precisava do controle dele, porque eu era absolutamente descontrolada.

– É um bom emprego. Irrecusável não é?

– Sim.

– Com muitos benefícios. Vai ser ótimo pra você...

– Victor...

Irrecusável... Melhor pensar nas mudanças, como vai se adaptar e...

– Para com isso. Não quero que aconteça de novo, ouviu? Não vai acontecer de novo.

– Se você diz... – ele sorriu, mas eu sabia que não acreditava em mim. Ficamos em silêncio novamente e eu sentia a tensão se instalando no ar, algo prestes a explodir. – Eu podia ir com você.

– Não pode ir comigo. Acabou de conseguir esse emprego. Que é ótimo. – Meia hora de casa, salário de dar inveja e tinha uma sala só pra ele com ar-condicionado. Era perfeito demais até pra um advogado.

– Não vou ficar perto de você se você for pra lá. É do outro lado do país praticamente. Porto Alegre, Rio de Janeiro. Olha a distância, Malu!

– Não exagera! E além do mais, existem viagens de fins de semana, oras! Até você conseguir alguma transferência.

– Vai demorar meses, no mínimo. E olha que eu estou pensando positivo. – ele disse, mal-humorado.

– Não estou feliz com isso também.

– Claro que não está... – ele falou irônico. Isso me irritou.

– Não quero me livrar de você se é isso que está pensando.

– Não estou pensando nisso.

– Mas está pensando em alguma porcaria. Te conheço o suficiente pra saber isso.

– Não sabe o que está falando.

– Me diz logo! Que mania estúpida de enrolar! – Você faz a mesma coisa, uma voizinha irritante rebateu. A ignorei, irritada o suficiente pra ter algo mais para me irritar.

– Não quero que você vá pra esse lugar, ok? Não quero. Que saco! – ele finalmente estava vermelho, mas ainda segurava o garfo firmemente. Senti uma vontade louca de deixá-lo tão irritado ao ponto dele sujar a camisa branca de molho de tomate. Sim, bem infantil.

– Mas eu vou, Victor... Quer você queira ou não.

– Isso porque você não está feliz em ir... – ele disse, os lábios fechados firmemente, a expressão carrancuda.

– Eu não me indiquei, ta legal? – gesticulei, jogando o cabelo pra trás no processo. Perdendo totalmente a paciência e a calma. – Eu recebi uma proposta e é sobre o meu futuro se você não percebeu.

– Pensei que era ‘nosso’ futuro desde que você colocou esse anel no seu dedo.

– Quer o anel de volta? Assim você tem a sua individualidade de volta e para de jogar isso na minha cara. – ele riu baixinho, continuando a comer. Senti meu rosto ferver.

Larguei o garfo e dei um grande gole na minha taça. O vinho me deixando tonta por alguns segundos. Não comi mais e admirei Victor por conseguir comer. Havia um bolo em meu estômago. Raramente brigávamos. Só por bobagens. Como Victor achar que a janela precisava ficar sem cortinas ou algo estúpido assim. E nós brigarmos era estupidamente errado.

– Não quero brigar. – a voz dele me assustou, como se lesse meus pensamentos...

– Não parece.

– Estou nervoso, certo? Não quero que você vá. Você parecer ter esquecido sobre tudo que aconteceu, nunca fala... Mas eu sou um idiota inseguro. Tenho medo de te perder.

– Eu ter esquecido não é bom? Estar aqui com você, não é o suficiente? Ter aceitado casar com você não prova que eu te amo?

– Maria... Você diz que esqueceu, mas só finge que não esqueceu. Lembra todos os dias e não me fala. É o suficiente para mim você estar ao meu lado, o compromisso prova que nos amamos. Mas não prova que eu sou o único que você quer. – engoli em seco, sentindo minhas orelhas queimarem. Lutei contra a verdade daquelas palavras cruas e diretas. O olhei firme, o coração meio apertado.

– Você é o homem que eu quero dividir minha vida.

– Já fazemos isso – Ele sorriu docemente, absolutamente angelical. – Talvez o trabalho seja bom pra você enfrentar seus fantasmas.

– Não existem fantasmas. Não tem nada a ver com o passado. Só com nós, certo?

– Será?

– Vamos parar com essa discussão inútil? Estou cansada. – demasiadamente cansada, quis dizer. Como se meu cérebro estivesse parando.

– Vai ser um bom emprego.

– Vai.

– Vamos continuar juntos.

– Sim.

Sim... Por quê?

– Porque eu te amo e sua insegurança está me irritando pra valer. Quer levar uns tapas? – sorri, colocando minha taça na mesinha de centro e me arrastando até Victor. Sentei em seu colo e senti suas mãos em minhas costas. Entrando por dentro da minha blusa. O beijei calmamente, sem afobação.

– Vamos pro quarto?– ele perguntou, a respiração sôfrega. Fiz uma careta e vislumbres de um dia chuvoso apossou pela minha mente em instantes. Fixei meus olhos naquelas grandes orbes de Victor.

– Aqui está bom. – voltei a beijá-lo e o ouvi resmungar algo parecido com “traumas com camas”. Pensei na viagem enquanto aquele beijo durou. Pensei em quase tudo. Menos no meu tudo específico.