Senti a grama sob as minhas mãos, ainda úmidas pelo orvalho matinal. Abri os olhos devagar e, apesar da densa névoa, conseguia distinguir a silhueta de algumas árvores. Árvores estas que conhecia muito bem, jamais esqueceria o Jardim Chikage.

Minhas costas encontravam-se rentes a uma das tantas cerejeiras, garras invisíveis apertavam meu coração como se quisessem despedaçá-lo e as lágrimas transbordavam sem controle. Pensei na última vez em que chorei. Havia já alguns anos desde que abandonei meus poucos amigos e meu protetor, o único que realmente amei, e, mesmo depois de tanto tempo, pergunto-me se foi apenas o orgulho que me levou a este ato tão covarde.

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Divagava sobre isso quando um vulto passou por mim. Há poucos metros de onde eu estava Kazama-sama abraçava a névoa. Acontece que ele abraçava alguém de pele tão alva que se confundia à própria névoa. A água salina moldava seu rosto perfeito e, quando ela revelou seus orbes, pude contemplar aquele azul infinito e cortante, tão gélidos quanto os de meu pai, Alexander. Eram os olhos de minha irmã Anne.

Meu coração tornou-se mais apertado, quase podia sentir o sangue escorrer por meu kimono alvo. Anne sempre foi tão fria e arrogante, por que ela chorava? Além disto, por que Kazama a consolava? Certa vez prometi a mim mesma proteger a felicidade daquele homem de cabelos dourados, disse que sua felicidade era a minha própria. Então, por que doía tanto vê-lo abraçando-a?

Uma voz ecoou em minha mente, “Vai ficar tudo bem”, e logo a névoa intensificou-se encobrindo tudo ao meu redor. Em pouco tempo não havia mais Anne, Kazama ou jardim, apenas a mim e a esta voz. Aos poucos, notei que as “garras” que pressionavam meu coração não pretendiam despedaçá-lo, apenas o abraçavam de forma terrivelmente intensa, beirando o limite do torturante.

Fechei meus olhos procurando sentir, ao máximo, este carinho que me fazia sorrir e sofrer ao mesmo tempo. No momento, isto era tudo o que tinha. A mesma voz soou novamente, desta vez mais rouca, sussurrada, bem próxima ao meu ouvido e causando leves arrepios. Pela primeira vez em muito tempo senti-me segura, em paz. Meu desejo era agradecer a esta voz, seja lá quem fosse. Mas, quando abri os olhos tudo o que vi foi... O teto do meu quarto?

— Que noite mais estranha... — disse comigo mesma.

Normalmente levanto com o Sol, entretanto, quando acordei os raios já atravessavam o fino papel de arroz e iluminavam todo o quarto, que horas seriam? No mesmo instante, Kimigiku-sensei entrou fazendo um grande estardalhaço, como toda vez em que acordava atrasada. Olhei em sua direção, pronta para pedir-lhe que saísse do meu quarto, mas, quando nossos olhares se cruzaram percebi que seu sorriso matinal havia dado lugar a um semblante sério.

— Aconteceu algo!?! — perguntei preocupada.

Então, apontou para si mesma, como forma de indicar algo em meu rosto. Toquei minha face e senti a pele úmida, sem entender o que estava acontecendo. Inutilmente tentei secar minhas lágrimas, mas, a ação pareceu ter o efeito contrário e, não conseguindo lidar com esta fraqueza, escondi o rosto no travesseiro. Segundos depois Kimigiku sentou à beira do futon e afagou meus cabelos, sem dizer nada. Ela sempre sabia sobre o que não questionar e talvez por isso a respeitasse tanto.

Sem escolha, permiti a mim mesma receber esta carícia e, enquanto meus sentimentos serenavam ao calor das mãos da minha sensei, o mesmo pensamento ainda me atormentava, esta dor que confesso apenas a mim:

Não são estes os braços que desejo.”

Prólogo
15/01/11
by Kelen Yoru