Vento no Litoral

Capítulo 15 - Um tiro no coração



Estávamos na casa da minha mãe. Para comer sua famosa lasanha. A casa estava mais cheia do que o comum e as risadas altas misturadas com a infantil de Eduardo formavam um quadro estranho pra uma casa que eu havia acostumado a só ouvir discussões. Edith, Pablo, Igor, Eduardo, Alexandre e Ceci, estavam conversando sobre algo relacionado a televisão. E eu fiquei meio aérea, pois estava esperando o telefonema de Victor. Minha mãe servia bebidas, parecendo satisfeita com a casa cheia.

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Eduardo estava encostado em Igor, Ceci sentada ao lado deste e Alexandre pegando a mão dela. No sofá a frente estavam Edith e Pablo, conversando animadamente com Ceci. Fiquei observando Ceci alternando olhares enquanto ria entre Eduardo e Igor, e sorrindo amorosamente para o noivo. Suspirei, empurrando a cadeira de balanço de minha mãe para trás. Fechando os olhos e tentando me acalmar com o balanço suave da cadeira.

– Você está bem? – abri os olhos assustada e parei a cadeira com os pés. Alexandre estava ao meu lado. Havia puxado a cadeira idêntica aquela que eu estava sentada e a colocou ao meu lado.

– Estou sim.

– Não está não... – ele riu. – Soube que você se mudou pro prédio de Igor.

– Edith é bem insistente, acabou por me convencer.

– Deve estar sendo meio difícil.

– Já superei.

– Porque gosta tanto de mentir pra si mesma?

– Não é mentir... Se eu disser vezes suficientes talvez eu acredite.

– Interessante. – sorri para Alexandre, reparando em suas feições já amadurecidas. Não era mais o meu melhor amigo galinha. Era um homem, que trabalhava com finanças de forma clara e direta. Que havia ficado tão bonito quanto eu previa. Ele sorriu e vi que ele também pensava em minhas mudanças. – Senti saudades.

– Eu também. – mas as coisas haviam mudado, estava escrito nos nossos olhos. Éramos estranhos um ao outro. E eu não tinha vontade de conversar com ele, perguntar como havia sido para ele. Hoje eu estava meio cansada ou seria só desanimada? Tinha muito energia presa em meu corpo e isso pesava. Eu precisava sair, como quando saía com Edith para dançar ou qualquer coisa parecida. Acabei olhando na direção de Igor. Ele tinha um Eduardo quase adormecido nos braços. E Ceci discutia com ele sobre quem o poria para dormir. Eduardo acompanhava a discussão dos pais e tentava dizer que não estava com sono. Que estava bem. Pablo e Edith riam da cena. E eu não sabia como me sentir em relação a isso.

– Eu entendo, Malu. – Alexandre disse. O olhei confusa. – Às vezes eles parecem mesmo um casal, casados, com um filho. Felizes e tudo o mais. É complicado. Mas você se acostuma.

– Claro que se acostuma. – ri baixinho, um riso cansado e irônico.

– Não acha que seja a mesma coisa pra mim e pra você, não é?

– Sinto muito... Mas definitivamente, não é a mesma coisa.

– Tem razão, não é. Mas... Eu consegui, porque você não conseguiria?

– Porque eu cansei de tentar. Tenho minha vida agora, uma vida diferente da de antes. Igual a você.

– Justo.– ele balançou mais a cadeira, um sorriso irônico nos lábios.

– Todo mundo age como se fosse fácil pra mim. – gesticulei irritada com sua expressão maliciosa. – Não pensam que eu mudei.

– Nós sabemos que você mudou. Mas o jeito como você olha pra ele... E ele te olha. Deixa margem a dúvidas.

– Acabou. Eu tenho outra pessoa agora. E Igor vai arranjar uma pessoa. Tudo vai ficar bem.

– Vai mesmo? Mesmo vocês se amando?

– Eu não o amo mais! – exclamei, irritada e sem paciência. Não percebi que havia falado alto demais, num rompante de irritação, até a sala afundar em um silêncio constrangedor. Senti minha respiração descompassar. Algo me sufocar. Levantei da cadeira. Subindo apressadamente para o andar superior e me trancando no banheiro. Encostei a cabeça no azulejo gelado. Respirando fundo. Me ajeitei, olhando para a minha imagem no espelho. Uma Malu mais velha, tinha que ser também mais forte. Molhei o meu rosto com água gelada, me sentindo melhor, mas ainda assim desanimada. Alguém bateu na porta algumas vezes, dei de cara com Ceci, ela me analisou um pouco constrangida.

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– Hum, desculpa incomodar. É que estávamos pensando em ir à festa de uma amiga.

– Festa?

– É... – ela sorriu.– Em uma boate, ela me ligou dizendo que vai ter um grupo de amigos lá. Vai ser divertido. É um lugar bacana.

