Curada Para Ferir

Capítulo 19


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19 "Proponho que a única coisa da qual se possa ser culpado, pelo menos na perspectiva analítica, é de ter cedido de seu desejo."
( Jacques Lacan )

Agradeço por estar tudo escuro, pois sei que meu sangue subiu todo para as bochechas. Fui a única que caiu, e tentando me apoiar acabei me agarrando nas pernas de Vítor.

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- Que é isso garota? – Ele guincha, aumentando minha vergonha. – Dá pra me soltar, mas que coisa!

- Hei foi sem querer! – Ouço a voz suave de Bernardo.

- Não se mete. – Vítor retruca quando já estou de pé ao lado de Bernardo, pelo que percebo devido ao seu perfume.

- Olha, se você tratar mal a Melina, eu vou sim me meter! – Não sei se fico feliz ou desesperada por estarem travando uma briga dentro de um elevador quebrado.

- Enquanto ela me perseguir, eu vou retrucar, a garota não larga do meu pé. – E ele consegue me indignar mais uma vez!

- Você o persegue? – Bernardo pergunta, mas a minha resposta vai para Vítor.

- Ah se enxerga garoto! Porque você enfiou nesse seu cabeção que estou atrás de você? Ah me poupe.

- Eu quem estou precisando ser poupado de você. – Ele retruca e Bernardo entra no meio.

- Olha o jeito que fala com ela, estou avisando!

- Vai fazer o que, chamar a mamãe? – Fico abismada com a ira que ouço na voz de Vítor e no quanto ele se acha superior aos outros.

- Vou chamar...

- Chega! - Grito apesar de gostar de ver Bernardo me defendendo. Apesar de gritar neste intuito, me espanto ao ver que os dois silenciaram-se. – Não sei se perceberam, mas o elevador parou, e até onde vi estávamos no 23º andar, e isso não é bom.

- Não. Não é mesmo! – Exalta Bernardo. – Eu tenho claustrofobia! – Fico boquiaberta. Isso não deveria ter acontecido de jeito algum. Ele começa a se abanar, e parece ter notado o acontecido só depois do que disse.

- Ótimo, já não bastasse eu estar preso em um elevador, tenho que estar com uma pirralha chata e um playboy claustrofóbico. – Encosto Bernardo em um canto e me viro pronta para acabar com Vítor.

- Qual o seu problema garoto? Será que poderia uma vez, ao menos uma, não ser tão grosseiro e ajudar?

- Cala a boca!

- Ai meu deus eu vou morrer! – Diz Bernardo sem fôlego levando-me ao desespero.

- Não, claro que não, calma, respira fundo. Inspira, expira inspira, expira. – Repito fazendo o mesmo junto com ele. Ouço um baque, caio de joelhos e o elevador começa a se mover cm grande velocidade. Meu coração parece subir até a boca, o desespero toma conta do meu corpo.

Apesar de tudo, estou mais apreensiva por Bernardo, ficarei feliz em partir, poder reencontrar minha família, mas o Bernardo não. Ele não pode morrer, não agora, não comigo. Ele aperta minha mão com força e me puxa para um abraço apertado. Mais um baque, o elevador para e minhas pernas são esmagadas por Vítor, que caí sobre mim.

- Aiiii! – Protesto, e ele logo se recompõe, retomando sua pose.

- Droga! – Ele reclama. Sinto a respiração do Bernardo cada vez mais acelerada. Passo a mão em seu rosto, tateando.

- Calma Bernardo! Vai ficar tudo bem, respira fundo, vamos... – Começo a respirar fundo novamente, tentando ajudá-lo. A luz pisca novamente. Vítor se senta bruscamente, causando estrondo.

- Ótimo! Vamos morrer aqui! – Ele solta, fazendo Bernardo descontrolar a respiração mais uma vez.

- Olha, você não tá ajudando muito! – Digo perdendo a paciência. Como ele pode ser tão chato? Bernardo aperta minha mão que escorrega, de tanto suor que corre na dele. – Bernardo, escuta: Nós não vamos morrer!

