Manchas

Capítulo 11


Baixei os olhos para minhas mãos muito brancas, as unhas pintadas de vermelho. Exceto que minhas mãos não estavam brancas e meu esmalte se confundia com o vermelho que cobria minha pele.

- Assassina! – ela gritava, a voz quebrada, o rosto lívido de lágrimas. – Assassina!

Desviei o olhar de minhas mãos e os fitei. Ele a segurava pelos braços, o rosto pálido, o olhar duro fixo em mim. E ela soluçava incontrolavelmente a mesma palavra.

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Assassina.

Incapaz de continuar a ver a dor e o ódio nos olhos dela, desviei os meus mais uma vez. Fitava agora o reflexo do meu próprio rosto no espelho vitoriano na parede da sala elegante. Branco como...um cadáver. Como o cadáver. Olhos cinzentos olhavam de volta para mim, arregalados em terror mudo. Olhei para o outro lado e novamente vi meu rosto, mas diferente dessa vez. As feições eram exatamente as mesmas, mas os olhos...eram frios e cínicos, e perfuravam-me como duas navalhas. Repetiam, sem falar, a mesma palavra que ela continuava soluçando. Mas não havia neles o mesmo desespero e agonia, não. Era como se a dona daqueles olhos se divertisse com aquilo. Assassina, seus olhos cantavam, assassina.

Fechei os meus para não ter que ver mais nada. Estranho, mas a única imagem que vinha na minha mente era a das minhas mãos manchadas com o sangue fresco. Elas continuavam ali, como se eu estivesse com os olhos abertos, observando-as. Duas frágeis e pequenas mãos, com dedos longos e magros, unhas curtas e vermelhas. A pele fina e translúcida tingida com sangue, que escorria e pingava no assoalho, o som quase tão alto, para mim, quanto os gritos dela.

Abri novamente os olhos, assustada com a falsa escuridão das minhas pálpebras, como estava assustada com o que via. Mas ainda havia algo para ver, algo que eu não queria, mas precisava ver.

Olhei então, para o meu rosto. Dessa vez, não num espelho na parede ou num canto da sala. Olhei para o meu rosto caído no chão. Tão pálido que a pele parecia cinzenta, a boca frouxa e semi aberta, num grito que nunca foi capaz de soltar, os olhos vítreos fixados eternamente num ponto do teto. Sem vida.

Assassina.

Ainda estava escuro e silencioso dentro e fora do quarto, meus lençóis e meu blusão empapados de suor enquanto eu saía da cama. Escorreguei silenciosamente para o chão frio e apoiei o rosto nele. Pensei que esses pesadelos tivessem acabado. Pensei que haviam ficado para trás, como todo o resto. As lágrimas eram quentes no meu rosto frio e eu tremia incontrolavelmente enquanto Willa e Luma continuavam tendo um sono reparador, imóveis em suas camas. Odiei-as. Invejei o ritmo suave das suas respirações, prova de que o sono delas não era perturbado pelo horror das lembranças. Por um segundo, quis que sofressem, que sentissem um décimo da dor que eu sentia, que não tivessem aquela paz e aquele ar de inocência que só os jovens protegidos conseguem ter.

Quis machucá-las.

Esse sentimento foi tão rápido quanto veio, mas o gosto amargo ficou na minha boca. A culpa e o remorso acompanhavam-me enquanto eu me levantava lenta e silenciosamente. As lágrimas deixaram um rastro em minhas bochechas, que eu sequei com os punhos. Sentia-me pesada e tonta, e andava com dificuldade. Procurei uma calça jeans entre minhas coisas espalhadas e a vesti, colocando depois um casaco por cima da minha blusa molhada de suor. Não conseguiria dormir de novo e o quarto estava me deixando claustrofóbica. Ignorei as meias, calcei os tênis e saí.

Tinha plena consciência de que não era permitido andar pelas dependências da escola de madrugada, sem autorização, mas aquela era a última das minhas preocupações no momento. E era difícil me convencer de que haveria alguma freira patrulhando a escola às cinco da manhã, num sábado.

