Remendo

Azarado


Ronald Weasley não tinha sorte e ninguém duvidava disso. Simples assim. Ele apenas não tinha sorte.

Nascido em uma família onde precisava disputar a atenção com cinco irmãos mais velhos e uma mais nova, Rony percebeu logo cedo que precisaria se destacar muito em alguma coisa para ter certo renome, mas a questão era aquela: no que? Quando tinha três anos, observou à humilde coleção de dragões em miniatura de seu irmão Carlinhos, a incontável coleção de moedas de Gui, os livros empoeirados de Percy e os diversos "brinquedos" de Fred e Jorge e, depois disso, resolveu colecionar alguma coisa também. Talvez colecionasse pedras... Não, não seria uma boa ideia. Molly Weasley, a sua mãe, provavelmente piraria caso ele começasse a levar aqueles objetos sujos para casa. Então ele poderia colecionar... Ele poderia colecionar... Figurinhas de bruxas e bruxos famosos! Seria até prazeroso montar uma coleção daquilo.

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Pronto! O pequeno Ronald Weasley já sabia o que colecionaria.

Até os seis anos ele expandiu a coleção. Chegou a pedir de Natal alguns Sapos de Chocolate ao invés de um agasalho feito por sua mãe – mas ainda sim ganhou o bendito agasalho! – e como qualquer criança normal, vibrava ao ver que era bom em alguma coisa. Se bem que comer sapos de chocolate e colecionar figurinhas não era tão excepcional como saber tudo a respeito de dragões, ou saber tudo a respeito de galeões, ou saber tudo a respeito de qualquer coisa, ou até mesmo saber contar as melhores piadas do mundo. Mas ainda assim, Ronald tinha algo para chamar de seu.

Com sete anos ele completou a coleção. Exibiu durante todo o Natal as figurinhas, para todos os parentes e diversos. Ganhou alguns sorrisos – mas nenhum como Fred ou Jorge arrancavam com suas travessuras – e foi nesse exato momento que Rony percebeu que por mais que tentasse, sempre seria um zero a esquerda.

Rony sentiu inveja.

Por que todo mundo naquela casa conseguia um pouquinho de atenção e ele, nada? Gina nem ao menos esperara dois anos para nascer, ou seja, as suas tias-avós mal tinham apertado as bochechas dele, como apertaram de seus irmãos. Ou seria culpa de seus pais? Bem, pelo menos teria um argumento para atacá-los quando recebesse uma bronca ou coisa do tipo.

Naquele Natal, Rony pegou todas as suas figurinhas e sentou em um canto do sofá abarrotado, ignorando o mundo ao seu redor e todo mundo que fazia parte dele.

Rony sentiu-se perdido.

Como se não fizesse parte daquela família... Porém os seus cabelos ruivos o denunciavam. Ele era um Weasley. Querendo ou não. O pequeno Rony encolheu-se no sofá, ignorando o choro de Gina que ecoava pela sala graças a uma brincadeira sem graça de Fred... Ou seria Jorge? Rony, emburrado, tampou os ouvidos e esqueceu que as figurinhas estavam em seu colo. Com o movimento brusco, todas foram de encontro ao chão e as mãos de Rony - e de seu primo gorducho e petulante chamado Damien - foram procurá-las.

Ronald deveria saber que não podia confiar no primo. Damien Weasley era o tipo de garoto que queria tudo para ele. Um egocêntrico, que achava que o rei morava no umbigo – isso é, se ele tivesse um umbigo perdido no meio da gordura, coisa que Rony duvidava – e que não possuía uma boa fama. Estranhamente Damien entregou as figurinhas para ele, com um sorriso feio no rosto e um olhar falso. Rony desconfiou, mas ficou quieto (porque era o que ele sabia fazer melhor). Mais tarde, na hora de dormir, ele deu por falta de duas figurinhas...

... E depois daquela noite, Ronald nunca mais conseguiu encontrar uma figurinha da Agripa ou do Ptolomeu.

... E depois daquela noite, a coleção do pequeno Ronald passou a ser incompleta outra vez, e sem nenhuma importância.

Porque ele não tinha sorte.

Nem um pouco.

Rony sentiu raiva.

Não foi somente naquela noite que Ronald quis gritar de raiva. Em uma manhã, ainda em sua infância, acordou com um enorme – enorme seria apelido para gigantesco – aracnídeo bem em cima de sua barriga – e quase em seu rosto. A única coisa que conseguiu fazer foi gritar por sua mãe (e, é claro, chorar). Molly Weasley apareceu depois de dois segundos no quarto do filho mais novo e assim que viu a aranha cinco vezes maior do que o normal, arregalou os olhos e estendeu a varinha, fazendo o bicho sumir num piscar de olhos.

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— Fred e Jorge Weasley, como vocês se atrevem? — a Sra. Weasley rugiu como um leão, empurrando a cortina empoeirada com a ponta da varinha para encontrar os gêmeos que, por mais que soubessem que estavam metidos numa baita encrenca, não conseguiam deixar de gargalhar.

— Nós não fizemos nada de mais, mãe.

— Como vocês não fizeram nada demais? Olhe a cara do irmão de vocês!

— Não temos culpa se o Rony é medroso. — Fred disse... Ou seria Jorge?

