Trabalho Escolar: Diário de Lidia Brazzi

Dia 1, terça-feira, 2 de agosto (parte 1)


Acordei atrasada para a escola. Aquela merda (desculpe pelo palavrão Sr. Albert) de despertador que Fred me deu de natal simplesmente resolveu parar de funcionar. Então quando eu finalmente fiquei pronta, tinha duas opções: ou tomava o café da manhã ou corria para pegar o ônibus da escola.

Como eu gostaria de ter escolhido a primeira.

E teria escolhido se, no exato momento que eu tomei meu lugar à mesa, mamãe não tivesse aparecido e praticamente me colocado para fora de casa. E eu fui correndo até o ônibus, que estava como meu estômago: vazio.

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E enquanto isso meu irmão ainda estava no sétimo sono porque ninguém (nem mamãe) tem coragem para acordá-lo.

Como a vida é dura.

Depois de algum tempo, o ônibus parou em frente ao prédio onde mora Renata Dixon, minha melhor amiga, que rapidamente embarcou. Renata é alguns centímetros mais alta que eu, é magra, tem cabelos lisos e compridos, num tom meio cinza, que combina perfeitamente com seus olhos azul-gelo. Ficamos amigas na terceira série, quando eu a encontrei chorando no banheiro das meninas.

- O que aconteceu? – eu perguntei, preocupada que ela tivesse se machucado e estivesse sangrando. Com nove anos de idade, eu tinha horror a sangue.

- Mellory Smith grudou chiclete no meu cabelo! – ela choramingou. – E agora eu vou ter que cortá-lo e vou ficar parecendo um poodle!

- Poodles são bonitos – eu disse, com o intuito de fazê-la parar de chorar. E funcionou.

- Mesmo? – ela perguntou, secando as lágrimas com as pequenas mãozinhas.

- Aham, muito mais bonitos do que Mellorys.

Nós duas rimos e eu fui buscar uma tesoura e cortei o cabelo dela. Realmente ficou parecendo um poodle, mas nós duas ficamos felizes e desde esse dia, viramos amigas inseparáveis.

- Bom dia Lidy – disse a Renata atual (que não se parece mais com um poodle) sentando-se ao meu lado. – Quer biscoitos? – perguntou, me oferecendo um pacote.

- Por favor – respondi, agarrando o pacote e colocando o maior números de biscoitos possíveis na boca (não Sr. Albert, eu normalmente não sou assim, mas estava faminta).

- Sua mãe anda escondendo a comida na sua casa, por acaso? – perguntou, rindo da minha fome.

- Não, mas eu acordei atrasada hoje e tive que pular o café da manhã. – respondi com a boca cheia.

- Não é exatamente uma novidade – ela suspirou. - Você pode comer tudo, se quiser – indicou o pacote de biscoitos. – Eu tenho outro na mochila.

- Obrigada.

À medida que seguíamos, mais alunos iam entrando no ônibus. Mas como Renata e eu nunca fomos populares, só conhecíamos e falávamos com poucas pessoas. Finalmente, o ônibus estacionou em frente à nossa escola. Esperamos nossa vez e descemos. Enquanto estávamos adentrando os enormes portões de ferro do colégio, Renata agarrou meu braço e me puxou para um canto.

- Ai meu Deus – ela disse, parecendo realmente chocada.

- O que aconteceu? – eu perguntei, preocupada.

- Ai meu Deus – ela repetiu. – Eu não acredito.

- O que é? – perguntei, sacudindo seu braço. Renata estava tendo um troço? Era pra chamar a ambulância? A polícia? Os bombeiros?

- Olha – ela disse, apontando discretamente para um grupo de meninos com o uniforme da nossa escola conversando perto de nós.

Fala sério.

- Nossa! – eu disse, rolando os olhos e carregando na ironia. – São garotos! Vamos correr!

- Não tem graça Lidia – Renata resmungou, dando um tapinha no meu ombro. - Você não sabe quem são eles?

- Eu deveria saber? – Nunca vi mais gordos.

