Mais um território a ser ocupado. Era sempre assim, nós, os Volturi, não podíamos ficar mais de quinze anos no mesmo endereço. É o preço pela juventude eterna. Eu, Giuliet Volturi, vampira, fui transformada aos dezenove anos, à muitos, muitos anos. Podia fingir ter, no máximo, trinta anos, forçando muito a barra. E então, tudo começava de novo. Forjar uma morte, tirar novamente documentos falsos e recomeçar a vida em um lugar distante.

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O lugar distante da vez era Forks, no estado de Washington, Estados Unidos. Uma cidade pequena, próxima a Seattle, que quando não nevava – se fosse inverno – ou chovia, estava repleta de nuvens que não deixavam o Sol passar. Lugar perfeito para vampiros.

Meu clã era composto por outros 5 vampiros: Hecate, vice-líder; Matt, conselheiro; Anne, estrategista; Kronus e Gabi sendo apenas integrantes, não que fossem menos importantes. Eu ocupava o cargo de líder, por um acaso do destino acontecido em tempos distantes. Nós éramos um clã relativamente grande, para uma espécie que só sabe andar aos pares. Também éramos o clã governante. A nossa sociedade é muito semelhante com a humana, porém menos complicada um pouco. Todos os clãs, grupos, cada vampiro, é governados por um único clã, que estabelece as regras e mantêm tudo em segurança. E, por volta de quatrocentos anos antes, subimos ao poder ao lutar contra o vampiro governante da época. Dos que estavam lá na época, sobraram apenas eu e Hecate, mas o clã seguiu em frente. Não que isso tenha sido algo fácil, todos nós tínhamos marcas no corpo o suficiente para provar isso.

Morávamos juntos em um casarão na floresta, afastados de tudo. A despeito das lendas humanas, era uma casa comum, bem arejada, bem iluminada e dois andares amplos. Cada um tinha seu quarto no segundo andar, mais pra guardar coisas do que pra utilizar. Vale a pena citar que vampiros não dormem.

No primeiro andar, havia uma cozinha intocada, uma sala gigantesca, que, além de televisão, sofá, e tudo que as salas normais tinham. Havia também um piano, ao fundo. Normalmente quem tocava era eu. O outro fã de instrumentos do clã era Matt, que tocava, normalmente, um violão que ficava guardado no seu quarto.

Havia, ainda no segundo andar, além dos quartos, uma espécie de biblioteca. Tinham livros ali que qualquer colecionador pagaria o que tivesse para ter. Os meus preferidos eram manuscritos originais de Shakespeare. A única dificuldade era conservar isso tudo, mas como eu não dormia, tinha muito tempo pra isso.

Era um dia especialmente ensolarado na região. Se houvessem mais cinqüenta daqueles no ano, seria muito. Eu estava especialmente disposta a andar pelo território, ainda desconhecido. Fazia cinco meses desde que viemos da Noruega, aonde passamos os últimos dez anos, e ainda não tínhamos explorado o território todo.

-Vamos dar um passeio? – Falei, em tom normal, ainda assistindo o jornal da manhã, sabendo que eles ouviriam de qualquer jeito. Mas ninguém respondeu. – Isso não é exatamente uma pergunta, se é que vocês me entendem.

Todos os cinco apareceram, a maioria com uma cara de tédio no rosto. Só Hecate e Kronus pareciam um pouco animadinhos.

-Passeio pra onde? Está sol! – Chiou Matt.

-A gente não vai aonde há humanos. Só vamos fazer um reconhecimento da área.

-Da última vez, um humano nos viu e fomos obrigados a cuidar dele. – Lembrou-me Gabi, comentando um pequeno incidente na Noruega.

-Foi só uma vez, gente. Não acontece sempre. O que de pior pode acontecer? Qualquer coisa eu apago o humano antes dele perceber a gente.

-É, vamos lá, o que vocês acham que vão encontrar? Um tipo de monstro novo? – Incentivou Hecate, quase que profeticamente.

Os outros bufaram e começaram a andar para a saída. Desliguei a TV, me levantei e logo estava ao lado deles. Comecei a guia-los por qualquer direção, só para reconhecer o lugar. De vez em quando, um raio de Sol ultrapassava as árvores, fazendo nossa pele se aquecer e brilhar. Não, nós não nos ferimos com Sol, nem ardendo ficamos, só que como somos praticamente pedra, nossa pele brilha. Há quem ache que seria melhor se queimasse, eu já ficaria feliz se não acontecesse nada. Se a genética disse que isso atraía os humanos, quem sou eu para discutir. Mas que é ridículo, ah, isso é...

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Chegamos à beira de um enorme lago, e paramos. O Sol refletia na água, o que ofuscaria a visão se fôssemos humanos. Poderíamos atravessar nadando, mas não sei o que aconteceu. Alguma força, um pressentimento de que deveríamos contornar pela direita.

