Vilivu Sertsya

Capítulo I - Verdades Ocultas sob a Neve.


"O tempo passa mas as lembranças ficam e enegrecem os meus sonhos. Coisas que não foram contadas de geração à geração, que foram enterradas sob a densa e fria neve, até serem completamente esquecidas. "

A dor de um povo, é um sofrimento para um país, não é? A fome, a pobreza, a exploração, a manipulação e a opressão são feridas difíceis de cicatrizarem. O grito estridente de milhares de crianças ainda persegue Yekaterina em seus mais profundos devaneios. A frágil ucraniana pode passar-se por uma jovem doce, sem preocupações e nem mesmo lembranças ruins. A questão a que nos persegue é, desde quando Yekaterina resolveu enterrar os seus sentimentos mais humanos? E até quando eles ficarão presos dentro de seu coração?

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Fui despertada pela chaleira anunciando que a água já havia sido suficientemente fervida. Corri atrapalhadamente até a pequena cozinha de minha casa, desligando o fogão apressadamente. Por sorte não me queimei desta vez. Corri o olhar pelo estabelecimento, à procura de alguma xícara, até deparar-me com uma pequena, decorada com pequenos girassóis. Tão delicada e já desgastada pelo tempo, fora um presente do meu querido irmão Ivan. Peguei-a com cuidado, analisando-a demoradamente. De qual época ganhara aquele presente tão carinhoso?

É claro. Como podia esquecer-me daqueles anos? Quando fui explorada pelo meu próprio irmão e por aquele polonês. Quando fui dividida ao meio, apenas pela ganância de ambos. Meus recursos foram explorados ao máximo, até o ponto em que mal sobrava matéria-prima para meu próprio povo. Não, a xícara não datava aquela época. E sim, uma bem mais sombria. Seria logo após a Revolução de 1917 e Segunda Guerra?

Era o auge do governo de Stalin. O mundo encontrava-se em um caos. A Europa estava devastada e ia destruindo-se aos poucos. Nazistas, fascista, e outras ditaduras totalitárias trilhavam um denso caminho vermelho, por onde quer que passavam. Milhões de vítimas. Uma luta que parecia eterna entre as potências mundiais, sendo uma delas a URSS, da qual eu estava incluída. O período negro em minha história fora ofuscado pelo acontecimento desta grande catástrofe militar.

Donos de empresa foram perseguidos pelas novas autoridades de Stalin. Toda a produção agrícola deveria ser enviada ao governo, submetendo então, o controle estatal sobre a alimentação da população ucraniana. Lembro-me bem da luta que mantivemos contra o ditador. Preferíamos exterminar com os poucos animais que criávamos à entregá-los ao governo.

Atualmente eu me arrependo de tê-lo feito. Teria me poupado da dor de ver cidadão por cidadão morrer, de fome. Eu sinto inveja dos Judeus. Vemos nos cinemas, livros e documentários sobre o Holocausto, a época em que aproximadamente 3 milhões de judeus perderam suas vidas, na ditadura nazista. Mas então eu me pergunto, e os 6 milhões de ucranianos que morreram devido à fome? Alguém já ouviu falar do chamado Holodomor?

Eu cansei de ter que guardar essas lembranças só para mim. Eu também quero honrar osfilhos que perdi. Quero que o mundo se lembre deles. Que eles sejam homenageados. E que essa densa camada de neve seja retirada e dissolvida desses segredos.

"É a hora de todos escutarem sobre o desabafo de uma pequena nação, que fora explorada e manipulada até meados do século passado."