Bonds

Capítulo 1


Eu nunca gostei muito de morangos.

Bem, ainda continuo a não gostar tanto, mas comprá-los e até mesmo observá-los me transporta de volta ao passado... Mais especificamente àquela tarde de outono.

Uma tarde particularmente nostálgica e bem distante de onde estou hoje em dia.

Mas sabe, se você perguntasse a mim se eu me recordo desta mesma tarde, eu responderia que não... Você deve entender, seria bastante embaraçoso admitir que lembro perfeitamente de cada detalhe.

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É algo bem perturbador, eu ainda continuo a me afeiçoar a tudo que você amava. Acho que fazer isso diminui parcialmente o meu vazio e talvez, quem sabe isso venha a nos tornar um pouco menos distantes, Rukia.

Não existia casa mais barulhenta que a dos Kurosaki. Bom, pelo menos era assim em Karakura. Uma vez ou outra se escutava os vizinhos ameaçarem, exigindo que eles fossem mais silenciosos ou que ao menos se comportassem como pessoas normais. Ora, onde já se viu pai e filho se atracarem e espancarem um ao outro quase todo dia? Sem falar em toda a algazarra sem fim.

Certamente eram loucos, só podia, faziam parte de uma família desequilibrada, pensavam.

Os Kurosaki apenas ignoravam. Era uma família peculiar aquela.

— Estou saindo. — anunciou Ichigo em um aceno desanimado enquanto girava a maçaneta da porta.

— Tenha um ótimo dia, onii-chan! — desejou Yuzu, abrindo um imenso sorriso.

— Ah, você também. — respondeu.

— BOM COLÉGIO, ICHIGO!!! — berrou Isshin, saltando subitamente por cima das costas do rapaz.

— Não enche, seu velho maluco! — rosnou Ichigo, virando em sua direção e em um segundo acertando-o com a maleta que carregava.

Isshin despencara no assoalho, parecendo feliz e tonto ao mesmo tempo.

— Agora eu sei que você está levando devidamente todos os seus livros. Continue assim, filhão. — tossiu Isshin, erguendo o polegar trêmulo em sinal de satisfação.

Yuzu correu até ambos, horrorizada com a cena.

— Papai, o senhor tem de parar de fazer tanto barulho, se continuar desse jeito seremos despejados de nossa própria casa. — choramingou ela, costumeiramente preocupada com o bem estar de todos.

— Esqueça Yuzu, é inútil falar com esses dois idiotas. — suspirou Karin a folhear um mangá na mesa.

— Vejo vocês mais tarde. — retrucou Ichigo sem dar importância aos comentários matinais de sempre. Talvez se fosse rápido não seria mais importunado por Isshin.

E foi o que fez. Andou apressadamente olhando de esguelha pra que não fosse “misteriosamente” atacado outra vez.

Ao começar a caminhar pela calçada, o ruivo notou de imediato um grande caminhão de mudanças estacionado bem ao lado de sua casa. O motor ainda rugia e alguns homens descarregaram parte das caixas menores e mais frágeis na calçada enquanto levavam as coisas mais pesadas para dentro da residência.

Desde quando essa casa estava desocupada? Pensou por um momento, logo chegando a conclusão de que não prestava muita atenção na sua vizinhança. Da ultima vez que a tinha visto, a casa estava passando por longas reformas, ganhando até mesmo um primeiro andar.

O rapaz tentou não mostrar mais interesse. Ele jogou a maleta sob as costas e decidiu mudar de calçada.

Neste mesmo instante seus olhos pousaram distraidamente no quarto da casa vizinha. Ele era o único quarto com varanda e até muito visível, pelo menos ao ângulo em que Ichigo o observava.

Viu uma pequena garota surgir no mesmo. Ela organizou algumas coisas com uma rapidez exagerada. Ela estava de costas para ele. Por um momento parou de arrumar e começou a subir a blusa pra que trocasse de roupa.

Ichigo ficou boquiaberto. Queria tirar os olhos, mas não conseguia. Tinha petrificado, literalmente.

A morena subiu a blusa até um determinado ponto, pausando como se tivesse percebido algo.

Ela girou a cabeça. Aquilo foi o bastante para Ichigo ver o seu semblante.

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Imediatamente o rapaz virou o rosto, por pouco não tropeçando nas próprias pernas.