-Eu seria muito chata se pedisse pra darmos a volta? Não estou muito a fim de me molhar. – Sugeri, normalmente. Eles deram de ombros e continuamos.

A paisagem à beira do lago era bonita, então não corremos, e sim caminhamos tranqüilamente. Sete quilômetros depois estávamos quase na metade do lago, foi então que um cheiro nos invadiu. Eu demorei mais para reparar, parando alguns centímetros à frente deles. Meu olfato não era minha melhor habilidade, era obrigada a admitir. Mas aquele perfume em si deixaria o pior olfato do mundo enjoado. O perfume lembrava cachorro de rua, só que muito mais potente. Poucas coisas eram capazes de revirar o estômago de um vampiro, mas aquele conseguia. Todos estavam com o nariz torcido e uma cara de nojo, olhando ao redor.

-Mas que droga é essa? – Perguntou Matt, discretamente levando a mão à barriga.

-Tem alguém se aproximando. – Constatou Gabi. Seu poder – alguns sortudos nascem com algum dom – era ler mentes, e ela conseguia fazer isso à uma boa distância.

Mal ela terminou de falar, passos leves se fizeram ouvir entre as folhagens, e logo com isso juntou-se uma espécie de rosnado baixo, algo selvagem e gutural, que fez um calafrio subir pelas minhas costas.

Na nossa frente, instantes depois, surgiu um grupo de lobos gigantescos. Mesmo apoiados nas quatro patas, os animais eram mais altos que nós, tendo quase dois metros cada e nos encaravam sem ao menos piscar. Eram 4, lado a lado, mas um deles, o maior estava um pouco mais à frente. Atrás dele, havia um segundo maior, de pêlo marrom e branco ao redor dos olhos e no peito; um terceiro de pêlo cinza; e um quarto, preto. Mas o primeiro, de pêlo castanho e branco, detinha toda a minha atenção. Era, sem a menor dúvida, o alfa, não só pelo porte físico, mas também pelo modo como os outros se mexiam, em total harmonia com seus movimentos. Ele pareceu me identificar como líder, pois também mantinha os olhos fixos a cada movimento meu. Nós dois agora estávamos absolutamente parados, esperando o que o próximo ia fazer. Eu tinha a mais absoluta certeza do que ele era, apesar de vampiros desavisados – os cinco atrás de mim, por exemplo – não saberem que realmente existem. Minha mente voltou 500 anos no passado. Meu corpo reagia de forma estranha, quase beirando o descontrole, me fazendo sentir como um recém-criado que vê sangue pela primeira vez. Porém, ao invés do desejo incontrolável, eu sentia raiva, ódio, vontade de avançar imediatamente sobre eles, e minha boca estava inundada de veneno, minhas gengivas chegavam a arder.

Então eu lembrei que meu clã provavelmente não estaria entendendo nada, mas explicações deveriam vir depois. Acordei do transe quando os ouvi rosnar, menos Gabi. Essa provavelmente estava fascinada por encontrar uma mente humana dentro de um corpo animalesco. Sem tirar os olhos do Alfa, falei com meu clã.

-Não ataquem.

Os lobos pareceram hesitar quando ordenei isso, e meu clã também. Eu podia sentir o olhar deles nas minhas costas.

-Gabi, preciso de você.

Ela se aproximou de mim, e eu dei três passos a frente, fazendo um esforço inumano para me manter no controle, e parando quando os lobos rosnaram. Voltei a encarar o Alfa, e falei na voz mais calma que eu podia.

-Ela pode ler a mente de vocês. Então, já que nenhum de vocês vai querer virar humano para que possamos evitar a carnificina, ela vai traduzir.

-Eles ficaram revoltados por terem a mente violada. São dois homens e duas mulheres. A de pêlo castanho é a Alfa. – Gabi respondeu muito baixo e rápido, só eu ouviria.

-Estamos apenas fazendo um reconhecimento de território. Não estamos caçando, nem matando, nem agredindo a área.

-Não interessa o que vocês estão fazendo, não são bem vindos aqui. Saiam de nossas terras. – Traduziu Gabi, imitando perfeitamente o tom irritado. Segurei o rosnado quando ele quase saía da garganta.

-Sinto muito, mas isso não é uma opção. Estamos no território à cinco meses e em momento nenhum fomos abordados por um grupo de... er... lobisomens.

-O território é nosso há gerações e sanguessugas assassinos não são bem vindos. – O tom aumentou um pouco.

-Eu conquisto territórios a gerações, cachorros não são bem vindos. – Eu respondi, devolvendo o desafio, me convencendo de que minha paciência não duraria muito. A alcatéia toda rosnou e os pêlos da nuca se eriçaram mais um pouco. – Só para constar, eu não tenho medo de rosnado. – O rosnado diminuiu, mas a postura era a mesma. – Vamos fazer um combinado, ok? Nós ficamos no nosso canto, e vocês no de seu, ninguém incomoda ninguém.