Estava muito escuro e frio, mas havia alguns postes de luz acesos que, se não ofereciam luminosidade suficiente para me permitir ver a paisagem, pelo menos me impediam de pisar numa pedra e cair. Havia esquecido de levar meu ipod, mas a música não me ajudaria naquele momento. Continuei andando de modo mecânico para lugar nenhum, achando agradável, pela primeira vez, aquele frio que embotava meus pensamentos e evitava que eu desabasse.

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Não. Outra vez, não.

Andei por um bom tempo, passei pelo prédio central e pelo dormitório masculino, depois dei a volta por trás da escola e passei pelo centro de esportes, pela pista de equitação e pelos estábulos. Havia acabado de passar pela capela quando me dei conta de para onde estava indo. Parei abruptamente. O céu começava a clarear, e ainda que o sol não estivesse visível, uma luminosidade branca e enevoada começava a iluminar as árvores do bosque. Por acaso pensava que ele me encontraria ali outra vez? Abraçaria-me, consolaria-me? Eu sou assim tão fraca? Havia caminhado até aquele mesmo lugar onde havia chorado pelo que minha vida havia se tornado, e onde Chermont havia me encontrado e consolado, mesmo que eu não tivesse mostrado a ele nada além do meu pior. Que era tudo que eu tinha.

Pensei nas coisas que ele havia dito sobre mim para a madre superiora.

É sensível e vulnerável, mesmo que não deixe ninguém perceber.

Palavras, apenas palavras.

Algo ou alguém a machucou muito no passado e isso mudou sua forma de ver o mundo.

Nisso ele havia acertado. Não sou a garota que um dia já fui, nem ao menos parecida. A jovem e inocente Julieta do passado havia sido brutalmente assassinada. E em seu lugar surgiu esta. A fria, estranha e vazia Julieta. A que inveja e cobiça a inocência e a vida sem complicações dos outros jovens. Tenho apenas dezesseis anos, mas minha alma é marcada pelos pecados que poderiam condenar várias vidas. Sou perseguida e atormentada por eles, meus próprios fantasmas.

E o pior de tudo é precisar encarar todos os dias a pessoa que havia me machucado e transformado, conhecer tão bem as linhas do seu rosto e o vazio dos seus olhos. Meu reflexo no espelho era um lembrete que me impedia de esquecer meus crimes.

Ela precisa ser amada, cuidada e protegida.

Quem poderia me amar, depois do que fiz? Ninguém conseguiu.

Nem eu.

O sol agora começava a aparecer timidamente entre as colinas, porém o tempo esfriara. A luz dourada ia lentamente se derramando naquela paisagem idílica quando me passou pela cabeça que eu não era a pessoa certa para presenciar aquele espetáculo natural. Os raios de sol passavam pela neblina e iluminavam o verde das árvores altas e vivas, as folhas se movendo mesmo sem vento, o ruído dos pássaros anunciando mais uma manhã. Toda aquela beleza...meus olhos viam sem enxergar de verdade, e meu coração permanecia gelado.

Permaneci ali por mais alguns minutos, até o frio se tornar verdadeiramente insuportável e eu começar a sentir dormência nos dedos e na ponta do nariz. Comecei meu caminho de volta, andando o mais rápido que minhas pernas trêmulas permitiam, a cabeça baixa, os dentes batendo e minha respiração condensada tornando-se mais ofegante. O sol deveria esquentar o clima, certo? Bom, se era isso, não estava funcionando. Estava passando pelo centro de esportes quando senti uma lufada de ar quente e parei. Vinha da piscina coberta e eu me dirigi para lá, tão ansiosa para fugir do frio que nem me perguntei por que o aquecimente estaria ligado àquela hora da manhã, num sábado. Quando cheguei perto, percebi que a piscina não estava vazia. Uma pessoa nadava rápida e furiosamente, indo de uma ponta a outra sem parar. Perguntei-me como não havia percebido antes o ruído de pernas e braços batendo na água, e da respiração ofegante do nadador. Fiquei estática por um momento, não querendo que ele soubesse que eu estava ali, pois sentia como se estivesse interrompendo um momento muito íntimo e pessoal.