- Claro! Eles são simplesmente os garotos mais lindos, ricos, famosos e cobiçados da cidade inteira!

- Então ou eles estão no lugar errado ou o ônibus largou a gente em Hollywood – eu disse, fazendo Renata revirar os olhos. – Caramba, Rê, são só garotos – sinceramente, eu não tinha cabeça para isso. Era só o segundo dia de aula e eu estava tão cheia de dever de casa que provavelmente passaria todo o ensino médio com uma vida social moribunda. Então, se a Renata queria ficar ali criando uma piscina de baba só de olhar para aqueles moleques, ia ter que fazer isso sozinha.

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- Como você pode não conhecer Felipe Madson e sua gangue? – perguntou, genuinamente chocada com a minha falta de conhecimento nas fofocas da cidade.

- Ainda por cima são marginais? – perguntei horrorizada. Se ela queria babar por caras gostosos, tudo bem, agora por integrantes de gangue...

- Não, sua panaca, é só modo de dizer – suspirou e passou a mão nos cabelos. Sabe, Sr. Albert, às vezes eu acho que Renata me considera um caso perdido. – Eles não são de uma gangue de verdade.

Menos mal.

- Ah Renata, o sinal já vai tocar e se eu tiver mais um atraso, vou ser chutada daqui de uma vez. Vamos entrar, esquece esses aí – pedi.

- Não! Olha só, Lidia, eles são perfeitos! – os olhos dela brilhavam e eu me obriguei a olhar para os meninos.

- O de cabelos loiros e olhos cor de mel ali é o Vítor Miranda, o moreno sarado é o Alex Mileto, o outro loiro ali, o mais alto é o Daniel Corelli – ela parou, corando. – Uma vez, nós nos esbarramos no shopping e ele sorriu para mim e...

Ok, Renata ia entrar em um dos seus devaneios amorosos malucos e eu resolvi cortar logo.

Ei, eu disse que era amiga dela. Não necessariamente uma boa amiga.

- E o tal de Felipe? – interrompi, antes que passássemos todo o primeiro horário dissecando os ângulos do sorriso do tal Corelli.

- Ah, é o mais lindo de todos, é claro. O de cabelos pretos e olhos verdes, que parece uma estrela do rock. Bem ali, olha.

Estávamos um pouco longe das criaturas que causavam tanto alvoroço na minha melhor amiga e minha visão não era das melhores, então eu não pude vê-los muito bem.

- Sem exageros, ok? – eu disse.

- É sério! Vamos olhar mais de perto, Lidy, você só pode estar cega!

Resignada, fui atrás da Renata para ver melhor os meninos. Bom, pelo menos estávamos mais perto da minha sala, que é no primeiro andar, e se o sinal tocar daria para sair correndo no maior pau e chegar a tempo.

São técnicas que todo estudante comum deve saber, Sr. Albert.

Finalmente olhei na direção que Renata apontou e pude ver a gangue de Felipe Madson mais claramente. Ok, confesso que tive que morder minha língua. Realmente, o jeito com que Renata descreveu Felipe não era de modo nenhum exagerado. De fato, deixava a desejar. Felipe Madson era o garoto mais lindo, charmoso e perfeito que eu já havia visto na vida. E seus amigos não ficavam muito atrás. O uniforme do colégio, que eu, particularmente, achava ridículo, ficava maravilhoso neles. A calça preta, a blusa branca e o blazer vermelho realçavam tudo que a natureza havia dado de bom grado para aqueles quatro garotos (não, Sr. Albert, eu não sou tarada, só estava analisando esses garotos para descrevê-los melhor nesta redação).

- Vê? – Renata suspirou. – Eles não são perfeitos?

- Sim, Renata, são – admiti, suspirando também. – Perfeitos, perda de tempo e areia demais pra nossa carrocinha quebrada puxada por um burro manco. Entendeu, Renata? Eles estão fora de cogitação.

- Que coisa mais auto-depreciativa.