- Claro que não! Nós somos imortais, não sabia? – Me viro para Vítor, mesmo não podendo vê-lo.

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- Qual é o seu problema? Será que não dá pra, ao menos ficar quieto? – Ele bufa, mas não contesta. Bernardo segura minha mão, mas dessa vez aperta e me puxa para mais perto. Ele aproxima os lábios do meu ouvido, e sussurra:

- Por favor, Mel! Não posso morrer, tem muita coisa que ainda preciso fazer. – Ele aperta mais, sem dúvidas deve estar quase prendendo o sangue.

- Não se preocupe! – Respondo tentando transmitir uma confiança que não tenho.

- Oh! Romance no elevador, que bonitinho! – Fico de pé, no exato momento em que o elevador se movimenta, jogando-me com violência contra a parede. As coisas escurecem mais, e perco a consciência.

Minha cabeça lateja, fazendo com que eu leve a mão até as têmporas, massageando-as, e levo um grande susto com o barulho que ouço. Abro os olhos e vejo várias pessoas ‘em cima’ de mim. Rodrigo, Belinda, Bernardo, uma mulher muito bonita de cabelo loiro bem curto, um homem alto e de aparência jovem com olhos cor-de-mel, e, para a minha surpresa, Vítor. Todos olham diretamente para mim, deixando-me ruborizada.

- O que foi? –Pergunto coçando a sobrancelha esquerda, totalmente sem graça.

- Ah Melina! – Belinda me amassa em um gostoso abraço. – Você é uma coisa terrível, acha divertido desmaiar? – Franzo o cenho, e Rodrigo acaricia minha bochecha, que fica mais rosa ainda.

- Você lembra do que aconteceu? – Flashes bombardeiam minha mente. Bernardo, Vítor e eu, presos dentro do elevador, e de repente sorrio. Estamos vivos!

- Lembro, mas... Como saímos de lá? – Olho para Bernardo, que sorri de lado para mim, deixando-me quase sem ar.

- Você foi incrível o tempo todo Mel! – Ele diz, e ignoro o revirar de olhos de Vítor.

- Diferente de você, não é mesmo? – Ele diz, e todos se viram para ele, que dá de ombros e continua. – Ele ficou o tempo todo apavorado, parecendo um cachorrinho na chuva... – Me seguro para não rir desta comparação. – E quando a garota desmaiou, não conseguiu fazer nada, só ficar mais desesperado.

- Claro que fiquei desesperado, ela desmaiou! – Bernardo disse exaltado, ficando vermelho. Vítor balançou a cabeça negativamente, e cruzou os braços.

- E acha que ficar gritando pelo nome dela ia ajudar? – Sorri fraco, feliz por saber que ele se preocupou comigo.

- Chega garotos, isso não importa mais. O que importa é que você foi ótimo rapaz, parabéns! – A mulher loira disse para Vítor, olho para ele, desentendida e noto que ele fica meio sem jeito.

- Não fiz nada demais! – Ele diz e sobe as escadas correndo, reviro os olhos.

- Desculpa Mel, é que, você sabe, eu estava... – Bernardo tenta se explicar. Balanço a cabeça negativamente.

- Deixa pra lá Bernardo, o importante é que estamos todos bem. – A mulher sorriu para mim, retribuí timidamente, e enviei um olhar questionador a Rodrigo, mas foi Belinda quem falou.

- Esses são nossos pais Melina. Eva...– Ela apontou ara a mulher – e Geovane. – Ela apontou para o homem. Sorri para ambos, que retribuíram.

- É um prazer imenso conhecê-la Melina, e fico muito feliz em saber que fez de tudo para ajudar meu filho com sua claustrofobia. – Assenti, ainda sorrindo fraco.

- Eu acho que Melina precisa descansar pessoal. – Diz Geovane, ganhando meu afeto. Estou realmente cansada, minha cabeça ainda dói, e desejo deitar na minha cama.

- Eu concordo. – Pela primeira vez ouço a voz tranqüila de Rodrigo, sorrio carinhosamente para ele, que novamente acaricia meu rosto.

