Talvez Leah não devesse fazer aquilo. Não tinha nada seu para levar, só o estúpido vestido bordô que usou no dia em que cortou os pulsos e as incômodas bandagens brancas. E ela não tinha idéia como aquelas bandagens haviam ido parar ali, mas ali estavam elas.

Não avisou Dollano que finalmente decidira partir. Ele estava tão ansioso para que ela saísse daquele buraco sem vida que não iria se importar com ou com a falta de um adeus. Ela se sentia mal, é claro, de deixar para trás a única pessoa com quem criara algum tipo de laço nessa nova vida, morte ou fosse o que fosse. Poderia parecer ingênuo, mas foi ele quem lhe ensinou os sentimentos mais uma vez. Sentimentos diferentes da raiva, do medo e daqueles outros que ela experimentava na presença da Morte.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ela estava a um passo do portão de ferro. A rodovia que ficava em frente ao cemitério era razoavelmente movimentada, fazendo com que as sombras das árvore esqueléticas aumentassem e diminuíssem conforme o fluxo dos carros.

Um passo. Era tudo isso que Leah precisava dar. Um passo e apenas um passo a separava do mundo real, e ela não tinha a mínima idéia do que a esperava do outro lado. Respirou fundo e prendeu o fôlego. Atravessou, então, o portãozinho de ferro.

Alguns pássaros noturnos piavam a sua moda, o vento batia com força nos galhos e nas poucas folhas das árvores e o barulho das rodas contra o asfalto. Todos esses barulhos existiam dentro do cemitério, Leah tinha certeza, mas foi só quando ela pisou fora dele que passou a ouví-los. Parecia que ela estava, finalmente, saindo de uma sala a prova de som.

Fechou os olhos, por um instante, para gravar aqueles sons na memória vazia. Até o seu próprio coração batia tão forte que parecia que ele estava berrando em seus ouvidos. Tremendo de excitação, Leah abriu os olhos mais uma vez, sem saber o que deveria fazer agora que estava fora do cemitério.

Leah teria ficado parada ali para sempre se aquele carro sedan verde-musgo não tivesse estacionado em frente ao cemitério. Se aquele jovem rapaz não tivesse saído do carro e a forçado a entrar pela porta traseira.

O jovem rapaz também entrou no carro e fechou a porta com força. O motorista, que mais parecia um esqueleto, pisou fundo no acelerador e Leah sentiu seu corpo ser jogado contra o banco a medida que a velocidade aumentava.

O que Leah tentava evitar olhar era aquela mesma mulher de negro, que estava sentada no banco do caroneiro, procurando alguma estação sem estática no aparelho de rádio.