Apressou o passo, perguntando-se se ela o tinha visto. De toda forma não era sua culpa. Aquela maluca quem estava se exibindo!

Ele estava nervoso, seu rosto tinha ficado em combustão. Não conseguia acreditar no que seus olhos tinham mostrado.

— Aquela garota tem de aprender a fechar a janela. Colocar cortinas. Se trancar no banheiro ou qualquer coisa do tipo! Não ficar a mostra desse jeito. Detesto novos vizinhos. Todo mundo deveria nascer e morrer no mesmo lugar. Pra quê se mudar? — resmungou pra si mesmo, um pouco perturbado.

— Kurosaki-kun! — exclamou uma garota ruiva numa parte mais adiante da calçada. Ela pareceu ter ficado bastante animada ao ter visto Ichigo.

O seu chamado foi o bastante pra ele esquecer a cena constrangedora de momentos atrás. Imediatamente ele soube que era Inoue Orihime, afinal, como não reconhecer a voz de Inoue? Ela era a garota que ele gostava desde o primeiro ano...

O ruivo a fitou, tentando esconder o rubor de suas bochechas. Ela acenou alegremente, num sorriso convidativo.

Ela tem um sorriso tão bonito... Inoue... Refletiu, chegando a conclusão de que talvez estivesse com um sorriso abobalhado na cara.

Ichigo retomou a expressão emburrada de sempre, tentando não parecer um idiota.

— Oh, bom-dia Inoue. — saudou ele, erguendo uma das mãos. Ele parou ao seu lado, estranhando por vê-la naquele lugar. — O que está fazendo por aqui? — arqueou uma das sobrancelhas.

— Estou esperando a Tatsuki-chan. Ela entrou na loja de rosquinhas para comprar algumas para comermos na hora do lanche. Você não quer também esperar? Assim iremos todos juntos ao colégio. — propôs ela, falando tudo muito rápido.

Ichigo engoliu em seco. Parecia tenso. Aquela era uma ótima oportunidade para ficarem juntos e conversarem a sós, mas...

— Desculpe Inoue, se não se importa eu quero chegar mais cedo no colégio. Vamos deixar pra outro dia. — desculpou-se, voltando à sua caminhada.

Orihime semicerrou os olhos, amargurada com a resposta, embora aquela sempre fosse a resposta usada pra tudo que pedisse para Ichigo.

Provavelmente Ichigo nem sabia quando e quanto a machucava. Ele não era do tipo que prestava muita atenção à sentimentos que não eram postos em palavras.

Inoue apenas ficou em silêncio, deixando-o se afastar até que ficasse fora de seu campo de visão.

Chegando ao colégio, ele se mostrou o mesmo aborrecido de sempre. Sentou na cadeira e apoiou o queixo sob a mão, olhando o céu através da grande janela.

Mal tinha chegado e já desejava que a aula acabasse. Estava irritado consigo mesmo por não ter aceitado o convite da ruivinha. O que ele tinha na cabeça? Estava começando a achar que talvez precisasse de ajuda para lidar com relacionamentos...

— Mais um dia entediante. — suspirou, de cenho franzido.

— Kurosaki, é raro vê-lo chegar ao colégio a esse horário. Geralmente você é um dos últimos a chegar. — comentou um rapaz que folheava a um livro atrás de sua cadeira.

— Bom dia pra você também, Ishida. — respondeu ele, sem ânimo. — Só senti vontade de chegar mais cedo. Algum problema? — questionou ele, ainda sem se virar ou mover qualquer músculo.

— Sempre soube que educação nunca foi o seu forte. — avaliou, ajustando os óculos. — Em todo caso, fico feliz que você chegue cedo pra dar uma estudada antes de nossa professora aplicar o teste.

Ichigo arregalou os olhos, virando-se rapidamente para o seu colega.

— TESTE? HOJE? VOCÊ SÓ PODE ESTAR BRINCANDO! — berrou, desesperado com a possibilidade de ser verdade.

— Acalme-se Kurosaki, eu só estou brincando, mas esteja sempre preparado. Nunca se sabe. — Ishida tinha um sorriso cínico nos lábios, se contendo pra não afogar-se em risadas.