Levanto-me no intuito de ir para o meu quarto, e Belinda me segue até o primeiro degrau, ela faz com que eu pare, e sorri terna.

- Obrigado, quanto ao Bernardo. – Aceno positivamente, e ela continua. – Ainda está de pé? Sua visita? – Confirmo e ela me dá um beijo despedindo-se. – Até lá.

Subo a escada desanimada, assim que chego ao topo, olho para a porta que está sempre trancada, com uma placa de ‘PROIBIDO BATER’ bem grande. Pelo modo como ele falou do Bernardo, parecia até que ele havia ajudado em algo, até parece. Reviro os olhos. Será? Por um momento me perco em pensamentos, será que aconteceu mais coisa enquanto fiquei desacordada? Como Bernardo sobreviveu ao seu ataque e a companhia de Vítor?

Quase rolo escada abaixo quando ele abre a porta e me pega olhando para ela. Ele me encara com desdém e fico sem saber o que fazer ou até mesmo dizer, mordo o lábio, e sigo para o meu quarto, fingindo não ter acontecido nada demais. Ouço a porta se fechar e me jogo na cama, afundando a cara no travesseiro.

Droga! O que ele vai pesar agora? Ele abre a porta e me vê lá, encarando. Como eu consigo ser tão idiota a esse ponto? Vai acabar pensando coisa errada, porque com certeza ele não vai pensar no que eu realmente estava fazendo que é... Meu Deus, o que eu estava fazendo? Levanto e sigo para o banheiro onde coloco a jacuzzi para encher com água bem quente. Caminho até o closet e escolho uma blusa de manga comprida branca, uma calça jeans de lavagem escura e meu all star de couro branco.

Deito, e mergulho. Fico parada por longos minutos, me esquecendo do tempo e de tudo que aconteceu há pouco. Começo a lembrar da minha família novamente, mas me recuso, não quero ficar sofrendo desse jeito. Eu os amo mais que tudo no mundo, mas lembrar deles me causa uma dor imensa, prefiro imaginar que estão em uma longa viagem. Suspiro. Minha barriga ronca, alertando-me de que estou perdida no tempo. Termino o meu banho, passo hidratante visto a roupa, penteio o cabelo e vou a procura de um relógio. Fico espantada ao ver que são 14:17hrs.

Abro uma brecha na porta e espio o corredor. Nem um sinal de Vítor, ou de uma certa porta aberta. Saio do quarto e fecho a porta vagarosamente, para não fazer barulho e ando na ponta dos pés, degrau por degrau, e não consigo e evitar um pequeno grito quando dou de cara com ele na mesa. Ele arregala os olhos verdes, deixando o grafo cair.

- Agora deu para pirar, foi? – Ele pergunta pegando seu talher, e depois olhando para mim, que mordo o lábio e fico, certamente rubra.

- Desculpa, eu... – Dou de ombros e me sento no lugar de sempre. – Eu não estou pirando. – Digo recompondo a minha pose. Ele revira os olhos e continua comendo. Xingo a mim mesma por pensamento, e peço para que Janaína me sirva.

Pego um pedaço de bolo de chocolate e um copo de leite puro, mastigo lentamente, perdendo-me em pensamentos novamente, tenho que parar com essa mania, quando vejo que Vítor fala algo, mas não entendo, pois a minha ficha demora a cair.

- Oi? – Digo e ele sorri de lado, mostrando uma pequena covinha do lado esquerdo. Instintivamente sorrio de volta, e ele meche em seu pedaço de bolo antes de responder.

- Eu disse, que a batida deve ter afetado o seu já afetado cérebro. – Minhas sobrancelhas se erguem no exato momento em que minha boca se abre. Ele fica sério novamente.

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Decido ignorar, balanço a cabeça negativamente olhando para ele e concentro-me em meu bolo. Dou um gole em meu leite quando ele novamente ataca.

- Seu namoradinho não foi de grande ajuda, mais cedo. – Continuo ignorando-o e ele continua. – Sinceramente, você tem um péssimo gosto, não sei como consegue namorar ele...