– E o Eduardo?

– Igor foi colocar ele pra dormir. Vamos todos... menos a mãe, porque ela vai ficar com Eduardo.

– Hum...

– Você vai? – pensei um pouco, precisava dançar, sentia o estresse me castigando.

– Claro!

– Estamos esperando lá embaixo. Vamos no carro do Igor que é maior e tudo o mais.

– Tudo bem, então. – observei seu perfil altivo descendo as escadas.

Ouvi o clique da luz apagando no fim do corredor e sem pensar caminhei em direção a uma luz fraca, bem antes onde ficava meu antigo quarto. Parei em frente a porta de madeira, que tinha tido meus adesivos sobre skate arrancados. Sorri com a lembrança, mas meu sorriso logo sumiu ao ver ao vulto sentado na cama.

Igor estava sentado na cama de Eduardo, que ressonava esticado e tranquilamente. Um abajur iluminava parcialmente o quarto e eu o analisei. Estava pintado de azul, com pôsters de desenhos animados e carros, em um canto próximo a janela havia pilhas e pilhas de brinquedos, desde quebra-cabeças a um estilingue. Igor estava com os cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça nas mãos, sua expressão era de desolação. Sua respiração era lenta e longa. Senti meu coração apertar e entendi que ele havia entendido o que eu disse sobre ‘ eu não o amo’. Quis dizer algo, mas o máximo que consegui foi soltar um sussurro quase inaudível, mas para mim do que para ele:

– Eu menti. – sua cabeça levantou-se e me assustei por ele ter ouvido. Nos encaramos por alguns segundos e eu senti a emoção crescer convulsivamente em meu peito. Respirei fundo e desastrada virei às costas, correndo pelas escadas. O olhar de Igor queimando em mim.

~*~

Pov Igor.


Eu não o amo mais! Essa frase batucou a minha cabeça enquanto de olhos arregalados eu olhava para Eduardo. Ouvi seus passos subindo as escadas, mas eu mal conseguia ouvir meus próprios pensamentos, mesmo na sala no maior silêncio. Ela havia decidido. Não se importava mais. Era isso mesmo? Engoli em seco, tentando me recuperar.

– Igor? – Ceci sussurrou. Olhei para Eduardo deitado no meu colo. Ajeitei-o melhor.

– Vou levá-lo para a cama. – peguei Eduardo no colo e subi as escadas, indo até o quarto dele. Que eu sabia, antigamente era o de Malu. Havia sido reformado e passado por mudanças, de acordo com os pedidos de Eduardo. Deitei-o na cama e ele abriu os olhos, sonolento.

– Pai?

– Sim?

– Você está bem? – ele esfregou os olhos.

– Claro. Agora pode ir dormir.

– Eu te amo, pai. – sorri, sentindo meu coração esquentar.

– Eu também te amo.

– Vou dormir agora.

– Ta legal. – ri baixinho, e ele puxou a coberta, logo adormecendo.

Pensei na minha vida. Na minha atual situação. Eu estava perdendo tudo, não tudo, pois tinha meu filho. Mas perdendo novamente aquela que eu amava, por erros meus. Olhei para Eduardo que soltou um suspiro no sono. Ele não podia ser um erro. Nem em um milhão de anos. “Eu não o amo mais!”. Ouvi novamente a voz de Malu com raiva atestar. Certo, ela falava de mim. Era óbvio. E era normal, não era? Os anos haviam passado e mesmo que eu nunca tenha conseguido não deixar de pensar nela, ela tinha seguido em frente. Estava com outro. Casaria com outro. Amava outro. Não a mim. Não mais. Seu amor por mim tinha se esvaído. Acabado. Tinha tido um fim, enquanto o meu sempre estivera vivo.

Minha cabeça latejou e eu coloquei a cabeça entre as mãos. Não sabendo como lidar com isto. E ao mesmo tempo tendo certeza de que a culpa era minha. Se eu não tivesse errado tantas vezes, eu ainda a teria. Se ela ainda me amasse, ao menos um pouco, ainda teria alguma espécie de esperança. Mas eu fui idiota, burro e cego o suficiente para perdê-la de várias formas. Como se tivesse fadado a isso. A não tê-la. “Eu não o amo mais”. Era o que Malu tinha dito. A verdade. E machucava...

– Eu menti. – uma voz baixinha sussurrou e eu levantei a cabeça, dando de cara com a expressão surpresa de Malu. Há quanto tempo ela estava ali? Ela me encarou, os olhos claros presos nos meus. E diziam algo... Algo familiar. Malu nunca dizia nada claramente. Mas ali estava algo límpido em seus olhos, como água... Expulsei as raízes de esperança que começaram a brotar assim que ela se afastou rapidamente. Ela não me queria mais. Então, talvez... Eu devesse deixá-la ir. Mas eu não queria, definitivamente, não queria.