— SEU QUATRO-OLHOS DE UMA FIGA! — resmungou ele, lançando o livro acima da mesa no rosto de Ishida.

— Que decepção! Já estão se divertindo sem mim a essa hora da manhã? Ichigo, você chegou cedo. — falara Keigo que tinha chegado à companhia de Mizuiro e Chad.

— Será que todo mundo vai comentar a mesma coisa hoje? — suspirou ele, emburrado.

Naquele momento Inoue e Tatsuki entraram na sala. Ichigo fora o primeiro a notá-las e fingir que não as notou. A ruivinha não direcionou o olhar para Ichigo por um instante sequer. Apenas sentou-se em uma cadeira e continuou a conversar com a amiga.

— A Inoue-san é tão linda, não acham? Cada vez que a vejo ela fica melhor. — comentou Keigo com um sorriso malicioso nos lábios.

— Sim, é verdade. Acho que até a convidarei para o baile de formatura no fim do ano. — disse Mizuiro lançando um olhar interessado.

— O que?! Mizuiro, seu fura-olho! Isso é totalmente injusto! Eu estou de olho nela há um bom tempo. Eu mereço mais, não é Ichigo? — questionou ele, enquanto gesticulava de uma forma estranha.

— Ah, calem a boca! — exclamou, abrindo um de seus livros.

— Não percam o tempo de vocês. A Inoue-san nunca sairia com dois idiotas. — intrometeu-se Ishida, falando friamente.

Todos se calaram e trataram de sentar. Nunca o tinham visto tão sério.

— Bom dia a todos! — irrompeu a professora, trazendo algumas pastas. — Oh, que milagre ter o Kurosaki-san na sala no devido horário. — acrescentou ela, mostrando um sorriso satisfeito.

Os alunos concordaram, deixando escapar alguns risinhos. Ichigo ignorou. Detestava toda aquela atenção desnecessária. Por uma fração de segundos sentiu os olhos de Orihime em cima de si, mas acabou por acreditar que era só impressão.

— Foi bem conveniente de sua parte aparecer mais cedo, Kurosaki-san, assim você conhecerá a nossa mais nova aluna. — anunciou ela, escrevendo um nome no quadro. — Entre.

A porta da sala escancarou e dela surgiu uma garota de baixa estatura, a mesma garota que ele quase viu tirando a blusa.

— Esta é Kuchiki Rukia. A nova colega de classe de vocês. Ela também é nova em Karakura, então espero que vocês a ajudem a se enturmar. — informou a professora.

O ruivo logo a reconheceu. Esbugalhou os olhos e, inconscientemente, levantou-se de sua cadeira, apontando com o indicador frenético.

— VOCÊ! — exclamou num tom acusador.

Rukia mirou os grandes olhos azuis para o ruivo que rapidamente se sentiu intimidado.

— Algum problema, Kurosaki-san? Vocês já se conhecem? — perguntou a professora.

— Não, não é nada... — desculpou-se, constrangido.

— Bem, tem uma cadeira vaga ao lado do Kurosaki-san. Pode sentar-se lá, Kuchiki-san. — autorizou, indo sentar-se em sua mesa.

Rukia manteve uma expressão séria. Começou a andar em rumo a cadeira indicada, sem olhar para os lados.

Ichigo pôde escutar sussurros maldosos que vinham de todas as direções.

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Veja, tudo que ela está usando é de segunda mão... Até as roupas. Não entendo como alguém assim conseguiu entrar pra esse colégio.”

Como podiam ser tão fúteis? Ichigo estava enojado.

Rukia sentou-se silenciosamente, retirando um livro de dentro da maleta. E continuou assim durante nas próximas horas. Mal parecia que ela existia naquela sala.

Quando o sinal tocou, Ichigo virou a cabeça, tentando vê-la de relance, mas fora em vão, ela já não estava mais lá.

Tudo aquilo tinha sido muito estranho. Ele despediu-se de seus demais colegas, decidindo voltar para casa sozinho.

Estava andando por um atalho quando se deparou com alguns caras familiares. Eram em torno de quatro. Eles faziam parte de uma gangue que o tinha atacado semanas atrás por causa da cor do seu cabelo. Ele parou. Os rapazes o reconheceram também, aproximando-se cada vez mais.

Ichigo não era do tipo que fugia de uma briga e dessa vez não seria diferente.