- Ele não é meu namorado! – Exalto. – E mesmo que fosse, isso não seria da sua conta, ele é um garoto incrível, muito melhor do que você. Ele tem educação, bondade e o mais importante, um coração, coisa que você nem deve saber da existência! – Solto tudo olhando em seus olhos, ele me encara de volta, e depois olha para baixo, saindo da mesa e seguindo para o seu quarto.

Recupero o fôlego e passo a mão na testa com cansaço, empurro o pires com bolo de chocolate para longe, perdendo o apetite.

- Senhorita? – Diz Janaína e sorrio para ela.

- Ah, por favor, né? Me chame de Melina. – Ela sorriu terna e continuou.

- Melina, - Ela disse sorrindo – porque se exaltou com ele? – Bufei sabendo o que estava por vir, ela e sua historinha de que ele é um bom menino e blá-blá-blá. – Desculpe me intrometer, sei que sou apenas a empregada, mas...

- Você tem pena dele? Como consegue? Você não viu como ele é e como fala das pessoas? Ele nem sequer conhece o Bernardo, e fica falando mal dele como se soubesse de algo.

- Você não devia julgá-lo Melina.

- Do mesmo modo como ele faz comigo? Bom porque ele me julga desde que cheguei aqui, não me disse um ‘oi’ ou ‘bom dia’ até hoje, só insultos, e você quer que eu seja bondosa? – Ela abaixa a cabeça e olha nos meus olhos quando diz:

- Tá vendo? Você acabou de mostrar que não gostou de ser julgada precipitadamente, e vai fazer o mesmo? – Silencio-me, e me recosto na cadeira. – Pense nisso, querida. Sei que você é melhor do que isso.

Levanto e sigo para o meu quarto, cansada de ouvir todos. Assim que chego no corredor meus olhos recaem sobre a porta entreaberta do quarto de Vítor. Ela está sempre fechada e se duvidar trancada a sete chaves. Deus sabe o quanto reluto, mas minha curiosidade é tão grande que minhas pernas vão até lá, contra minha vontade. Paro e lentamente espio pela brecha, fico surpresa ao ver que ele está com um caderno na mão escrevendo freneticamente, ele não nota minha presença, pois está de costas e com fones de ouvido.

Talvez se ele ficasse sempre com os fones ele não fosse tão chato. Assim ele tem uma aparência tão serena. Quase pulo quando ele faz que vai levantar, e aproveito a sorte de ele não ter me visto e corro para o meu quarto. Fecho bem a porta e deito em minha cama, com turbilhões de pensamentos bombeando em minha mente. Fico assim por muito tempo, até que acabo cochilando.

- Mel? – Pulo da cama, assustando Rodrigo. – Desculpe, eu não queria te assustar.

- Ah, eu que peço desculpa. – Mecho no cabelo tentando esconder que fiquei vermelha.

- Bom, eu vim te chamar para jantar. – Franzo o cenho e olho para ele, depois para o relógio no criado mudo. Arregalo os olhos ao ver que já são sete e meia.

- Certo, então vamos. – Sorrio e seguimos juntos para a mesa. Meu olho segue para a cadeira a minha frente, que está vazia. Fico quieta por um bom tempo.

- Podemos comer Melina, o Vítor não vai jantar conosco esta noite.

- Ele vai sair? – Me arrependo no mesmo instante por ter feito a pergunta. E se ele for sair, o que eu tenho a ver com isso?

- Não, só para variar ele disse que não quer descer, isso não é novidade por aqui. Ainda não sei como ele jantou conosco nos últimos dias. – Fico pensativa quanto a isso, mas começo a comer depois do protesto do meu estômago.

Depois de jantar escovei meus dentes coloquei um pijama e deitei, assisti série após série até dormir horas depois.

...

- Bom, eu tenho uma novidade! – Disse Rodrigo sorrindo para mim e olhando cauteloso para Vítor, que depois de um tempo resolvera voltar a comer na mesa. – Eu matriculei você no colégio da Melina. – Ele disse olhando para Vítor, que largou a colher de sobremesa na hora.