De repente, ele parou, antes de chegar à borda. E, como se sentisse minha pesença, seus olhos caíram direto sobre mim.

Não posso negar, e não negaria ainda que pudesse. Ele era incrível, percebi isso desde o primeiro dia. Ainda que, então, não tivesse me dado conta de outra coisa que não fosse sua beleza. Odiei-o várias vezes durante a semana, um ódio violento e fugaz, que vai tão rápido quanto vem, como é típico das emoções intensas. Não dura. Mas, apesar desse tipo de emoção sempre ter me assustado, não era o pior. O pior era vê-lo agora, enquanto saía com graça da piscina, como se o exercício não o tivesse cansado nem um pouco. Lindo e forte, as gotas de água brilhando no corpo bronzeado (de onde vinha esse bronzeado, meu deus?), as mãos apertadas em punhos, o cabelo escurecido pela água grudado no pescoço e na testa, os olhos mais verdes que o mundo lá fora. E mil vezes mais frios. Era horrível vê-lo assim e ter de lutar contra a vontade de chegar mais perto, de conhecê-lo, de deixá-lo me conhecer.

O pior era saber que, se o deixasse me conhecer, ele me desprezaria mais do que já despreza.

E eu não aguentaria ver novamente aquela acusação nos olhos de alguém.

Viva apenas por você, as pessoas sempre vão condená-la. Viva como se as manchas no seu passado não existissem, mas nunca esqueça-as.

Paulo caminhou lentamente em minha direção, os músculos retesados, a boca tensa, seu olhar quase abrindo um buraco em mim. O suave vapor da piscina lambia seus pés descalços, dando-me a sensação de que ele estava flutuando. O calor já subia pelo meu pescoço, não apenas por causa do vapor.

O que é realmente idiota, já que eu já vi garotos vestindo muito menos.

Mas algo no olhar frio dele me pegou fora de guarda. Era quase como se eu estivesse sem roupa. Sentia-me vulnerável e perdida. Resquícios do meu pesadelo ainda anuviando meus pensamentos, como minúsculos círculos pretos escurecendo minha visão, por entre os quais eu o enxergava chegando cada vez mais perto, porém sem muita clareza. Parou a uma inquietante distância, que me obrigou a inclinar a cabeça para trás para fitar seu rosto. Sua respiração era quente e úmida, os olhos frios e impenetráveis. Gotas de água pingavam do seu short no chão molhado, como o ruído ritmado de uma torneira mal fechada. Ele parecia imune ao frio, ou isso ou estava passando pelo mesmo problema de superaquecimento que eu. Mas eu não acreditava nisso.

Esperei que ele dissesse alguma coisa, minha boca tão seca como se estivesse cheia de areia. Meu corpo tremia como uma das folhas das árvores lá fora durante uma ventania, mas o dele continuava firme e estático. Seu olhar me sondava, procurava respostas nos meus, até que eu os baixei, passando a fitar seu peito nu, que subia e descia rapidamente, de acordo com sua respiração. De alguma forma, essa visão foi tão perturbadora quanto a de seus olhos. Separei os lábios, na esperança de dizer algo, por mais estúpido que fosse, para quebrar aquele silêncio entre nós. Mas foi inútil.

Então ele passou por mim e pegou uma toalha, antes de se dirigir ao vestiário.

- Anda logo, vamos nos atrasar! – gritou a garota pelo que me pareceu a enésima vez.

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- A Luma é quem está demorando – explicou Willa, igualmente impaciente.

Luma apenas fulminou-as com o olhar através do espelho enquanto passava mais rímel nos seus cílios já longos.

- Por que se maquiar tanto para ir para casa? – perguntou Willa, rolando os olhos.

- Você não entende nada mesmo, não é? – Luma disse, finalmente terminando sua super produção. – Temos de esfregar na cara dos perdedores o que eles perderam.