— Ora, ora. Vejam o que temos aqui. O laranjinha resolveu dar as caras. — disse um deles, o mais feio.

— Vocês não aprendem com as surras que levam? Que trabalhoso. — Ichigo soprou o ar, parecendo entediado.

— Você parece muito confiante. Vamos ver se vai continuar assim depois que eu amassar a sua cara! — rosnou outro, prestes a avançar.

— Quatro contra dois? Essa luta não me parece justa. Vocês já sabem que vamos ganhar. — proferiu Rukia, aparecendo do nada com um sorriso sarcástico nos lábios. Ela largara no chão uma sacolinha, segurando apenas a maleta.

— Você! O que você está fazendo aqui?! — perguntou Ichigo, confuso com a aparição repentina daquela garota. — Isso é muito perigoso. Vai embora!

Ela não respondeu. Apenas o olhou de esguelha.

— Hey, você, o careca feio, segure! — mandou ela, jogando sua maleta nas mãos de um deles.

Ele a segurou por instinto e aquilo foi o bastante para dar-lhe uma abertura. Rukia acertou-o em cheio com uma voadora que preencheu toda a sua cara gorda. A voadora fora tão forte que ele caiu no chão, atordoado. Com isso, a pequena apenas tomou de volta a sua maleta.

— Obrigada. — disse, olhando para os outros três.

— Assustador. — comentaram em uníssono, inclusive Ichigo.

— Agora vocês três. Eu já vou avisando que não pego leve com arruaceiros vagabundos. — murmurou num timbre ameaçador.

Eles estremeceram. Por um impulso de covardia, saíram correndo, deixando até mesmo o companheiro caído no chão.

Ichigo juntou as sobrancelhas, fitando-a em silêncio. Estava muito surpreso pra dizer alguma coisa. Ela retribuiu o olhar e ficaram nisso por longos segundos.

— Não sabia que você era lento desse jeito. Pelo menos não foi lento enquanto me espionava trocar de roupa nessa manhã. — iniciou ela, pegando a sacolinha e começando a caminhar.

O ruivo sentiu seu rosto queimar.

— Espere! Eu não estava te espionando! V... Você! É tudo culpa sua que não sabe trocar de roupa como alguém normal! Sua maldita! — defendeu-se, começando a segui-la.

— Já está me chamando de maldita? Isso é maneira de tratar alguém que acabou de te salvar? Que cruel! — choramingou ela, parecendo estar interpretando. — E pensar que eu ainda esperava um agradecimento por atender aos seus clamados de socorro.

— Agradecimento? Dane-se. Eu não pedi sua ajuda! E quem estava clamando por socorro?! — resmungou, ficando cada vez mais irritado.

— Que mal-educado. — suspirou — Hey, tarado-san, você tem nome? — questionou Rukia, parando os passos e logo em seguida virando-se para o ruivo, esperando a resposta.

Era a primeira vez que Ichigo sentira vontade de espancar alguém em menos de cinco minutos de conversa. Ele tentou ignorar o fato dela tê-lo chamado de tarado, acabando por optar a somente responder a pergunta.

— Kurosaki. Kurosaki Ichigo. — respondeu de mau humor.

— Prazer, Ichigo. Kuchiki Rukia às ordens. — repuxou um sorriso — Sabe, Ichigo... Eu adoro morangos. — acrescentou, retirando da sacola uma bandeja de morangos.

Ichigo se sentiu desconfortável e frustrado com o trocadilho rotineiro de seu nome. Aquilo definitivamente o tirava do sério.

— Problema seu! Não tenho nada a ver com isso! — explodiu, quase morrendo do coração ao vê-la mordiscar um morango, tinha quase certeza de que ela tinha feito de propósito.

Um dia eu ouvi uma estória que falava sobre duas pessoas que estariam ligadas por um fio vermelho do destino. Lembro que achei essa lenda fantástica.

E não importava a distância ou as circunstâncias, essas pessoas sempre voltariam a se encontrar. Elas estavam destinadas a ficarem juntas para sempre.

Mesmo hoje, será que ainda sim esse fio vermelho nos uniria novamente? O que acha? Acreditar que voltaremos a nos encontrar é a única coisa que ainda me mantêm de pé, Ichigo...