- Como é que é? – Rodrigo corou, mas continuou firme.

- Isso mesmo que você ouviu. – Ele respondeu.

- Então agora é assim, você escolhe o colégio, não fala comigo, e ainda por cima em um colégio de gente como ela? – Olho para ele, indignada. Como assim alguém como eu?

- Se houver somente pessoas como a Melina o colégio é muito bem freqüentado! – Respondeu Rodrigo começando a se alterar.

- É um ótimo colégio Vítor. – Digo recompondo-me.

- Ah, imagino! – Ele diz ironicamente, olhando para mim.

- Desculpe por não ter falado com você, nisso você está certo, porém, acho desnecessário vocês estudarem em colégios diferentes, ainda mais o seu sendo tão longe. – Seu olhar foca o rosto desafiante do filho.

- E porque raios é necessário estudarmos no mesmo colégio? – Ele bate a mão na mesa, assustando-me.

- Modos Vítor, modos!

- Droga, eu não quero estudar no colégio dela! – Ele disse como se eu tivesse uma doença contagiosa.

- A matrícula já foi feita, e eu já decidi! – Rodrigo continua firme.

- Claro! Minha opinião não vale de nada nesta casa! – Vocifera Vítor que deixa a mesa, enfurecido, saindo de casa e batendo a porta. Olho espantada para Rodrigo que coloca o rosto entre as mãos.

- Melina, desculpe novamente...

- Pára com isso Rodrigo! Você não precisa ficar me pedindo desculpa sempre que o Vítor apronta alguma, se alguém tem que pedir esse alguém é ele, e se ele não se importa com isso... – Dou de ombros.

- Como foi na casa da Belinda? – Ele pergunta mudando de assunto, e me divirto com isso.

- Foi ótimo, nos divertimos bastante, ela tem pais incríveis e uma casa imensa, ela tem até piscina aquecida, onde nadamos bastante, e depois tomamos chocolate quente assistindo filme... – Parei de repente, percebendo que falei demais, coisa que sempre acontece quando me empolgo.

- O que foi? – Ele pergunta.

- Nada. – Sorrio despreocupada e ele retribui.

Terminamos o almoço, seguido por um maravilhoso pudim, especialidade de Janaína, e seguimos juntos para a sala, onde ficamos assistindo até quatro da tarde. Fico pensando aonde Vítor foi, já que até agora não deu sinal de vida. Olho para a enorme janela de vidro e vejo que começa a escurecer. Rodrigo já subiu para o quarto, e eu continuo aqui, fingindo assistir, mas na verdade curiosa para saber quando Vítor vai chegar. Olho despreocupada para o programa de cantores amadores que passa e sou pega de surpresa por Vítor que me puxa pelo braço até a escada de emergência.

- O que é isso? – Protesto tentando desvencilhar-me, mas ele acena para que eu faça silêncio e abre a porta, me empurrando para que eu suba. – Eu não vou subir aqui, para que eu subiria?

- Prefere ir de elevador? – Paro e fico imaginando quais seriam as chances do elevador quebrar novamente, ele rola os olhos. – Vamos Melina, é só subir, vai fazer bem para suas pernas finas. – Fico boquiaberta e o empurro para o lado na intenção de abrir a porta e sair logo dali. – Não, espera... – Ele me segura novamente.

-Ai, tá me machucando. – Ele aperta forte demais e solta assim que reclamo.

- Desculpe, eu não quis... Por favor, sobe! – Ele diz suplicante. Coloco a mão na cintura e o encaro desacreditada.

- Aonde você quer ir? Afinal, temo que minhas pernas finas não vão conseguir subir muitos degraus! – Digo e cruzo os braços. Ele suspira e se joga no primeiro degrau, colocando a cabeça entre as mãos, como seu pai fizera há pouco.

- Desculpa... – Ele fala tão baixo que sai quase inaudível, mas eu ouvi, muito bem.

- Como? Desculpe, não ouvi direito. – Digo na intenção de que ele repita, mas ele balança a cabeça negativamente e começa a subir os degraus com grande velocidade.