- Ótimo, agora que você entendeu, podemos ir para a sala e tentar salvar o que resta do nosso ano, pode ser?

- Tudo bem, tudo bem. – ela aceitou finalmente e retomamos nosso caminho para o corredor da nossa sala. – Mas tem uma coisa que eu queria saber.

- O quê? – perguntei, com receio. Já cansei de tentar parar de me surpreender com as coisas que passam na cabeça dessa minha amiga.

- Por que esses meninos vieram para o nosso colégio? É uma escola pública! Por que eles vieram para cá quando podem estudar em qualquer escola particular do país?

- Ah, sei lá – respondi, aliviada. Podia ter saído coisa pior. – Vai ver eles foram expulsos.

- Felipe Madson nunca seria expulso de uma escola, Lidia – Renata disse, como se estivesse falando com uma retardada. – A família dele tem muito dinheiro e influência. Ninguém iria querer contrariar a família Madson.

- Se você diz.

De fato, isso era muito esquisito. O que esses garotos queriam fazer numa escola pública qualquer? Vários motivos me passavam pela cabeça, mas nenhum era realmente válido. Espera um pouco, por que raios eu estou pensando nesses moleques? Essa loucura da Renata deve ser contagiosa.

Estava perdida nesses meus pensamentos absurdos e não prestei atenção no caminho. Resultado, tropecei, perdi o equilíbrio e caí.

Numa poça d’água.

Bem na frente da tal gangue do Felipe Madson.

(Na minha introdução, quando disse que gostaria que o senhor, Sr. Albert, se divertisse, estava falando disso. Acontece comigo o tempo todo).

Meu uniforme ficou ensopado. A saia preta grudou nas minhas coxas, minha meia rasgou, a blusa branca ficou transparente e meu blazer deu perda total.

Enquanto eu me levantava e tentava, da melhor maneira possível, parecer apresentável (com a ajuda de Renata, que tentava secar minha mochila) e pensava que era tão eu fazer uma coisa dessas no segundo dia de aula e que as coisas não poderiam piorar, ouvi gargalhadas.

Aparentemente, não são só meninos lindos, ricos, famosos e essas merdas. Também são idiotas, babacas, otários e desocupados que ficam rindo às minhas custas.

Odeio que riam de mim.

- Vocês viram isso? – perguntou Vítor aos outros. – Foi hilário!

- Felipe, você tinha razão – disse Alex entre gargalhadas. – Nós vamos nos divertir muito por aqui.

- Eu não vi! – disse Daniel. – Ei, garota! – gritou para mim. – Dá para fazer de novo?

Também devem ser comediantes.

Renata teve que se segurar para não rir, a maldita, e eu tive que me segurar para virar de costas e ignorá-los. Lembre-se Lidia, elegância é tudo.

- Ei! – ouvi uma voz masculina dizer, instintivamente soube que era o líder da gangue dos imbecis. – Você!

- Por que vocês não vão pro inferno, seus babacas?!

É, elegância é tudo...que eu não tenho.

Mais uma vez me desculpe pelo palavreado, Sr. Albert, mas eu acho que o senhor quer que minha vida seja retratada da forma mais real possível.

- Se acalma, garota – Felipe disse, rindo. – Eu não ia zoar você, de modo algum. Só ia elogiar seu uniforme. Se todas as garotas o usassem assim, não seria uma total perda de tempo ir à escola.

Simplesmente não acreditava. Senti Renata segurar meu braço com força, puxando-me para longe deles desesperadamente. Ela sabe quando eu estou prestes a assassinar alguém. Porém, ainda deu tempo do meu dedo do meio dar o ar da graça.

Renata me segurou e me levou para dentro antes que eu pudesse fazer o que meu instinto me dizia para fazer: encher a cara daquele garoto arrogante de porrada.

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- Vem Lidy, vamos ver se a enfermeira tem um uniforme para emprestar para você. – Renata disse, me puxando em direção à enfermaria. – E lá vamos conversar muito sério.

Só o que me faltava agora era escutar sermão da minha melhor amiga. Eu mereço!