-Não fazemos combinados com monstros como vocês. – Gabi parecia nervosa, assim como eu, e precisei de toda a minha força para não demonstrar a fúria que eu sentia.

-Vocês não deveriam sair por aí falando o que não sabem. Podem acabar castrados. – eles deram um passo à frente, agora estávamos apenas a três metros de distância, e eu já me via obrigada a olhar para cima. – Nós vamos embora agora. Não sigam nosso rastro, vamos estar preparados para vocês se forem. Não me obriguem a por um fim na vida medíocre de vocês.

E mesmo com aquela pouca distância, eu virei de costas e comecei a andar tranqüilamente na direção que tomaríamos para voltar. Ignorei os olhares pasmos de meus amigos e continuei a andar. Decidi não ser tão imprudente e usei meu poder, apenas deixando uma névoa atrás de nós.

-Se eu fosse vocês, não atravessaria essa névoa. Pode ser um tanto... desconfortável.

Não fiquei para ver se eles iam arriscar, logo estávamos correndo na maior velocidade que podíamos. Tentei manter aquela névoa naquele lugar o máximo que pude, mas em certo momento a distância impediu e relaxei. Quem atravessa a névoa tem seus sentidos totalmente apagados. Eu normalmente não uso em batalhas, pois é totalmente letal e injusto. Sem falar que, dependendo do inimigo, eu prefiro que sinta dor enquanto morre.

Quando chegamos novamente na casa, eu estava muda, ninguém disse uma palavra sequer na volta. Eu achava que nunca mais seria obrigada a...

-Giuliet, mas que droga foi aquela? – Puxou a discussão Kronus, e a bola de neve foi crescendo.

-A ordem habitual é “quando vocês encontrarem algo que queira mata-los, matem primeiro”! – Matt estava especialmente alterado.

-Exatamente! E, na minha opinião, eles queriam matar a gente bastante! – Anne estava um pouco mais calma, mas ainda sim alterada.

Gabi e Hecate estavam caladas. Ambas sabiam exatamente o que se passava comigo. Hecate desconfiava, mas Gabi havia visto tudo na minha mente. Eu poderia esconder, já que vampiros podem pensar em mais de uma coisa ao mesmo tempo, mas eu precisava pensar naquilo, e ela é boa em guardar segredos.

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-Ninguém vai encostar um dedo em um lobisomem até que eu diga, estamos entendidos? – Disse, com a voz de comando que eu odiava ser obrigada a usar. Eles se encolheram um pouco, mas ainda sim estavam inconformados.

-Seria uma excelentíssima idéia você começar nos explicando o que são aquilo! – Matt estava nervoso demais para o meu gosto, como sempre.

-Gabi, explique-os o básico que você entendeu hoje. Depois eu explico mais detalhadamente. Vou para o segundo andar, aonde eu possa ver mais longe.

-Eles não vão nos seguir. – Ela afirmou. – Não por enquanto, pelo menos.

-Nunca se sabe...

Eu subi correndo, direto para o meu quarto. Sentei em uma cadeira, ao lado da janela, e fitei a paisagem, mas minha mente estava distante.

Meia hora depois, Hecate entrou com duas garrafas. A melhor coisa do século XXI é que, com tantos bancos de sangue, poderíamos acalmar a sede com sangue de garrafa. Não era a mesma coisa e não matava a sede completamente, mas dava um conforto psicológico. E como criatividade não morre com veneno, havia cada vez mais variedades. O que ela tinha na mão era o equivalente a cerveja. Álcool, quando consumido com sangue, se dispersa da mesma forma que o sangue em si em nosso organismo. O problema é que, se bebido em quantidades absurdas, causa efeitos devastadores. Não queira ver um vampiro bêbado.

Peguei minha garrafa e dei uma golada, ainda olhando longe.

-O passado resolveu voltar hoje?

-Aham. E um bem distante.

Ela se sentou perto de mim em silêncio e me encarou. Continuei olhando para fora perdida.

-Você nunca me contou com clareza o que aconteceu durante seus primeiros vinte anos de vida. Aposto uma garrafa de A- que aconteceu por essa época.

Ri sem muito humor. A- era o tipo preferido dela, então pra ela apostar algo assim é porque ela tinha certeza. E estava certa de novo. Eu nunca contara a ninguém muitos detalhes dos meus últimos anos como humana e os primeiros como vampira porque havia coisas que eu queria esquecer.

-É meio longa.

-Eu tenho uma eternidade pra ouvir. Literalmente.

Suspirei e comecei a contar o que me acontecera quase 500 anos antes, a primeira vez que me deparei com um lobisomem.