Três dias se passaram. Temperaturas cada vez mais baixas assolavam o norte enquanto que a neve lentamente se tornava um fenômeno cada vez mais freqüente. Através da janela, William observava os flocos que caíam e, com intervalos irregulares de tempo, bocejava. Ele estava na minúscula cozinha e sala de jantar de uma das cabanas adjacentes ao posto de vigia abandonado onde passara a noite há quase uma semana atrás.
A única compania do manipulador de vento naquele local era Fernand, que realiza exercícios mistos diante do fogo que crepitava na lareira. Este último ocasionalmente quebrava o silêncio com um grunhido, mas não demorou para que ele se cansasse, optando por iniciar uma conversa.
–Fernand: Por que não vai dormir, já que está bocejando tanto?
Não houve resposta. Fernand não sabia, mas na verdade William tinha medo de dormir e sonhar novamente com sua infância. Desejava, do fundo do coração, esquecer os horrores que vira no mundo dos mortos e também aqueles que ele próprio causara. Porém, como isto era impossível, o manipulador do vento se contentaria caso pudesse evitar rever tais cenas em seus pesadelos.
–Fernand: Hmpf, talvez eu devesse ir até a outra cabana.
–William: Francamente, Fernand!
–Fernand: Não é o que você está pensando. Eu só gostaria de ouvir a conversa das garotas.
–William: Por quê?
–Fernand: Ora vamos, William, você sabe muito bem sobre o que garotas dessa idade conversam.
–William: Na verdade, não...
O sorriso nos lábios de Fernand sumiu de imediato enquanto seus olhos pairavam sobre a inexpressividade do amigo. Era verdade, William não fazia a menor ideia do que o soldado da terra tentara insinuar, o que, para este último, era uma legítima decepção.
–Fernand: Rapazes, William! Elas falam sobre o que as seduzem e sobre os rapazes com quem sonham acordadas!
–William: Ah, isso...
–Fernand: Ouça o meu conselho, amigo. Continue assim e vai morrer virgem.

Fernand estava muito enganado com relação às suas aliadas. Embora as quatro estivessem juntas, esparramadas confortavelmente sobre as duas camas de um quarto, a conversa nada tinha ver com o assunto rapazes.
–Yasmin: Provavelmente teremos que nos livrar destas peles em breve. Elas serão um estorvo em terras mais quentes.
–Samantha: Realmente, mas devemos conseguir vestimentas mais adequadas com minhas irmãs.
–Karin: Espero que as outras bruxas me ensinem alguma coisa, porque até agora você só me evitou, Samantha!
–Samantha: Espero que elas te ensinem a manter a boca calada...
–Yasmin: Já que tocaram no assunto, não pude deixar de perceber que as bruxas ensinaram muitas coisas à Samantha, mas nunca ouvi a Luna comentar sobre o que os sacerdotes ensinam.
–Luna: A verdade é que o treinamento de sacerdote envolve muito conhecimento e pouca prática.
–Yasmin: Então como foi que aprender a usar um arco?
–Luna: Já ouvir falar no nome Walter Truaim?

Uma tarde quente em Hadob, em que o sol brilhava forte e no céu não se via uma única nuvem. Luna Watlear, muitos anos mais nova, caminhava para fora do templo como se não estivesse fazendo nada de errado, embora na verdade soubesse que não deveria andar pela cidade sozinha.
–Sacerdotisa: Onde pensa que vai, Luna?
A voz repreensiva de uma sacerdotisa congelou os movimentos de Luna. Dezenas de desculpas brotaram na mente da menina, mas de nada adiantariam. Nenhum dos supervisores do templo seria ludibriado. Em face disso, somente a verdade poderia ser dita.
–Luna: Eu quero ver o arqueiro lendário que está na cidade! Eu ouvi dizer que ele está ensinando pessoas de graça!
–Sacerdotisa: Faz tempo que não a vejo tão animada, e confesso que também estou um pouco curiosa. Como hoje é um dia de folga, iremos juntas.
–Luna: Mesmo?
–Sacerdotisa: Mas é claro. Porém, quero que me prometa que não vai atrapalhar ninguém.
–Luna: Prometido!

Diversas flechas assoviavam pelo ar, algumas se cravando nos alvos distantes, outras se perdendo pelo caminho. Mais de vinte de pessoas estavam reunidas na campina próxima a Hadob. Em meio à rocha, grama e esparsas árvores que preenchiam o local, os alunos seguiam as orientações de Walter Truaim enquanto curiosos se limitavam a observar.
–Walter: Você está melhorando, Renan, mas precisa se concentrar mais. Está pensando demais e, com isso, perdendo o foco.
Para dar uma demonstração prática do que dizia, o lendário arqueiro puxou uma flecha de sua aljava e, respirando fundo, puxou a corda de seu arco. Tudo o que seus olhos viam era o alvo que ele desejava atingir, este a cem metros de distância, aproximadamente. Porém, ele os fechou logo em seguida, pois já era tudo familiar para Walter. Também não se fazia necessário pensar, para sua mente e seu corpo treinados, bastava sentir a tensão da corda.
E então, a flecha foi disparada.
–Luna: Incrível! Ele acertou o centro em cheio!
–Sacerdotisa: Isto sim é um arqueiro famoso! As histórias sobre ele não eram mentirosas.
–Luna: Será que ele me ensinaria a usar um arco? Isso parece tão divertido.
–Sacerdotisa: Não seja tola, Luna! Você é uma criança, não tem capacidade e nem deve mexer com algo tão perigoso!
–Walter: Lamento, mas eu discordo.
Por um momento Luna e a sacerdotisa pensaram que o arqueiro se referia a algum aluno, mas estavam enganadas. Walter caminhava em sua direção e mantinha seu olhar fixo na pequena manipuladora da água, uma atitude que inquietou a supervisora do templo.
–Sacerdotisa: O que quis dizer com isso, senhor Truaim?
Ignorada. O interesse de Walter era unicamente Luna.
–Walter: Então você quer aprender a disparar flechas, menina?
–Luna: Sim, eu adoraria.
–Walter: Hoje é o seu dia de sorte, pois Walter Truaim está aqui para lhe ensinar tudo o que você precisa saber!

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