Começo a me odiar devido a essa minha curiosidade sem tamanho e subo atrás dele. Ele não diminui os passos, mesmo percebendo que estou tentando acompanhá-lo. Acho que já subi ums trinta degraus quando paro e sento.

- Chega! – Digo sem fôlego. – Você nem ao menos me disse aonde vamos, eu cansei. – Ouço seus passos pararem, olho para trás e vejo que ele também se sentou, cinco degraus acima.

- Quero te mostrar um lugar. – Ele diz também sem fôlego. Franzo o cenho, desconfiada com toda essa atitude dele, mas cansada demais para questionar.

- Falta muito? – Ele demora tanto, que até desisto.

- Uma boa caminhada... – Ele diz, tranqüilizando a respiração.

- Vale a pena? – Pergunto, tentando tranqüilizar a minha, que está tão acelerada quanto meu coração.

- Sem dúvidas. – Respiro fundo, fechando os olhos. Se isso significa que talvez haja paz entre nós, então está certo.

- Vamos? – Digo me levantando e parando no degrau onde ele está. Ele levanta sem me olhar e continua andando mais rápido, sempre três degraus a minha frente.

Depois de tanto subir minhas pernas já estavam pedindo socorro, quase gritando para que eu parasse, e estive a ponto de parar, mas então ele se virou para mim com um leve sorriso no rosto, sorri de volta, mesmo estando morrendo de cansaço e sede, com dores por todo o corpo. Ele parou e segurou meu pulso, antes de abrir uma porta, e deixar que eu visse a coisas mais bonita daqui.

Eu deveria ter imaginado que estávamos indo para a cobertura, já que só subíamos. Se eu tinha achado esse prédio lindo, minhas percepções aumentaram neste momento. Há uma imensa piscina com cascata, que está iluminada com luzes de diversas cores. Há bancos brancos de madeira, parecidos com esses que vemos em filmes americanos, pequenos jardins solitários espalhados por todos os lados com rosas e bromélias. No lado oposto a piscina um pequeno chafariz jogo água para cima, e o mais belo de tudo, é a visão estelar.

O céu está totalmente escuro, parecendo estar preto ao em vez de azul, cheio de estrelas, iluminando a noite, meu rosto fica mais iluminado quando vejo que a lua está quase cheia, tornando tudo ainda mais belo. Pela primeira vez olho para ele, que tem a mesma expressão que eu. Encanto. Ele abaixa o olhar para mim, e sorri. De um modo que eu nunca presencie. Pela primeira vez vejo que seus dentes são totalmente perfeitos com uma presa levemente torta, uma covinha se forma em sua bochecha esquerda, e seus olhos fecham parcialmente.

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Ele é lindo! É o primeiro pensamento que vem em minha cabeça, volto meu olhar para o céu, tentando apagar esse último pensamento. Apesar de bonito, ele é uma má pessoa, mesmo sendo bonito, beleza não é a melhor qualidade a se julgar. Aceito os pedidos das minhas pernas e me sento no banco mais próximo, Vítor anda mais um pouco e se joga desleixadamente no banco oposto a mim.

Ele começa a me olhar, e persiste nisso, fico vermelha e com vontade de gritar para que ele pare com isso. Baixo a cabeça e começo a mexer em minha unha, timidamente, louca para sair dali. Ele continua me olhando e me vem na cabeça o óbvio: Tem alguma coisa de errado comigo, além da minha existência.

- O que foi? – Pergunto com a voz um pouco alterada, para que ele possa me escutar, ele dá de ombros e continua a me olhar. – Não vai me responder? – Pergunto e ele mais uma vez dá de ombros, me irrito e me levanto seguindo em direção a porta, decidida a deixar até mesmo essa paisagem maravilhosa.

- Ei, aonde pensa que vai? – Ele diz, e eu me viro com um sorriso desdenhoso no rosto. Ele não tem mais o sorriso tão bonito no rosto e sim uma expressão preocupada.