- Como assim? – perguntou a primeira garota, confusa.

- Deixa pra lá, Maya – respondeu Luma, dando de ombros. – Eu já estou quase pronta, só vou trocar essa blusa.

- De novo? – reclamou Willa, passando a mão pelos cabelos e sentando-se na cama se Luma, ao lado de Maya.

Maya era a menina que saltava mais do que bola de ping pong. Não sabia seu sobrenome e, na verdade, era a primeira vez que a via de perto, apesar de ela estar nas minhas aulas de História Geral, Geografia e Biologia. Era muito baixinha, especialmente perto da Luma, eu não ficaria surpresa se soubesse que tinha menos de 1,50m de altura. Tinha os cabelos lisos e negros na altura dos ombros, a pele cor de café com leite, olhos grandes e amendoados numa cor meio amarelada. Era bonita se você é do tipo que gosta de andar por aí com um chaveirinho saltitante para lá e para cá. Mas eu só a achava irritante.

- Luma, será que dá para se apressar? – Maya disse, com sua voz aguda, levantando-se e colocando as mãos na cintura minúscula. – Eu quero ir logo encontrar com o meu benzinho.

Precisei de todo o meu controle para não vomitar ali mesmo. Minha aversão por essa garota só aumentava e eu não via a hora de todas elas sumirem das minhas vistas. As três estavam lá quando eu voltei do meu “passeio matinal”, Maya pulando nas camas de Willa e Luma para acordá-las, dizendo algo sobre perder o trem. Aparentemente estavam indo para suas casas, a julgar pelas mochilas que haviam arrumado. Fizeram a gentileza de me ignorar enquanto eu me dirigia para a minha cama e afundava nos lençóis bagunçados e sujos, sem nem tirar os sapatos.

- Estou pronta – anunciou Luma, finalmente, pegando sua mochila e pendurando num dos ombros. – Podemos ir.

- Amém – disseram Willa e Maya em uníssono e seguiram Luma para fora do quarto, sem olhar na minha direção.

Suspirei de alívio assim que ouvi a porta bater. Ainda preferiria que elas tivessem ido embora ontem, depois das aulas, mas, com um pouco de sorte, não as veria de novo até segunda feira. Levantei-me, sentindo no corpo o cansaço da noite mal dormida, peguei roupas limpas e me dirigi ao banheiro, abençoadamente vazio. Esperava que um banho quente me fizesse sentir melhor.

Depois do banho, me vesti com uma calça jeans velha e um moletom mais velho ainda (os alunos não precisam usar uniforme nos finais de semana), deixando os cabelos soltos para secar. Fiquei me perguntando por um momento se Gabe iria querer me pintar desse jeito, mas como ele não havia falado nada sobre como eu deveria me vestir – não que eu realmente tivesse muitas opções –, resolvi ir assim mesmo. O refeitório estava praticamente vazio, só com duas alunas do terceiro ano e um do primeiro, que tomavam o café da manhã silenciosamente. A maioria dos alunos que havia ficado no colégio devia estar aproveitando para dormir até um pouco mais tarde e talvez as pessoas só aparecessem no refeitório depois. Comecei a pensar se eu mesma não chegara muito cedo, já que eram apenas oito horas da manhã, mas eu não conseguiria dormir mesmo. Era melhor ir comer alguma coisa.

Sentei-me na mesa com apenas um copo de leite e uma maçã na bandeja, não sentia a menor vontade de comer, mas me forcei a beber o leite. Estava acabando quando vi Gabe entrar no refeitório, com os cabelos pretos úmidos, calça e camisa pretas. Por um momento, pensei que ele iria até mim, mas ele apenas pegou alguns biscoitos e um copo de café, depois foi embora. Contei até cem, girando a maçã nas mãos, antes de me levantar e seguí-lo.