— Sim, não temos mesmo culpa. — o outro gêmeo resolveu acrescentar: — Sem contar que essa é uma Tarântula. Elas não são perigosas para a espécie humana.

— Ah, mas nós nos esquecemos que o Ronyquinho não é um humano, Jorge. — Fred fez uma careta e voltou a rir. — É um chorão!

— Quieto os dois! — Molly ergueu as mangas da blusa e esbofeteou-os nos braços. — Não me importo se é uma Tarântula ou uma Acromântula¹! Peçam já desculpa ao irmão de vocês! Olhe só como vocês assustaram o pobrezinho!

Bem, como Fred e Jorge não tinham escolha...

Nos desculpe, Ron... — repetiram em um tom alto e claro, mas que continha um deboche escondido. — Prometemos não fazer mais isso.

— E é bom que não façam mesmo! Vocês dois ainda vão me deixar louca!

E, depois disso, os três esqueceram-se da existência de um quarto. Saíram do cômodo, deixando um garotinho de cabelos ruivos trêmulo e assustado esparramado na cama. Será que ninguém percebia que desculpas, naquela hora, não adiantavam de nada? Nem daquela forma Ronald conseguia o olhar da mãe só para ele.

Ronald sentiu-se sozinho.

Ainda mais depois que Fred e Jorge ingressaram em Hogwarts. Agora ele não tinha mais com quem conversar – a não ser com Ginerva, mas ela estava naquela fase irritante da pré-adolescência, por isso não conseguia falar por mais de um minuto e meio com ela -, por isso tornou-se ainda mais calado do que era.

Passou a maior parte de seus dias de espera não fazendo nada. Não gostava de ler, não gostava de ajudar a mãe com os afazeres domésticos, não podia praticar magia, não se interessava por objetos trouxas para arranjar assunto com o pai, não queria fazer as suas obrigações e queria passar longe de Gina. Não tinha amigos com quem sair, ou chamar para visitá-lo, ou para trocar correspondências. Não passaria nem um único dia na casa da tia-avó Muriel, porque ela era uma mulher odiosa e conservadora, que tentava corrigir a sua postura a todo segundo e cortar o seu cabelo. Sem contar que ela não parava de falar de Gui um segundo sequer. "Gui isso", "Gui aquilo", "Por que você não é que nem o seu irmão Gui, Ronald? Ele é tão adorável! Já você..." Não, ele não queria visitar a tia Muriel. Preferia ficar afogado no tédio ou tentar fazer amizade com o vampiro que morava no sótão de sua casa... Ou até mesmo ficar correndo em volta dos gnomos travessos para deixá-los tontos e desgnomizar o seu jardim... Ah, qualquer coisa, menos a tia Muriel.

Preferia até continuar sendo o pobre garoto ruivo solitário...

Ronald sentiu-se triste...

Por onze anos de sua vida. Até que recebeu a carta que tanto esperava, tanto ansiava receber. A carta de Hogwarts. Sim, agora ele tinha a certeza de que era um Weasley, de que levava o sangue da família por suas veias... Ronald Weasley seria um bruxo!

... Um grande bruxo, talvez?

Rony não pensava no futuro próximo ou distante... Pensava apenas na carta que estava em suas mãos. Merlin, quantas vezes já havia escutado e lido o que ali estava escrito? Leu a carta de Gui, Carlinhos, Percy, Fred e de Jorge... E agora leria a dele. A carta dele. Fechou os olhos, ignorando o piar de Errol, a velha coruja da família Weasley, e abrindo o envelope. Nesse exato segundo, Molly e Arthur entraram na cozinha.

— Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts. — os olhinhos voltaram e releram aquela primeira frase várias e várias vezes. — Diretor: Alvo Dumbledore. Ordem de Merlin, Primeira Classe, Grande Feiticeiro, Bruxo Chefe, Cacique Supremo, Confederação Internacional de Bruxos. — olhou para os pais, esperando que eles se pronunciassem, ou ao menos piscassem. — Prezado Senhor Weasley, temos o prazer de informar que vossa senhoria tem uma vaga na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Estamos anexando uma lista de livros e equipamentos necessários. O ano letivo começa em 1º de setembro. Aguardamos a sua coruja até 31 de julho, no mais tardar. Atenciosamente, Minerva McGonagall. Diretora Substituta.

— Oh, Rony! — Molly foi correndo abraçá-lo. Comprimiu-o em seus braços maternos e enterrou um beijo por toda a face sardenta do filho. — Parabéns!

Temos mais um bruxo na família. — Arthur aproximou-se para dar dois tapinhas nas costas de Rony, abraçando-o logo quando a Sra. Weasley o soltou – o que demorou um pouco. – Mas nós não tínhamos dúvidas, não é mesmo? Rony nasceu para ser um bruxo...

— Parece que foi ontem que ele nasceu. — os olhinhos escondidos por detrás das bochechas coradas de Molly ficaram úmidos, delatando um choro emocionado. — E agora já está para embarcar em Hogwarts! Precisamos fazer um jantar para comemorar...

"Rony nasceu para ser um bruxo...", o seu pai havia dito.

E a sua mãe faria um jantar para... Ele.

Naquele momento, Ronald sentiu-se especial.