- Eu não penso, eu vou embora, estou morrendo de sede.

- Você vai deixar tudo isto aqui por um copo de água? – Ele me faz parar novamente, suspiro e tomo uma decisão.

Viro-me e caminho decidida até o banco em que ele está, mas os céus parecem querer me dar um belo presente. Tropeço em meus próprios pés e acabo caindo dentro da piscina, apesar de saber nadar, eu caio de cara e levo um tempo para conseguir me estabilizar e emergir, quando dou por mim estou nos braços de Vítor. Debato-me, pedindo para que ele me largue, mas ele protesta até eu gritar que sei nadar, e então ele me solta e nada rapidamente até a beira da piscina, me deixando com a minha cara de taxo.

- Você é o desastre em pessoa! – Ele diz exaltado.

- Essa é a primeira vez que caio na sua frente, isso acontece com todos! – Digo assim que chego na beirada e me esforço para tentar sair, mas a piscina é funda o que faz com que eu não alcance o chão para tomar impulso, sem querer pedir ajuda, fico parada ali, depois de muito tentar.

- Se esqueceu da vez que quase rolou escada abaixo? – Ele diz ainda alterado.

- Foi você quem quase me derrubou! – Acuso, e ele sorri.

- Claro, joga a culpa em mim.

- A culpa foi sua!

- Agora sou obrigado a ir para casa, senão vou pegar uma hipotermia, graças a você e sua pernas finas. – Ele dá ênfase.

- Droga, o que você tem contra minhas pernas? – Começo a bater queixo, a água está realmente gelada, passo os olhos por toda a piscina a procura de uma escada e vejo que ela está do outro lado. Começo a nadar até lá, o que leva minutos.

Saio da piscina trêmula, e certa de que meus lábios devem estar roxos, cambaleio até a porta passando por Vítor, que sorri, deixando-me mais nervosa.

- E agora? – Quase não consigo falar de frio, ele passa a mão no próprio cabelo, tirando água, e vem em minha direção.

- Vamos sair logo daqui, senão você vai virar um cubinho de gelo. – Sorrio sarcasticamente e desço degrau por degrau com as pernas duras de frio e de dor, não fosse aquela imagem, eu estaria pronta para matar ele, por me ter feito subir tudo isso, e agora descer encharcada.

Com esforço jogo todo meu cabelo para cima e faço um coque, na tentativa de fazê-lo parar de pingar no resto do meu corpo. Dessa vez eu sigo na frente, desesperada por um banho quente.

- Eu estou vendo suas veias. – Ele diz e eu ignoro, caminhando o mais rápido que posso. – É sério, como consegue ser tão branca?

- Não é minha culpa, tá legal? – Digo estridente, e o ouço e sorrindo, o que me faz ferver de raiva.

- Eu realmente não quero estudar na Carnegie Mellon! – Dou de ombros, e penso que ele não nota, mas vejo que me engano quando ele prossegue. – Só quis puxar assunto.

Com muita força de vontade chego a porta que eu não deveria ter ultrapassado, abro-a e vou o mais rápido possível até o apartamento, onde toco a campainha. A porta se abre no mesmo instante, me assustando. Rodrigo olha para nós dois com uma mescla de susto e raiva.

- Posso sabe ronde se meteram? Eu até esperava isso do Vítor, mas de você Melina? – Mordo o lábio e olha para trás, e vejo que Vítor não está nem um pouco preocupado. – Olha só pra você Melina, está roxa! Vá tomar um banho quente os dois, e os quero aqui na sala daqui a meia hora! – Sigo relutante para o quarto, ao saber que tem mais uma escada para subir.

- Isso é tudo culpa sua! – Sussurro para Vítor que me acompanha escada a cima.

- Vai por mim, a culpa é sua! – Ele diz e corre para seu quarto.

Paro um instante e fico olhando para o espaço vazio onde ele estava. Como assim a culpa é minha? Ele quem apareceu do nada e me levou para aquele lugar desconhecido, causando dor nas pinhas pernas finas e... Droga! Ele tem razão, minha pernas são mesmo finas.