Quando entrei na sala onde havíamos combinado nos encontrar, ele estava sentado na mesa do professor Hertzog, bebericando o café e olhando para a paisagem através da janela aberta, parecendo completamente absorto em seus pensamentos. Parecia já ter acabado com os biscoitos, então eu coloquei minha maça intocada na mesa, bem ao seu lado. Isso o fez olhar para mim. Seus olhos eram tão escuros quanto eu me lembrava, a pele parecia um pouco mais pálida do que o normal, mas isso provavelmente era pelo contraste com a roupa preta.

- Pronta? – perguntou, com sua voz sedosa. Sem “bom dia”, sem cumprimentos ou perguntas desnecessárias sobre o meu bem estar. Gostava muito disso nele.

- Sim – respondi. – Mas não sabia o que vestir.

- Não importa – ele disse, dando o último gole no café e levantando-se.

Essa declaração me deixou meio nervosa, mas acho que era só porque eu nunca fui modelo de ninguém. Gabe se dirigiu a um canto da sala e então eu vi uma tela em branco de tamanho médio, em cima de um cavalete. Em cima de uma mesa havia o que eu supus ser o seu material de pintura, pincéis, tintas e umas coisas parecidas com esponjas que eu não sabia para que serviam. Já devo ter dito que nem a técnica do boneco palito eu dominei. Ele me pediu para sentar numa cadeira a sua frente e eu obedeci, ficando com as costas retas e a postura tensa.

- Obrigada por ontem – falei impulsivamente.

- Não foi nada – ele disse, de costas para mim, mexendo em suas coisas. – Só tive que ficar observando o Chermont. Ninguém foi falar com ele.

- Imaginei – falei, numa voz baixinha, lembrando do fiasco da noite passada e daquela manhã.

Ele me olhou como se fosse perguntar alguma coisa, talvez tenha ouvido a nota de tristeza na minha voz, mas deve ter mudado de ideia, porque só disse:

- Relaxe.

Mais fácil falar do que fazer. Mas eu ainda não entendia porque estava tão nervosa. Fechei os olhos por um momento e respirei fundo, tentando relaxar aos poucos. Fiquei assim por um tempo e Gabe não disse nada. Quando abri os olhos, estava bem melhor. Porém a expressão no rosto de Gabe era estranha. Eu não era muito boa em ler suas expressões, mas se tivesse de adivinhar diria que ele parecia ao mesmo tempo intrigado e frustrado.

- Algo errado? – perguntei.

- Não exatamente – respondeu, chegando perto de mim.

- O que foi?

- Seu rosto...está pálido.

Ri. Esse garoto era de verdade?

- Não é exatamente uma novidade. Se você não vai pintar um cadáver, melhor procurar outra pessoa.

- Não é isso – ele disse, sorrindo um pouquinho.

O sorriso dele era tão raro que fiquei feliz e chocada de poder vê-lo. Era bonito e frágil, como uma escultura de vidro. Por um momento, passou pela minha cabeça que ele deveria sorrir mais, mas logo acabei com esse pensamento. Se ele sorrise mais, seu sorriso não seria tão especial.

- O que é então? – perguntei.

- É que eu gosto quando você está...corada.

Comecei a rir, muito. Gabe estava me fazendo bem, e por algum tempo, quem sabe, eu poderia esquecer certas coisas. E principalmente, certa pessoa.

- Então você gosta de me ver envergonhada, é? – perguntei, brincando.

- Você só fica corada quando está envergonhada?

- Na maioria das vezes. Mas também fico corada quando pego muito sol, o que não é uma opção nessa cidade. Acho que o sol não gosta daqui.

Ele ficou calado e se afastou, pensativo, andando de um lado para o outro.

- O que você está fazendo? – perguntei, confusa com a mudança do humor dele.

- Pensando em um jeito de te deixar envergonhada – ele respondeu, simplesmente.

Pensei um pouco e lembrei de quando nós estávamos quase agarrados ontem, quando eu pensei que ele fosse me beijar. Eu definitivamente não estava batendo bem, se aquilo estava passando pela minha cabeça. Mas talvez fosse uma boa ideia...eu podia fazer um teste.

- Você poderia me dar um beijo – sugeri.

Isso aí, Julieta, deixe a sutileza para um rolo compressor.