Não fosse a terra ligeiramente remexida, ninguém poderia dizer que aquele túmulo era novo. A placa de mármore cinzento com letras douradas entalhadas se misturava tão bem com as outras que era como se sempre tivesse estado ali.

Leah viu seu nome na lápide. Sua data de nascimento. Sua foto. Uma inscrição boba, alguma passagem de um livro qualquer, fazia o lugar de um epitáfio. Um grito sufocado escapou da sua boca, fazendo par com um pulo para longe do mármore.

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- Eu... eu estou morta? – Ela perguntou para mulher de negro.

- O que você esperava? – A mulher revirou os olhos, impaciente. – Estraçalhou os pulsos com uma gilete. Não era isso que você queria?

Leah tentou lutar contra o pânico e se esforçou para acreditar no que estava acontecendo. Ela estava diante de seu túmulo, sentada aos pés da própria Morte. Fechou os olhos e secou as lágrimas com as pontas dos dedos. Era aquilo que ela queria?

Lembrava do banheiro. Lembrava do chuveiro. Lembrava do toque afiado e frio da lâmina que usou para fazer sua vida vazar pelos pulsos, junto com todo aquele sangue... Tentou lembrar-se de alguma coisa antes disso.

- Sério, eu gostaria muito de saber o que se passou pela sua cabeça. – A Morte continuou falando enquanto Leah tentava se concentrar. – Desespero? Medo? Ah, não, não são desculpas boas o bastante. Talvez tédio... É, o tédio parece ser uma boa. Sábado à noite, você não tem porra nenhuma para fazer. Quem sabe você não fura os pulsos e morre? Essa parece ser uma boa idéia.

A moça morta apertava os ouvidos, tentando ignorar o que a mulher de negro dizia. Por que ela não conseguia lembrar-se de nada antes do banheiro? Por que ela não sabia mais o que o S. do seu nome do meio significava? Por que ela não conseguia lembrar? Por quê?

Olhando para cima, Leah viu a Morte sentada em uma poltrona de veludo vermelho que não estava ali antes, segurando algo que parecia ser uma ampola brilhante. Um sentimento sem nome, uma sensação de familiaridade tomou conta da jovem.

- Devolva! – Ela gritou, tentando pegar o frasco. – É meu!

- Seu? – A Morte riu com gosto. Com um movimento de pulso, a ampola desapareceu. – Você desistiu de tudo que era seu.

- Aquilo era... – Leah não conseguia explicar.

- Sim, sim. – A Morte parecia entediada. – Aquilo era você, mas não era você. Era a sua essência ou seja lá como você quer chamar. Não tenho tempo para o seu choque...

Leah engoliu seco. Sua cabeça doía. Não sabia mais como diferenciar o que soava insano do que poderia ser real.

- Talvez você queira se acostumar com a idéia, primeiro. – A Morte falou, delicadamente, levantando da cadeira que não estava mais lá. – Sem a sua essência você não está viva, mas também não pode morrer.

- Como eu faço para tê-la de volta? – Leah perguntou, tentando ignorar o quão absurdo era tudo aquilo.

A mulher de negro sorriu. Finalmente estava chegando no ponto que ela esperava.

- Essa é a pergunta certa. – A Morte disse. – Mas o momento não é.

Em um instante a Morte, aquela mulher vestida de negro estava diante de Leah com sua postura arrogante e seu sorriso satisfeito. Um piscar de olhos depois, tudo que estava ali era a névoa da madrugada que logo seria o orvalho.